Aumentos salariais no setor privado no limite dos 4% este ano

Valorização salarial para a maioria dos trabalhadores ficará aquém da inflação. Apesar das perspetivas de crise, empresas continuam a debater-se com escassez de talento.
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Entrámos em 2023 com o fardo de uma taxa de inflação média anual de 7,8%, o valor mais alto dos últimos 30 anos, e com grande parte das empresas sem condições para acomodar nos salários dos colaboradores este incremento histórico do custo de vida. Neste novo ano, os aumentos salariais no setor privado estarão muito aquém da inflação e das expectativas dos trabalhadores, com variações entre os 2 a 4% e só muito pontualmente acima da fasquia dos 4%. Para reter os colaboradores, as empresas estão a apostar no "salário emocional", que contempla fatores como o trabalho remoto e a conciliação entre emprego e vida pessoal.

"O atual contexto económico e os cenários de crise previstos para 2023 vêm criar expectativas e pressões em diferentes lados da balança", aponta Rui Teixeira, country manager do ManpowerGroup. Os profissionais querem receber um salário que acomode o aumento abrupto do cabaz de alimentos e a escalada das taxas de juro. Por sua vez, as empresas enfrentam um forte aumento nos custos do financiamento, da energia e das matérias-primas. Uma conjuntura que tem conduzido "os gestores a procurar um maior controlo sobre as despesas não-sujeitas a estes impactos, exercendo, assim, uma maior contenção ao nível dos aumentos salariais". Em suma, "a inflação não está a ser acompanhada por um aumento salarial relevante dos trabalhadores", diz.

Opinião idêntica tem Joana Reis, associate manager da Michael Page Engineering & Manufacturing. Segundo as suas estimativas, os aumentos salariais em 2023 "serão inferiores ao aumento da taxa de inflação". Em geral, "deverão sofrer uma valorização entre os 2 e os 4%", mas "em setores mais dinâmicos este aumento superará os 4%".

Com as organizações a terem de apertar o cordão à bolsa, mas cientes da necessidade de reter os seus colaboradores, a estratégia vai assentar no reforço dos benefícios, flexibilidade laboral e no equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.

Como sublinha Nathalia Leite, sales manager da Adecco Recruitment, "investir em salário emocional poderá ter um papel fulcral".

"No mundo do trabalho pós-pandemia, há a consciência de que nuances de uma vida de trabalho bem-sucedida são mais abrangentes e holísticas e têm em conta o equilíbrio quotidiano entre vida pessoal e trabalho, bem-estar físico e mental, além de um salário ajustado e em linha com a maior taxa de inflação de que há registo nas últimas três décadas", diz a responsável da Adecco.

Na sua opinião, "as organizações com menos capacidade de alavancar salários para atrair talento deverão focar-se noutras alavancas para a retenção, nomeadamente na oferta de flexibilidade tailor made, de perspetivas de progressão na carreira e foco na valorização da saúde mental e bem-estar dos colaboradores".

O Guia Hays 2023 conclui que a questão salarial será um tema central neste ano, com as expectativas dos trabalhadores assentes na valorização dos seus rendimentos. Segundo o estudo, "31% dos profissionais esperam que o seu salário aumente no mínimo 10%", no entanto, "apenas 7% dos empregadores preveem a mesma situação".

Neste cenário, "as soluções que os empregadores podem encontrar para se alinharem com as expectativas dos profissionais será apostar no salário emocional e nos benefícios extras salariais", como trabalho remoto, horários flexíveis, plano de carreira, prémios de desempenho, plano de formação, férias extra, seguro de saúde, sugere Paula Baptista, managing diretor da Hays Portugal.

Rui Teixeira diz que estão também a surgir soluções mais disruptivas para cativar profissionais, como a utilização de criptomoedas ou NFT, em especial no setor tecnológico, assim como planos de ações da empresa.

Falta talento

Apesar de uma conjuntura que levará a uma contração da economia, ou mesmo a uma recessão, as empresas "continuam com intenções de recrutamento bastante otimistas" para 2023, diz o Guia Hays. No entanto, "a incerteza do próximo ano é a primeira certeza para já". Como analisa Inês Casaca, RPO and Risesmart associate director da Randstad Portugal, "será a primeira crise que vivemos em que continua a existir escassez de talento e, por enquanto, ainda não é evidente a retração do mercado de trabalho". Agora "as empresas irão ponderar ainda mais as decisões que envolvem as suas pessoas e estruturas", mas "preocupadas com a criação de oportunidades assim como com a retenção".

Segundo Rui Teixeira, há no país um desencontro de talento. A procura de competências não está a ser acompanhada pela oferta de profissionais com as qualificações desejadas. "Os empregadores nacionais têm cada vez mais dificuldade em preencher as vagas que lançam para o mercado", frisa. Este é um problema transversal à grande maioria dos setores de atividade, mas especialmente acutilante na banca, finanças, seguros e imobiliário.

Nas projeções da Robert Walters, o mercado de recrutamento estará bastante ativo em tecnologias de informação, com uma forte procura de perfis em dados, automação, inteligência artificial, software, engenharia, energias renováveis, construção & real estate e serviços industriais. As empresas vão também procurar garantir a sua saúde financeira, o que significa que profissionais na área de gestão, finanças e contabilidade serão muito procurados.

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