Austeridade criou o caminho para a ascensão do nazismo na década de 1930

Estudo demonstra que cada vez que a austeridade subiu na Alemanha houve correspondente crescimento de dois a cinco pontos percentuais dos votos na extrema-direita radical.
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Em 1928, o Partido Nazi, da Alemanha, recolheu apenas 2% dos votos nas eleições federais, mas em meados de 1932 obteve 38% nas eleições gerais nacionais, tornando-se no maior partido com assento no Parlamento alemão - o Reichstag. É esta ascensão meteórica do partido liderado por Adolf Hitler que quatro académicos tentaram explicar no estudo publicado neste mês no Journal of Economic History, da Universidade de Cambridge.

Gregori Galofré-Vilà, da Universidade Pública de Navarra, Christopher Meissner, economista da Universidade da Califórnia, Martin McKee, professor de Saúde Pública da London School of Hygiene and Tropical Medicine, e David Stuckler, professor de Economia e Sociologia da Universidade de Oxford, avaliaram a relação entre a austeridade orçamental e o sucesso eleitoral do nazismo, analisando de perto os dados de uma centena de distritos e cerca de mil cidades em quatro eleições entre 1930 e 1933.

"As localidades que tiveram maiores cortes na despesa e aumentos mais significativos nos impostos obtiveram maior proporção de votos para o Partido Nazi em todas as eleições federais alemãs entre 1930 e 1933", concluem os autores.

Nos últimos anos têm surgido vários estudos que "avaliam as interações entre as preferências políticas e as políticas orçamentais com evidências de que os pacotes de austeridade estão correlacionados com o aumento extremismo", assumem os autores, mas faltava uma análise quantitativa para o período da República de Weimar. Foi esse o objeto do trabalho.

As medidas adotadas
Para explicar as medidas que foram tomadas no período entre o final da década de 1920 e 1930, os autores recuam ao início dos anos 20 do século passado quando foi assinado o Tratado de Versalhes, que obrigou a Alemanha a reduzir fronteiras e, acima de tudo, pagar indemnizações (reparações) aos países afetados pela I Guerra Mundial, entre os quais se encontrava Portugal. As dívidas de guerra acabaram por nunca ser totalmente pagas.

Cálculos recentes indicam que o valor apurado representava 260% do produto interno bruto (PIB) alemão de 1913, o que correspondia a um montante considerado "cruel", como foi o caso do economista John Maynard Keynes, que sublinhou essa tese no livro "As consequências económicas da paz", onde alertava para os perigos da humilhação do povo alemão.

Os termos do tratado acabaram por se traduzir numa política de austeridade profunda, com efeitos contracionistas na procura agregada, mas sobretudo nas consequências distributivas que mais depressa se refletem na escolha política dos eleitores.

Entre 1930 e 1932, em plena Grande Depressão, Brüning cortou a despesa, aumentou os impostos e cilindrou a rede de segurança social. De acordo com os autores, as despesas foram reduzidas em 8%, os apoios sociais e os subsídios de desemprego foram limitados, e os salários dos funcionários públicos sucessivamente reduzidos. "O impacto foi substancial em muitos aspetos, uma vez que a despesa pública já rondava os 30% do PIB em 1928", indicam os cálculos.

Várias taxas de impostos também foram aumentadas, atingindo com maior violência os escalões mais baixos de rendimento, em termos relativos.

"Cada vez mais cidadãos enfrentaram a insegurança económica e a marginalização numa altura em que mais precisavam de apoio", apontam estes académicos. "Em vez de uma política orçamental expansionista para combater a depressão, os alemães ficaram com um sistema de apoio cada vez mais restritivo e esgotado", concluem.

"A austeridade não só prejudicou a classe média baixa e as elites, ao aumentar as taxas de imposto sobre os lucros e rendimento, mas aparentemente também teve um grande impacto no bem-estar das pessoas devido a cortes nas principais despesas sociais após 1929", incluindo na saúde, defendem os autores.

O "chanceler da fome"
O conservador Heinrich Brüning - que ficou conhecido como "o chanceler da fome" - liderou a chancelaria entre março de 1930 e maio de 1932 e introduziu um conjunto de medidas por decreto executivo para equilibrar as finanças do país. Essas medidas de austeridade incluíram cortes da despesa pública e nos apoios sociais, bem como o aumento dos impostos.

Com esta política severa, o chanceler esperava produzir "alguma simpatia internacional pelo povo alemão, ajudando a pôr fim às impopulares reparações impostas pelo Tratado de Versalhes", defendem os autores. Mas acabou por provocar a ascensão do partido liderado por Hitler.

"Para testar a hipótese de que a austeridade pode explicar o aumento da votação no Partido Nazi, usámos os resultados das eleições federais de 1930, 1932 (julho e novembro) e 1933", explicam os académicos. De seguida, relacionam "os resultados eleitorais com diferentes critérios próximos para as localidades em causa, como as alterações de política orçamental", e incluem outros indicadores, como o desemprego, variações salariais e atividade económica.

Além de diferentes políticas de austeridade aplicadas, Brüning retirou poderes às autoridades locais - Estados federados -, com sucessivos cortes salariais dos funcionários públicos, por exemplo.
Os investigadores socorreram-se ainda da propaganda do Partido Nazi - em que as políticas de aumento de impostos e cortes na despesa eram vistos como "ineficientes e injustos" pelas massas.

Austeridade e extremismos
As políticas de austeridade lançadas pelo chanceler Brüning, do Partido do Centro (Deutsche Zentrumspartei), acabaram por "radicalizar o eleitorado alemão", concluem os investigadores. "A cada aumento do desvio-padrão na austeridade medido de diferentes maneiras foi associado entre um quarto e metade de um desvio-padrão da variável dependente", ou seja, um aumento dos votos entre dois pontos percentuais e cinco pontos percentuais.

Mesmo corrigindo os resultados de explicações alternativas como o colapso da atividade económica e o aumento do desemprego, os autores do estudo acreditam que a austeridade é um dos grandes impulsionadores de um desvio do eleitorado para representações políticas dos extremos.

O estudo revela ainda uma transferência cruzada de votos entre os partidos tradicionais - moderados - para os extremos. Os dados sugerem que a maior transferência de eleitores para o Partido Nazi ocorreu do Partido do Centro, liderado por Brüning. Os resultados mostram ainda que os eleitores mais pobres e os desempregados transferiram o seu voto para o Partido Comunista e não para os Nazis.

A explicação está no facto de as classes económicas superiores terem muito mais a perder com o aumento de impostos e os cortes na despesa, optando pelos nazis, que prometiam alívio fiscal e crescimento económico.

"O corolário parece claro", concluem os autores: "Mesmo quando a história de um país impede uma opção populista de extrema-direita, as políticas de austeridade são suscetíveis de produzir uma forte rejeição dos partidos políticos estabelecidos, com uma subsequente alteração dramática da ordem política."

"O caso da República de Weimar, explorado neste artigo, dá um exemplo oportuno de que impor demasiada austeridade e demasiadas condições punitivas pode não apenas ser autodestrutivo como também desencadear uma série de consequências políticas não intencionais, com resultados verdadeiramente imprevisíveis e potencialmente trágicos", acrescentam.

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