
Alto de São João, última manhã de domingo de 2024. Onde há mais de 15 anos os comboios a gasóleo circulavam nesta zona de Coimbra, agora encontramos camadas de alcatrão perfeitamente pavimentadas. Daqui até Serpins, são mais de 30 quilómetros de estrada exclusivos para o Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM). A partir de meados deste ano, o SMM funcionará com autocarros elétricos articulados no antigo Ramal da Lousã e operados pela empresa Metro Mondego.
Haverá três linhas: de Coimbra-B ao Hospital Pediátrico da cidade; de Coimbra-B a Serpins e do Hospital Pediátrico de Coimbra a Serpins. A Estação Nova de Coimbra não terá comboios: a paragem daquele local, Aeminium, será o ponto de encontro das linhas [ver caixa]. Vamos percorrer a estrada a partir do quilómetro 7,2, no início do percurso suburbano, e perceber que os novos veículos rodoviários andarão mais devagar do que os antigos comboios a gasóleo. Nesta comparação, socorremo-nos da tabela com os limites de velocidade aplicados em 2009, em que o comboio quase sempre podia atingir os 80km/h.
Junto ao Túnel de Carvalhosas o alcatrão pintado de castanho (percurso urbano) dá lugar ao alcatrão preto (percurso suburbano). Como numa estrada nacional, vemos uma placa hectométrica, uma placa de passagem estreita, um sinal que obriga a acender as luzes de médios e outro a limitar a velocidade no túnel, em via única, a 30km/h.
Depois do túnel, vemos a paragem da Portela, antigo apeadeiro de Carvalhosas. Nesta e em todas as paragens, há abrigos para passageiros nos dois sentidos, iguais aos das estações à superfície do Metro do Porto. Só faltam as máquinas de bilhetes e os validadores. A plataforma está perfeitamente alinhada com a altura das portas dos... autocarros, para facilitar a entrada e saída de passageiros, que previamente terão de validar os bilhetes.
Adiante, na Ponte da Portela, o autocarro não poderá exceder os 50km/h. Logo a seguir, placa dos 30km/h, aplicada antes de todas as paragens.
Ao pé da paragem da Quinta da Ponte há uma marcação vermelha no alcatrão, para os peões passarem. À saída, placa de50 km/h, debaixo da Estrada Nacional 17, a famosa Estrada da Beira. É o primeiro trecho de duas vias fora das paragens, mais flexível do que no tempo dos comboios: apenas havia cruzamentos em Coimbra-Parque, Ceira, Miranda do Corvo, Lousã e Serpins - só nestas estações é que os comboios reduziam para 30km/h antes da paragem.
Mais à frente, numa só via, o autocarro pode, pela primeira vez, atingir os 70km/h. No entanto, ao quilómetro 9,3, reduz-se para os 50km/h e, depois, para os 30km/h, antes de Ceira, antiga designação do apeadeiro de Conraria.
Junto ao quilómetro 10, vemos o antigo edifício da Estação de Ceira, completamente abandonado após 15 anos sem comboios. A Infraestruturas de Portugal (IP) colocou a paragem mais adiante e renomeou-a como Sobral de Ceira, junto ao parque de estacionamento. Experimente “ver mais datas” no Google Street View e reparar como era o local em 2009, ainda com carris.
A construção do parque de manutenção e oficinas está à vista ao quilómetro 11 do SMM, zona limitada a 50km/h. Avançamos 700 metros e a estrada volta a ter duas vias... por pouco tempo: após as primeiras duas pontes do Deuça vemos a paragem de Vale de Açor, depois do quilómetro 12. Depois do túnel com o nome da paragem, há uma sequência de sinais a restringir a circulação aos 50, 70 e, novamente, 50km/h.
Atingimos o quilómetro 15 do SMM numa estrada com duas vias e aproximamo-nos de Trémoa, paragem protegida de deslizamentos. A 50km/h, atravessamos a ponte com o mesmo nome e reduzimos para 30km/h no túnel de Tôco. Paragem seguinte: Moinhos, com os abrigos perto do antigo edifício de passageiros - também abandonado - e de prédios de habitação, onde um vizinho prepara o churrasco. Saímos da paragem a 50km/h e, já a 30km/h, entrarmos no túnel de Vale de Mancebos, onde os eucaliptos se exibem não muito longe da estrada. Depois do quilómetro 19, chegamos à paragem de Lobazes e vemos que horas são, graças à instalação do sistema de informação ao passageiro. Outra novidade, ao quilómetro 19,3, é a passagem de nível automática, que já tem os sinais luminosos instalados. Faltam ainda as cancelas, ausentes no tempo do comboio.
Deixámos para trás o túnel de Passareiro. Após o quilómetro 20, no túnel de Carrô, vemos os traços descontínuos na estrada, para o sistema de guiamento ótico dos autocarros. Antes da terceira ponte do Deuça, passagem de nível automática já com câmaras instaladas e semáforos para os autocarros. Nos tempos do comboio, o local era atravessado a 30km/h, velocidade a que o autocarro tem de seguir nesta ponte e no túnel de Miranda do Corvo.
Entramos na paragem de Miranda do Corvo após passarmos pela quarta Ponte do Deuça. Em Miranda, os autocarros vão parar uns metros perto do antigo armazém e do antigo edifício de passageiros, ambos abandonados. Centenas de metros adiante, é possível ver o primeiro dos 35 autocarros articulados que vão servir o SMM: cada veículo está equipado com um pantógrafo, que pode ser elevado para aproveitar um dos carregadores de oportunidade que serão instalados ao longo da rede. Um deles pode ser visto na paragem de Corvo, que tem três abrigos - há paragens que podem fazer de terminal.
Seguimos para Padrão, com velocidade limite de 50km/h. Ultrapassámos o quilómetro 26 e, por mais de 1000 metros, o autocarro chegará aos 70km/h. Depois do quilómetro 28, é necessário travar, para a paragem de Meiral. Após a Ponte de São João (a 50km/h), o limite sobe aos 70km/h por praticamente dois quilómetros.
Ao quilómetro 30,4, já no concelho da Lousã, não se poderá circular a mais de50 km/h. O antigo apeadeiro de Lousã-A agora é a paragem Lousã-Parque de Exposições. Logo a seguir, há Lousã-Estação, mas lá só param autocarros, apesar de ainda haver placas de estradas a apontar para a chegada do comboio. O edifício de passageiros foi convertido num Alojamento Local e tem um café. Continuamos a 50km/h rumo à paragem de Casal de Espírito Santo.
Chegamos ao quilómetro 33 do SMM a 70km/h e avançamos praticamente quatro quilómetros antes de nova redução para 50km/h: vamos atravessar a ponte de Serpins, em curva, também conhecida como a antiga ponte ferroviária do Boque. Casal de Santo António é o nome da paragem que sucede ao antigo apeadeiro de Prilhão-Casais, ao quilómetro 37,1. Nem um quilómetro depois, final da estrada, na antiga estação ferroviária de Serpins, cujo edifício de passageiros também virou Alojamento Local.
Resta saber se os autocarros mascarados de metropolitano vão convencer os utentes de Coimbra e arredores a partir de meados deste ano ou se as saudades dos carris serão ainda mais fortes.
Não há comboios no centro de Coimbra a partir do próximo domingo: está marcada para 12 de janeiro a última viagem a partir do edifício da estação nova, inaugurado em 1931 junto à Ponte de Santa Clara. Com o fim da ligação sobre carris entre a Estação Central e Coimbra-B, será dado um passo decisivo para a implementação do Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM). Desde outubro de 1885 que o comboio parava no centro da cidade. Até que o troço urbano do SMM fique completo, no final deste ano, os utentes terão de utilizar o autocarro, gratuito, entre a Estação Nova, desenhada por Cottinelli Telmo, e Coimbra-B.
Apesar de cada autocarro articulado ter 136 lugares (54 deles sentados), a Metro Mondego garante que uma frequência de cinco minutos por sentido no percurso urbano nos períodos de maior procura, proporcionando mais de 1600 lugares hora/sentido. No entanto, o comboio entre Coimbra e Coimbra-B, com uma automotora elétrica com três carruagens, realizava cinco circulações por hora/sentido entre as 8.00 e as 9.00 horas da manhã, proporcionando um total de 2680 lugares hora/sentido.
No percurso suburbano, a antiga automotora a gasóleo proporcionava perto de 100 lugares por hora e por sentido no antigo Ramal da Lousã com uma circulação por hora/sentido e duas viagens hora/sentido nos períodos de maior procura. Para responder à afluência de utentes, cada viagem utilizava duas ou mesmo três automotoras acopladas, aumentando a lotação para perto de 300 lugares por ligação.
A sociedade Metro Mondego nasceu em março de 1994. O último Governo de Cavaco Silva queria transformar o Ramal da Lousã num metro ligeiro de superfície. O projeto mal arrancou e só foi retomado em 2009, no segundo Governo de José Sócrates: ainda nesse ano, acabaram os comboios na Linha da Lousã (Serpins-Miranda do Corvo); nos primeiros dias de 2010, entre Miranda do Corvo e Coimbra-A. Autocarros de substituição foram postos em marcha e os carris foram levantados para a construção do metro. O projeto, no entanto, foi cancelado no final de 2010. O serviço de substituição dura até hoje.
No final de 2014, Pedro Passos Coelho, enquanto primeiro-ministro, abriu a porta a que o Metro Mondego se transformasse num sistema de autocarros em vez da ferrovia ligeira. Três anos depois, em junho, o primeiro Governo de António Costa confirmou a troca do metro ligeiro por autocarros articulados em via dedicada. Em 30 anos, gastaram-se mais de 327 milhões de euros em estudos, atos administrativos e empreitadas, segundo a Lusa.