Banco de Portugal revê em alta crescimento da economia para 6,3% em 2022

Boletim económico de junho antecipa, contudo, desaceleração a partir do segundo trimestre. No pior cenário, PIB avança 4,8% este ano e haverá crescimento nulo (0%) em 2023.
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O Banco de Portugal (BdP) reviu em alta o crescimento da economia nacional para 2022, estimando uma aceleração do produto interno bruto (PIB) em 6,3%. No entanto, o regulador da banca prevê uma estagnação da economia, sobretudo, a partir do segundo trimestre do ano, o que levou ao corte da projeção para 2023. Também a taxa de inflação é revista em alta de 4% para 5,9% em 2022.

"Esta previsão está relacionada com o efeito de carry-over [arrastamento] do perfil de crescimento elevado em 2021", afirmou o governador do BdP, Mário Centeno, na apresentação do boletim económico de junho com projeções até 2024, que decorreu esta quarta-feira, no Museu do Dinheiro, em Lisboa. O líder do regulador da banca considerou, todavia, tratar-se de uma previsão "conservadora" porque "este cenário aparentemente benigno tem desafios" (como a pressão inflacionista e o efeito da guerra na Ucrânia).

Da última vez que Mário Centeno apresentou projeções para a economia nacional (em março), os cálculos do regulador da banca estimavam um crescimento de 4,9%. Nessa altura, os cálculos baseavam-se num cenário em que não havia uma escalada da guerra na Ucrânia, mas, até agora, não há sinais de que o conflito entre russos e ucranianos termine no curto prazo. Num cenário de agravamento da guerra, o BdP apontava para um crescimento da economia de 3,6%. De referir que, entretanto, a inflação aumentou para 8% em maio.

Agora, de acordo com Mário Centeno, há uma melhoria da projeção para 2022 porque a evolução da economia no ano anterior e a subida homóloga de 2,6% do PIB no primeiro trimestre deste ano, deram algumas garantias ao BdP. Acresce "uma retoma da economia face a 2019". "Por exemplo, prevemos que o turismo volte aos níveis anteriores à pandemia já no segundo trimestre", realçou Centeno, defendendo que esse comportamento converge com a zona euro.

"A dinâmica do turismo tem surpreendido favoravelmente nos meses mais recentes", salientou, admitindo que os dados projetados representam uma "antecipação muito significativa face aos boletins económicos anteriores".

Quanto às exportações, o BdP calculou que estas deverão crescer 13,4% em 2022, devido à "recuperação" dos serviços "com um crescimento de cerca de 41% em 2022, 10% em 2023 e 4% em 2024". Isto, "num contexto de redução dos constrangimentos à mobilidade internacional e de disponibilidade financeira dos agentes dada a poupança acumulada durante a crise pandémica", de acordo com o boletim apresentado. No entanto, as exportações de bens deverão abrandar, devido à desaceleração da procura externa, segundo Centeno.

Por isso, quase como se ilustrasse a existência de uma folga na capacidade de resiliência da economia portuguesa, o chefe do BdP disse que, num cenário em que o PIB fosse 0% em todos os trimestres do ano, o ritmo de crescimento da economia seria de 3,7% no final de 2022. Mas esse não foi considerado um cenário realista para a atual projeção. Se na melhor das hipóteses, o BdP aponta para um crescimento do PIB de 6,3%, no cenário mais adverso a previsão é de uma subida do PIB de 4,8%, apenas uma décima abaixo do melhor cenário projetado em março.

Depois de 2022, a expectativa é que a economia portuguesa vá desacelerando até 2024, tendo em conta que o referido efeito de "arrastamento" relativo à guerra na Ucrânia, pressão inflacionista, problemas nas cadeias de abastecimento, e ainda o contexto pandémico, em 2022, só se reflitam nas contas dos anos seguintes. Assim, considerando uma desaceleração do PIB a partir do segundo trimestre de 2022, o BdP projetou um crescimento de 2,6% em 2023 (previsão de março era 2,9%). Em 2024, a economia portuguesa deverá crescer 2%. Mas isto numa lógica otimista, porque no cenário mais adverso, o PIB pode registará uma evolução de 0% em 2023 e de 2,7% em 2024.

E se a evolução da economia foi revista em alta para este ano, também a inflação o foi. Um dia depois do INE confirmar um aumento para 8% em maio, o BdP veio antecipar uma taxa de inflação de 5,9% no final de 2022 (em março, estimava-a nos 4%). Para 2023, a inflação foi projetada em 2,7% e, em 2024, nuns exatos 2%. Num cenário adverso, a inflação foi calculada em 6,8% este ano, 4,3% em 2023 e 1,7% em 2024.

No boletim económico, o BdP explica que o perfil traçado "reflete a evolução das pressões externas sobre os preços", embora essas pressões se vão dissipando nos próximos dois anos, "sendo parcialmente compensadas por um aumento das pressões internas".

Indica, ainda, o BdP que estas contas têm "associados riscos descendentes para a atividade e ascendentes para a inflação, em particular no ano de 2022". E a "possibilidade de agravamento do impacto da invasão da Ucrânia constitui o principal foco de incerteza e riscos".

Há uma "elevada incerteza", de acordo com o BdP, que no cenário mais adverso previu um crescimento nulo do PIB em 2023.

"O cenário assume que a invasão se prolonga, com um agravamento das tensões geopolíticas e a imposição de novas sanções económicas, o que se traduz em subidas mais acentuadas dos preços das matérias-primas, disrupções adicionais nas cadeias de valor global, maior incerteza e amplificação das fricções financeiras", lê -se no boletim do BdP, que tem em conta, ainda, "uma interrupção abrupta" das importações de petróleo e gás da Rússia para países europeus nos últimos seis meses de 2022.

A esta incerteza acresce os efeitos no mercado laboral. Contudo, o banco central português não vê os cenários projetados a penalizar fortemente o mercado laboral até 2024.

Segundo os dados apresentados por Mário Centeno, a taxa de desemprego vai diminuir para 5,6% em 2022 e 5,4% em 2023 e 2024, embora o crescimento do emprego desacelere até 2024.

Não obstante, os salários vão ressentir-se. Os salários reais dos trabalhadores vão encolher 1% no setor privado já em 2022, "refletindo a subida da inflação". Mas deverão subir, em média, 2% "em linha com a produtividade".

"Enquanto o crescimento médio do IHPC [Índice Harmonizado de Preços do Consumidor] no horizonte de projeção é de cerca de 3,5%, os salários nominais por trabalhador no setor privado crescem 1,5% acima da produtividade no mesmo período", refere o boletim, onde o BdP explica que "a atual projeção incorpora o aumento anunciado do salário mínimo de 6,4% em 2023". O governo prometeu aumentar o salário mínimo nacional suba para 750 euros em 2023.

Sobre isso, Centeno reiterou a necessidade de haver "cautela" nas atualizações salariais à taxa de inflação. O governador admitiu que "era esperada alguma inflação, mas não tanta".

"A inflação é um fenómeno que não tem características permanentes e a reação que devemos ter coletivamente tem de levar isso em conta", afirmou Centeno, referindo que essa "é uma pré-condição importante para que esse fenómeno não se torne endogéno".

Por isso, realçou que são necessários "ganhos reais" no país, face à projeção do supervisor da banca, para Portugal manter uma tendência de crescimento no salário médio nominal. De acordo com Centeno, o salário médio nominal, que não leva em conta a inflação, cresceu 3,5% entre abril e maio.

Desta forma, o governador do BdP defendeu que subir os salários até à taxa de 2%, a meta de inflação do banco central, acompanhada por ganhos de produtividade não gerará pressões inflacionistas.

"Não geram pressões inflacionistas subidas de salários, que sejam no máximo em termos nominais idênticas ao nosso objetivo de inflação no médio prazo, idealmente acrescidos de ganhos de produtividade", afirmou o governador do BdP. "Se esta regra for cumprida, não há razão para que efeitos de segunda ordem se façam sentir", acrescentou

Contudo, considerou que esta é uma posição "analiticamente correta", uma vez que "pode não ter tradução política do ponto de vista das negociações concretas".

[Atualizada às 15h17 com mais informação]

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