
As taxas de juro da Zona Euro devem iniciar, esta quinta-feira, um ciclo de descidas que, segundo dizem vários analistas, deve durar cerca de ano e meio, até que a nova taxa principal e de referência do Banco Central Europeu (BCE), a chamada taxa de juro de depósito (taxa depo), baixe do atual máximo histórico de 4% para 2,25% ou 2,5% no final de 2025. Depois deve estabilizar nestes níveis, esperam observadores da banca central.
O consenso dos "mercados" aponta, com alta probabilidade, para um primeiro corte de 0,25 pontos percentuais (esta quinta, 6 de junho de 2024) nas três taxas de que o BCE dispõe (depósito, refinanciamento e cedência marginal de liquidez).
A taxa de depósito (depo), a nova referência dos mercados por ser a mais determinante, segundo afirma o BCE, a que melhor corresponde ao custo de financiamento suportado pelos bancos quando no seu dia-a-dia depositam o seu ainda avultado excesso de liquidez e de reservas, descerá, assim, para 3,75%.
Continua a ser uma boa remuneração, próxima da taxa mais alta de sempre (os tais 4% que vigoraram até hoje). Boa para os bancos comerciais porque retiram um juro muito elevado em termos históricos, mas que também se reflete em juros (e prestações bancárias nos empréstimos contraídos) ainda muito elevados cobrados nos empréstimos a famílias e empresas por toda a Zona Euro.
Em Portugal, este nível de juros tem pressionado de forma algo dura as finanças familiares, sobretudo dos que têm menores rendimentos, e as empresas mais endividadas ou mais pequenas, com menor cabedal financeiro e de capital.
A presidente do BCE, Christine Lagarde, que nunca desceu taxas de juro desde que foi apontada para este cargo em novembro de 2019, deve colocar, assim, um ponto final ao ciclo de subida de juros mais rápido e violento da história do BCE (desde 1998).
Este aperto monetário durou quase dois anos, em resposta a um surto inflacionista provocado pela guerra logo no início de 2022 pela invasão da Ucrânia pela Rússia, pela eclosão de outros conflitos, como a guerra sangrenta entre Israel e o Hamas (e o povo de Gaza), pelas várias fraturas entretando abertas no comércio e nas relações entre vários países do mundo.
Antes destes dois anos de freio sobre a inflação, e cujas consequências nefastas estão à vista nas várias economias (Zona Euro estagnada, tendo países como a gigante Alemanha caído já em recessão), a área da moeda europeia experimentou dez anos de taxas de juro zero ou mesmo negativas. Primeiro, em 2012, foi para travar de uma vez por todas a crise e o risco de implosão da Zona Euro.
Paralelamente, a anterior taxa de juro principal (a mais conhecida taxa de refinanciamento, também apelidada de taxa refi, usada nas cedências de crédito regulares semanais do BCE aos bancos comerciais do euro), hoje perto de máximos de sempre (4,5%), também vai acompanhar a descida da nova taxa principal (depo) e, garantiu já o BCE, em setembro vai cair ainda mais rápido pois Frankfurt decidiu que a diferença entre a taxa refi e a depo terá de ser reduzida da atual margem de 0,5 pontos percentuais para 0,15 pontos.
Ou seja, em setembro, mesmo que o BCE não mexa na sua nova taxa principal (depo), a taxa de juro refi vai cair na mesma 0,35 pontos percentuais, decidiu Frankfurt em março deste ano.
Sven Jari Stehn e Alexandre Stott, do banco de investimento Goldman Sachs, acreditam que o BCE começa hoje a enveredar por “um caminho de cortes trimestrais [de 0,25 pontos percentuais cada] até chegar a uma taxa depo terminal de 2,25% no quarto trimestre de 2025”.
Estes economistas defendem ainda que o BCE deve rever hoje o crescimento da Zona Euro em alta ligeira (previa uma subida do PIB de 0,6% em março, agora em junho, deve subir para 0,7% em 2024).
Mas o mesmo acontecerá com o indicador principal para os banqueiros centrais, a inflação. No exercício de março, o BCE projetou uma subida média de preços no consumidor na ordem de 2,3% em 2024; agora, deve ser 2,4%, estima a dupla do Goldman Sachs.
No ano que vem, a pressão sobre os preços também deve ser revista em alta ligeira. Em vez de se chegar ao ponto ótimo (2%, a estimativa de março), a inflação de 2025 deverá rondar 2,1%, o que, para o BCE significa um sinal de cautela.
Se revê em alta a inflação prevista para mais de 2%, mesmo que pouco, é sinal de que as pressões inflacionistas ainda não estão bem domadas o que, ato contínuo, pode significar maior contenção nas descidas de juros que tantos (famílias e empresas) andam a pedir, por exemplo.
O BCE protege-se destas formas de pressão, diz que está totalmente "dependente dos dados", ou seja, tem de avaliar a par e passo a situação e é com base nessa informação mais fina sobre a persistência da inflação que vai além dos 2% (a meta oficial) que depois decide o nível de taxas de juro "apropriado", se corta ou não na facilidade (custo) aos acessos de outros instrumentos de financiamento que estão em uso e ao dispor dos bancos comerciais, as suas contrapartes. E diz que os salários têm subido fortemente, algo que Frankfurt considera contraproducente para a sanidade de preços da Zona Euro.
Uma nova taxa principal porquê?
Como referido, em março passado, o BCE decidiu ajustar o chamado "quadro operacional", onde as grandes protagonistas são as suas três taxas de juro diretoras, decretando que a taxa de depósito é, sem dúvida, a que melhor reflete o custo efetivo do financiamento ao setor bancário e o poder de transmissão das suas decisões, da política monetária, à economia real. Primeiro e acima de tudo, aos preços sentidos pelos consumidores e à estabilidadade financeira; depois, à atividade (investimento empresarial) e ao emprego.
Assim é, de forma mais evidente, desde meados de setembro de 2022, quando a taxa depo abandonou território negativo e o zero, passando a ser positiva.
Charles Seville e Brian Coulton, os economistas da Fitch que seguem o BCE, recordam que a autoridade liderada por Lagarde "irá introduzir um novo quadro operacional para a política monetária em setembro de 2024, tornando a taxa de depósito (sobre as reservas bancárias) a principal taxa de política monetária".
Por isso, a taxa depo "vai passar a ser a taxa de juro que a Fitch Ratings irá prever a partir de junho".
A depo, o custo cobrado aos bancos pelos depósitos das reservas em excesso no seu negócio diário, "tornou-se a taxa da política monetária de facto durante o período de expansão quantitativa (QE ou quantitative easing), quando o BCE introduziu o seu quadro de reservas amplas", dizem os peritos.
Aludem ao tempo dos programas gigantescos de compras de dívida pública ativados em 2014 para deixar para trás a crise do euro e depois para financiar o combate à pandemia covid-19, a partir de 2020.
Assim, "prevemos que esta taxa diretora (atualmente nos 4%) se situe em 3,25% no final de 2024 e em 2,5% no final de 2025", afirmam os profissionais da agência de ratings.
Além disso, "o BCE planeia reduzir o diferencial entre a taxa diretora e a taxa das operações principais de refinanciamento (MRO ou refi) dos atuais 0,5 pontos para 0,15 pontos percentuais em 18 de setembro de 2024".
A intenção do BCE "é passar do atual sistema orientado para a oferta -- em que as reservas são abundantes e determinadas apenas pela dimensão do balanço do BCE -- para um sistema orientado para a procura, em que as reservas são menos abundantes e existe uma certa escassez", observam os da Fitch.
No fundo, é também para incentivar os bancos a procurarem liquidez como antigamente, antes da crise do subprime em 2007, em que vendiam e compravam fundos uns aos outros nos mercados interbancários, onde o indexante principal é a Euribor (nas suas diferentes maturidades, prazos).
"A procura marginal de reservas por parte dos bancos comerciais acabará por ser satisfeita principalmente através de operações de refinanciamento semanais regulares, nas quais os bancos pedem emprestadas ao BCE as reservas de que necessitam".
Mas, antecipam estes economistas da Fitch, "à medida que as reservas se tornam menos amplas, aumenta o risco de pressão ascendente sobre as taxas de juro overnight [de um dia para o outro]".
Em alternativa, a ideia do BCE é que os bancos restaurem "o papel dos princípios de mercado e reativem a contração e concessão de empréstimos interbancários overnight - atualmente moribundos - no âmbito do corredor de taxas de juro" centrais, concluem.
Nos últimos anos, a gestão de liquidez e de reservas dos bancos estava sobretudo ligada à comercialização de enormes quantidades (valores) de dívida pública. Estes compravam-na aos Estados e depois vendiam-na ao BCE e aos bancos centrais nacionais nos mercados secundários (retalho).
Esse tempo terminou/está a terminar, como se sabe, embora o BCE e os restantes bancos centrais ainda conservem nos seus balanços volumes muito significativos de títulos do Tesouro, do quais se estão ainda a desfazer no âmbito do processo de "normalização" da política monetária, como diz o BCE.
O caminho para a normalidade do BCE ainda deve demorar alguns meses a concluir, vai durar até que os bancos centrais fiquem com porções mínimas ou até residuais de dívida pública. É essa a ideia, desde que não haja uma nova crise grave ou rutura nos mercados.
Era, aliás, o que havia antes da crise do euro, mas já lá vão mais de 12 anos.