A subida forte da inflação, que começou a revelar-se a partir de setembro de 2021, levou o Banco Central Europeu (BCE) a terminar, no final deste mês de março, um dos seus enormes programas de compra de ativos, essencialmente de dívida pública. Estamos a falar da bazuca de emergência de resposta à crise pandémica (PEPP ou Pandemic Emergency Purchase Programme), que foi ativada em março de 2020, quando começou em força o contágio global.
Tal como foi decido pelos governadores que compõem o conselho do BCE, o envelope para as compras totais PEPP poderia ir até 1,85 biliões de euros (milhões de milhões), isto depois de ter sido incrementado por duas vezes em 2020, numa altura em que a pandemia não dava sinais de tréguas.
Ontem, quarta-feira, o BCE revelou que, afinal, o referido plafond não foi esgotado: mais de 7% da capacidade de compras da bazuca pandémica ficou por usar.
Ou seja, cerca de 132 mil milhões de euros em compras não realizadas de dívida pública e que, assim, acabaram por não ajudar a baixar ou manter em mínimos as taxas de juro públicas dos vários países da zona euro.
Por lei, o BCE não pode comprar dívida pública diretamente aos Estados.
No entanto, pode ir aos mercados comprar aos bancos comerciais e fundos a dívida que existe em negociação, o que acaba por ter o mesmo efeito de arrefecimento sobre as taxas cobradas aos contribuintes pelo endividamento.
Para países como Portugal, estes programas do BCE têm sido decisivos para aliviar o fardo da dívida e, sobretudo, o défice pois têm conduzido a poupanças milionárias nos juros a pagar. Juros são despesa e vão ao défice.
As compras de Frankfurt são muito grandes e as taxas de juro descem mesmo em todo o espetro de maturidades sempre que a instituição vai aos mercados.
Reinvestimento até final de 2024
Para mais, o BCE está a conservar títulos no balanço (não amortiza o capital, o principal), ou seja, não os despeja ou vende já nos mercados, caso contrário, faria os juros subirem muito mais do que agora sucede.
É a chamada fase de "reinvestimento", que deve durar, segundo a instituição, "até ao final de 2024, pelo menos". Mas mesmo aqui, o BCE reserva-se ao direito de fazer alterações de a inflação ficar descontrolada.
Segundo a instituição presidida por Christine Lagarde, no final de março de 2022, as compras do PEPP, entretanto finalizado, estavam avaliadas em 1,718 biliões de euros. É um valor significativo.
Deste bolo, Portugal beneficiou em linha com a sua chave de participação no BCE, cerca de 2% do capital. Ou seja, o banco central comprou, ao longo dos dois anos que durou o PEPP, mais de 34,7 mil milhões de euros em dívida nacional.
Segundo o Banco de Portugal (BdP), "a implementação do PEPP contribuiu para reduzir as taxas de juro da dívida pública da zona euro e para contrariar a subida nos diferenciais das taxas de juro da dívida pública entre os países da área do euro".
BdP: "Taxas da dívida portuguesa beneficiaram"
"As taxas de juro da dívida pública portuguesa beneficiaram igualmente da implementação do PEPP, tendo atingido mínimos históricos" em 2020, por exemplo.
Nessa altura crítica, quando o BCE carregou a fundo no acelerador, "a dívida a 10 anos de Portugal registou em dezembro desse ano, pela primeira vez, uma taxa de juro negativa, tendo terminado o ano num nível ligeiramente superior a 0%", acrescenta o BdP no Relatório da Implementação da Política Monetária referente a esse ano.
Esses tempos já lá vão. O BCE está, como nunca, muito apreensivo com o curso da inflação (que na zona euro já vai em 7,5% em março (subida face a igual mês de 2021), segundo dados provisórios do Eurostat.
Está totalmente fora das marcas de segurança do BCE, que tem por missão manter a inflação num eixo muito próximo de 2%.
Com a retirada de estímulos do BCE, o custo da dívida sobe, como referido.
Com o BCE a sair, fica cinco vezes mais caro
Ontem, quarta-feira 6, Portugal experimentou isso mesmo. Inaugurou uma nova linha de Obrigações do Tesouro a dez anos (dívida sindicada), na qual ficou a pagar uma taxa de juro final de 1,67%. É cinco vezes mais caro do que na emissão comparável de há um ano.
Segundo Filipe Silva, economista do Banco Carregosa, "a subida acaba por refletir o momento que temos no mercado de dívida".
"Os bancos centrais, com o BCE incluído, têm vindo a anunciar o fim dos programas quantitativos, seguidos de subidas de taxas de juro, para fazer face à elevada inflação que se tem mostrado mais persistente do que inicialmente se esperava" e "por outro lado, temos a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, que trouxe um risco adicional para a Europa e ainda agravou mais a questão inflacionista".
"Apesar de o aumento dos prémios de risco que estamos a verificar globalmente e que podem vir a prejudicar os países mais endividados, ainda estamos longe dos níveis críticos de taxas", observa o analista.