Desde janeiro deste ano até ao início do corrente mês de junho foram realizadas dezenas de previsões por dezenas de equipas de economistas e peritos do setor privado (como os que integram gabinetes de estudos de bancos e consultoras financeiras) e a tendência é inequívoca: em menos de seis meses, o panorama esperado para a retoma europeia em 2022 degradou-se de forma severa e a expectativa de inflação mais do que triplicou, indica o Banco Central Europeu (BCE) num artigo do boletim económico de junho, ontem divulgado.
Em menos de seis meses, e com uma guerra a rebentar pelo meio, a 24 de fevereiro, a previsão média de crescimento do produto interno bruto (PIB) da zona euro que resulta dos estudos analisados pelo BCE caiu de quase 4% para 2,5%.
O ritmo esperado para a retoma anual esvaiu-se para quase metade e a tendência é para que venha a piorar por a guerra da Rússia contra a Ucrânia não dar sinais de que vá terminar em breve.
No caso dos preços praticados no consumidor final (o custo que as famílias enfrentam quando compram bens e serviços), o cenário anual aparece muito pior agora do que se calculava em janeiro.
Segundo o banco central liderado por Christine Lagarde, a previsão média de inflação em 2022 apurada pelos peritos do "setor privado", que no início do ano estava pouco acima dos 3%, supera hoje os 7%. Ou seja, mais do que duplicou.
E existem sinais de que o custo pode aumentar ainda mais.
Este mês, o BCE previu uma retoma anual (para 2022) de apenas 2,8% e uma inflação média que poderá andar perto dos 6,8%.
No entanto, quando divulgou estes dados na reunião de aviso de que as taxas de juro vão subir em julho e, provavelmente, várias vezes este ano depois das férias, Frankfurt alertou que a guerra pode não terminar este ano, como se deseja, e entrar por 2023 a dentro.
Neste cenário ainda mais negativo, a economia cresce 1,3% em 2022, caindo em recessão (-1,7%) no próximo ano. A inflação dói ainda mais, claro: os preços sobem 8% em 2022 e 6,4% no ano que vem.
Neste cenário mau significa que, estando a inflação muito acima do que o BCE pode admitir (cerca de 2%), está também garantida a continuação da subida de taxas de juro em 2023 para arrefecer os preços.
Para famílias, empresas e países mais endividados (como é o caso da realidade portuguesa), são más notícias, sempre.
Então, será que a Europa está a caminho de uma nova crise? Estará na rota da estagflação, um quadro parecido com o que aconteceu na década de 70 do século passado, quando a inflação disparou e as economias estagnaram e entraram em recessão? O BCE conclui que ainda não.
"As previsões atuais dos peritos continuam longe de um cenário de estagflação. Isto, apesar de os mais recentes inquéritos a analistas profissionais de abril e maio de 2022 - como, por exemplo, Consensus Economics, Barómetro da zona euro, Inquérito a Analistas Monetários do BCE e Inquérito a Previsores Profissionais do BCE - apresentarem previsões mais elevadas de inflação e de crescimento real mais baixas, tanto para 2022 como para 2023, quando comparado com o início deste ano", observa o BCE.
"As revisões das previsões são mais acentuadas para 2022 do que para 2023", mas por enquanto, no que respeita a 2023, "a previsão de crescimento real do PIB da Consensus Economics permanece acima dos 2% e apenas três estudos esperam um crescimento inferior a 1%".
O BCE ainda defende que, embora as previsões feitas desde o início da guerra apontem para uma inflação "superior a 2%, em média, em 2023", a maioria dos especialistas espera que a inflação desça abaixo dos 2% na segunda metade de 2023".
Problema: nestes últimos tempos "a incerteza aumentou e a dispersão das previsões também".
"Os coeficientes de variação tanto para as previsões de inflação como para as de crescimento dilataram mais de 30% e 50%, respetivamente, desde o início da guerra. É a incerteza a alastrar.
Isto significa que a amplitude do intervalo de previsão em que o ponto central dá, por exemplo, 7% de inflação em 2022, está cada vez mais dilatada. E que, portanto, a probabilidade de a inflação final poder vir a ser muito maior do que 7% é também ela superior, por exemplo.
Segundo o BCE, não existe uma definição única para estagflação, mas é consensual que ela existe quando a economia estagna ou se retrai, ao mesmo tempo que a inflação muito alta persiste (no caso da zona euro, muito acima da meta de 2% do BCE) e que esta situação se prolonga por, "pelo menos, dois anos". Ainda não é o caso nos cenários de base.