Bem-vindos a um novo mundo: do uso de cópias digitalizadas e das fotocópias

Precisamos de um quadro legislativo adaptado às necessidades e realidades do novo normal.
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Na atual situação vivida em Portugal e, atentas as medidas de isolamento social implementadas pelo Governo e pela Organização Mundial de Saúde que vieram dificultar ou mesmo impossibilitar a assinatura presencial de atos e contratos, o uso de documentos eletrónicos revela-se uma solução prática e vantajosa. Resta, contudo, perceber até que ponto esta solução é válida e eficaz e qual o valor probatório deste tipo de documentos.

Muito bem andou o legislador a este propósito quando, no âmbito das medidas excecionais e temporárias estabelecidas com referência à pandemia da doença covid-19, veio estipular que às cópias digitalizadas e às fotocópias dos atos e contratos seja atribuída a força probatória dos respetivos originais. Esta disposição encontra-se prevista no Decreto-Lei n.º 12-A/2020, de 6 de abril (o qual procedeu à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março), mais concretamente no artigo 16-A do referido diploma. Esta disposição apenas deixará de se aplicar em concreto na eventualidade de a pessoa a quem forem apresentadas cópias digitalizadas requerer a exibição dos documentos originais.

Esta disposição foi ainda mais longe ao permitir que coexistam no mesmo documento formas diversas de assinatura sem que a validade do documento seja comprometida. Em termos práticos, é atualmente possível a celebração de um contrato cuja assinatura de uma das partes seja aposta de forma manuscrita, mas em que o documento enviado à outra parte se trate de uma cópia digitalizada do contrato assinado (ao invés do documento original). A outra parte poderá proceder de forma idêntica ou, em alternativa, poderá assinar o mesmo documento (diga-se a cópia digitalizada que lhe foi remetida) por via manuscrita ou através de assinatura eletrónica. Sendo atualmente possível a coexistência de todas estas alternativas com referência ao mesmo documento e a todas sendo conferida a mesma validade jurídica.

Numa fase em que se privilegia o teletrabalho e o isolamento social, a via digital, apresenta-se, de facto, como a única forma de assegurar a prática de determinados atos. Sendo que, na ausência de meios digitais à disposição, muitos atos poderiam vir a ser protelados por demasiado tempo, podendo mesmo vir a tornar-se obsoletos ou desprovidos de valor. Atentos os entraves levantados pelo atual cenário, a título exemplificativo, o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) decidiu aceitar a prática de procedimentos por via digital, nomeadamente no que respeita à celebração de contratos de mediação imobiliária, empreitada e subempreitada.

Não se encontra prevista uma data para o termo de vigência da medida estabelecida no Decreto-Lei n.º 12-A/2020, de 6 de abril através da qual é atribuída às cópias digitalizadas e às fotocópias dos atos e contratos a mesma força probatória dos respetivos originais. Apesar de ter findado o estado de emergência, e ao contrário de outras medidas adotadas, esta medida permanece em vigor. Será que foi distração? Esperemos que não. O nosso modo de vida nos próximos meses ou anos vai certamente mudar. Para muitos, o teletrabalho passará a ser uma realidade, ao invés de uma opção. E só superaremos os tempos difíceis que se antecipam se tivermos um quadro legislativo adaptado às necessidades e realidades que vamos experienciar. Sem que tenha vindo na abertura de um noticiário, acaba de testemunhar uma de várias alterações que vão mudar as nossas vidas! Seja bem-vindo!

Lídia Neves é associada senior da Miranda & Associados

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