O alerta é deixado por Carlos Alegria, presidente da Associação dos Produtores de Energia com Biomassa (APEB): “Se o preço dos resíduos florestais chegar aos 40/50 euros por tonelada, que é o valor pelo qual são vendidos à indústria da pasta de papel, porque tem um maior valor económico, eu fecho a central. Não foi para esse valor que ela estava prevista”. Num espaço de menos de um ano, o preço da matéria-prima que alimenta as centrais a biomassa que estão a nascer por todo o país praticamente duplicou: de 25 a 27 euros por tonelada, para o dobro.
O presidente da APEB, proprietário de três centrais, localizadas em Viseu, Oliveira de Azeméis e Fundão, ainda se lembra de quando “havia tanta biomassa que nem se sabia o que fazer com ela”. Agora o cenário é o inverso: “De Constância a Vilar Formoso está tudo queimado. No Fundão já não consigo arranjar matéria-prima, em Viseu ainda há, mas mais a norte não há mesmo e querem aumentar os preços. É a lei da procura e da oferta. Já estou a pensar ir buscar resíduos florestais a Espanha”, diz o empresário, acrescentando: “Em maio tenho mais uma central pronta, que já está a consumir biomassa para testes e não há. Começo a ficar aflito”. Entre as que estão em projeto e as que arrancam em 2019, o presidente da APEB fala em 15 novas centrais a biomassa em Portugal, num total de 110 MW licenciados, que equivalem a um investimento acima de 400 milhões de euros, assegura.
Nas centrais do Fundão e de Viseu, cada uma com 15 MW de potência (e um consumo de 150 mil toneladas de matéria-prima, o equivalente a 20 camiões por dia), Carlos Alegria investiu 104 milhões de euros, financiados a muito custo, e ao fim de quatro anos, pela banca nacional e espanhola. Ainda conseguiu que o Banco Europeu de Investimento custeasse 50%, mas a biomassa teria de ser certificada e a ajuda caiu por terra. “Não há em Portugal. Quem é que vai certificar e ter ainda mais custos?”.
Por seu lado, fonte do Ministério do Ambiente e da Transição Energética confirmou ao Dinheiro Vivo que até agora já foram aprovadas 11 centrais a biomassa, correspondentes a 193 MW, e a um investimento potencial de 412 milhões de euros. “As que estão em laboração continuarão em funcionamento. As que estão previstas estrear, serão inauguradas no prazo previsto”, diz fonte do MATE.
“Este dinheiro já foi investido para fazer centrais para as quais não há matéria-prima. E não se pode voltar atrás. Só para isto vamos precisar de quatro a cinco milhões de toneladas de resíduos florestais", alerta o responsável da APEB, acrescentando ainda outros riscos ao cenário de escassez: mais 20 fábricas de pellets que também usam resíduos florestais e ainda inúmeras unidades industriais que estão a substituir as suas caldeiras a eletricidade e gás por biomassa, por ser mais barato. Soma-se ainda a falta de mão-de-obra para a recolha de resíduos florestais e a indisponibilidade da rede elétrica nacional para ligar as centrais, por já estar sobrecarregada com os parques eólicos e os novos projetos fotovoltaicos.
Recentemente, o novo secretário de Estado da energia, João Galamba, anunciou um travão a fundo na estratégia nacional para a biomassa, no que diz respeito aos 60MW adicionais com tarifa subsidiada, autorizados ainda pelo seu antecessor Jorge Seguro Sanches, e com o aval de Bruxelas que disponibilizou ajudas de Estado no valor de 320 milhões de euros durante 15 anos, “financiados via um aumento nas tarifas de energia”.
“Não iremos avançar com nenhuma dessas centrais. Estavam pensadas quatro, num total de 60 MW. Não iremos construir porque em consultas com o sector da floresta percebemos que não há biomassa suficiente em Portugal para viabilizar aquelas centrais e a sua construção até podia pôr em causa a viabilidade das já existentes”, anunciou Galamba ao Público. Carlos Alegria foi um dos que avisou o governante: “Fui ter com ele para alertar que não há biomassa disponível, e não fui o único. O próprio ministério já perguntou à banca se financiava estes novos projetos e a banca disse que não, nem pensar”.
Galamba diz que “há alternativas que permitem a mesma valorização da biomassa, que criam a mesma dinâmica na gestão das florestas e limpeza dos matos e que são as centrais térmicas para a produção de calor e frio. São menores, menos exigentes em termos de biomassa e mais adaptadas à lógica descentralizada, próxima dos pontos de recolha, que estava subjacente à ideia original”. O presidente da APEB dá como exemplo as pequenas unidades a biomassa que estão a ser adotadas por hotéis, escolas e unidades industriais.
O ministério justifica o desinvestimento na biomassa “porque representa um ónus demasiado elevado para a fatura elétrica e porque há melhores alternativas para valorizar biomassa, promover gestão florestal e limpeza de matos e florestas”. Questionada sobre esta é mais uma “inversão de marcha” face às decisões e políticas da anterior secretaria de Estado, a mesma fonte disse que “se trata apenas de procurar atingir os mesmos objetivos com uma tecnologia mais eficiente e mais em linha com os objetivos de política energética do governo”.
Face a esta escassez de resíduos florestais, poderá também cair por terra a ideia avançada na semana passada por Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa, para adaptar a central a carvão do Pego para queimar biomassa a partir de 2021.
Na entrevista, Galamba fala de uma parceria articulada com a secretaria de Estado das Florestas, mas na 1ª Conferência Nacional de Biomassa e Biorrefinarias, que teve lugar em 2018, o secretário de Estado Miguel Freitas, deixou bem claro: “Olhamos para as centrais de biomassa e para as biorrefinarias como formas de ajudar a valorizar a floresta. Mas todas as decisões em relação à floresta e à energia não podem ser vista exclusivamente de uma perspetiva económica. As centrais de biomassa são uma solução mas apenas se formos capazes de, com os municípios, construirmos as soluções ajustadas a cada um dos territórios”.
O governante alertou ainda: “A floresta não é combustível. É muito mais do que isso”. De acordo com os seus dados, a floresta gera cerca de 7 mil milhões de euros de receitas todos os anos, dos quais apenas mil milhões ficam nas mãos dos produtores florestais. “Tem de haver uma compensação de todas as partes. Os produtores florestais têm de ser o centro das atenções, e bem remunerados, quando fazemos política energética a partir da política florestal”.