Não é o Sérgio, nem o Fernando, nem o João, nem o António. O problema é que há poucos telhados (cada vez menos) capazes de resistir a pedras. E essa fragilidade generalizada no país, fruto de sucessivas pequenas cedências - de inércia crescente, de princípios sacrificados ao conforto pessoal e à vaidade, de desinteresse infantil pela governação -, vai extinguindo a exigência, vai esboroando a capacidade de escrutínio. Esfuma-se a memória com um encolher de ombros. .Quantos dias levará a esquecer este caso? Provavelmente, poucos - ontem mesmo ouvimos o próprio Costa desvalorizar a contratação do ex-diretor de informação da TVI para as Finanças, com salário superior ao de ministro, perto de 6 mil euros brutos por mês. O mesmo que dera a Medina, então na Câmara de Lisboa, tempo de antena semanal para fazer a sua propaganda em forma de comentário (até chegar a ministro) e que dele recebera já 30 mil euros para um trabalho de 20 dias que consistia em convencer figuras públicas a dar a cara pelo comércio local num Natal pandémico. ."Compete-me gerir o meu gabinete, não giro os gabinetes dos outros membros do governo", disse o primeiro-ministro, já esquecido talvez do uppercut aplicado a Pedro Nuno Santos..A verdade é que estes momentos, que deviam envergonhar-nos, nunca passam disto. Um caso, a polémica do dia, aproveitada por quem dela possa tirar vantagem instantânea, mas muito raras vezes merecedora de consequências ou geradora de lições para um futuro mais limpo. .A contratação de mais um colaborador, com cargo à medida e livre de escrutínio, para desempenhar tarefas cuja substância é discutível, se confunde com as de organismos oficiais e exigiria uma exclusividade que em nenhum momento é pedida, será cumprida sem mais, assim que o ruído seja abafado por nova onda. O governo leva nota zero no método, nota zero na transparência, nota zero nas explicações, nota zero até na lógica das escolhas - João Cepeda a comunicar o executivo e agora Sérgio Figueiredo a abençoar políticas públicas. Virá mais alguém para a semana? Alguma coisa não bate certo....Por outro lado, procurar lógica nesta bengala que Medina puxa a si devia deixar-nos apreensivos. Claro, vem aí uma crise, já se sussurra uma recessão pelos corredores, e o homem das contas deveria estar preocupado. A súbita contratação de Sérgio Figueiredo demonstra que está aterrorizado. Do que o senhor ministro se esquece é que as boas palavras podem ajudar, mas sem boas políticas - que ninguém vê - até podia contratar Bob Woodward ou Christiane Amanpour, que não mudaria um zero na vida dos portugueses. .A vida-vida, a vida real - não aquela que Medina observa do seu esplêndido gabinete sobre o Tejo e toma por realidade -, não melhora, não se altera absolutamente nada com truques de magia, efabulações e soundbites de aviário que muito satisfazem a pequena clique paga para o aplaudir com sorrisos de bochecha a bochecha.