Bolsonaro cospe no principal cliente

Brasil desdenha de milhões de yuhan vindos da China, seu maior parceiro comercial. Motivo? Ser um capacho fofinho dos EUA
Publicado a

Em julho de 2020, uma agência bancária no Brasil foi condenada a pagar a um seu cliente o equivalente a 10 salários mínimos. O entendimento do tribunal foi de que o banco agiu com preconceito ao exigir revista a um cliente, negro, para o deixar entrar - clientes brancos, entretanto, circulavam na agência sem serem abordados.

O preconceito é apenas um ângulo sórdido e criminoso da estupidez humana: com a sua atitude, o banco perdeu respeito e - o que lhe doerá mais - dinheiro e, no mínimo, um cliente.

Quando se fala de preconceito, sordidez, crime e estupidez, não há como não nos lembrarmos do governo de Jair Bolsonaro. Ainda em campanha, o hoje presidente da República visitou Taiwan para irritar a China; e no intervalo entre a eleição e a tomada de posse, criticou a "compra do Brasil" pelo gigante asiático.

Já no ano que agora terminou, o filho 03 do presidente comparou, em março, o coronavírus a Chernobyl. "Mais uma vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas", disse o deputado federal Eduardo Bolsonaro.

Um mês depois, foi a vez do analfabeto ministro da Educação Abraham Weintraub cutucar a fera: "Geopoliticamente, quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?", escreveu, usando o expediente tosco da troca dos "ll" pelos "rr" para apequenar o povo chinês.

O próprio chefe de Estado disse em outubro que a Coronavac, vacina chinesa contra a covid 19, não era segura dada "a sua origem".

E já em novembro, o 03 voltou ao ataque: "O governo (...) declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China".

Aos insultos, o "império do meio" respondeu, para já, apenas com puxões de orelhas: "Tal atitude flagrante anti-China não condiz com o seu estatuto como deputado", escreveu Yan Wanming, embaixador no Brasil, a propósito de uma das traquinices de Eduardo.

"Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema-direita norte-americana, cessar as desinformações e calúnias sobre a China (...) e evitar ir longe demais no caminho equivocado, tendo em vista os interesses de ambos os povos e a tendência geral da parceria bilateral", advertiu, noutra ocasião.

A China, registe-se, já adotou retaliações económicas contra a Austrália, reagindo a um pedido "de investigação internacional" sobre a origem do coronavírus. E a Austrália é o sexto maior parceiro comercial do país do extremo oriente, logo acima do Brasil, o sétimo.

Entre 2003 e 2018, os chineses investiram 54 mil milhões em solo brasileiro, sendo que 89% para aquisição de empresas já existentes e 11% em novos projetos

Só em 2020, o governo de Xi Jinping comprou 63,1 mil milhões no país sul-americano, sobretudo em soja, carne e açúcar. Esses investimentos foram o motor da bonança da Era Lula e uma das razões para o pulo de 40 milhões de brasileiros miseráveis para a sociedade de consumo, com a consequente diminuição da desigualdade e da fome.

Por falar em soja, carne e açúcar, o "agronegócio" brasileiro, um pilar da economia liderado por apoiantes de Bolsonaro que já estava preocupado por ver o Brasil perder a oportunidade de aproveitar a guerra entre Trump e Xi para tentar arrecadar mais yuhan, alarma-se ao sentir um aumento de regras de vigilância sanitária e de outras burocracias por parte do parceiro asiático.

A ameaça de Bolsonaro de bloquear a participação da Huawei no mercado 5G, para servir definitivamente de tapete fofinho dos EUA, pode ser o gatilho para Pequim avançar com retaliações contra Brasília, como fez com Camberra.

Voltando ao tema do início, há muitos empresários burros e preconceituosos, como os donos daquela agência bancária, mas a nenhum ocorreria maltratar precisamente o seu principal cliente com base na intolerância. Ao governo Bolsonaro ocorreu.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt