“A IoT está a transformar profundamente a forma como todas as empresas operam”

“A IoT está a transformar profundamente a forma como todas as empresas operam”

O responsável pela estratégia de Internet das Coisas da Vodafone, Mário Peres, considera que a tecnologia é um dos fundamentos da hiperconectividade e traz muitas novas oportunidades às empresas.
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A internet das Coisas é um dos principais pilares da hiperconectividade?

A internet das Coisas é, sem dúvida, um dos pilares fundamentais da hiperconectividade global. Eu diria mesmo que num mundo cada vez mais orientado por dados e pela automação, a IoT é esse motor de transformação digital que redefine hoje a forma como vivemos, como trabalhamos, como interagimos com o ambiente à nossa volta.

Ao permitir uma ligação constante de milhões de dispositivos – podemos em ambientes 5G chegar a um milhão de sensores por quilómetro quadrado – a IoT torna possível a recolha e a análise dos dados em tempo real, a automação de processos e a integração de sistemas em larga escala.

Esta conectividade continua tem vindo a transformar, de facto, os sectores da atividade, como a saúde, como a indústria, como os transportes, as cidades inteligentes, prevendo, de facto, uma maior eficiência, segurança e inovação.

A IoT não é propriamente nova. Tornou-se algo que é preciso ter para manter a competitividade das empresas?

É um facto. Eu diria que, ao princípio, os inovadores eram aqueles que se arriscavam e que se sentiam atraídos para este mundo, que já não é novo. A IoT está a transformar profundamente a forma como todas as empresas operam. Ao permitir que milhões de dispositivos estejam sempre ligados, abre-se um caminho para uma gestão mais inteligente e eficiente dos recursos, sem a qual as empresas não podem sobreviver.

As organizações passam a ter acesso a dados em tempo real, isto melhora significativamente a tomada de decisão, permite antecipar falhas, otimizar processos e, além disso, a automação torna-se uma realidade mais acessível neste momento a qualquer empresa. Já não são as tais empresas inovadoras que eu falava. 

Tanto tarefas repetitivas como críticas podem ser geridas remotamente, com maior precisão e uma menor margem de erro. Isto é particularmente relevante em sectores, como eu dizia há pouco, como a indústria, a logística, a energia ou a agricultura.

E do ponto de vista estratégico, a IoT veio permitir às empresas reinventar os seus modelos de negócios, que é também algo curioso.

Por exemplo, produtos físicos: as fabricantes convertem sua atividade em serviços que são baseados em desempenho ou em utilização. As experiências dos clientes tornam-se mais personalizadas graças à análise dos dados gerados pelos seus próprios dispositivos.

Isso veio de facto modificar o tecido empresarial e está a ser transversal a todas as áreas de atividade. 

A indústria normalmente é o grande exemplo quando falamos de IoT, porque transforma muito o chão de fábrica. Há outros sectores em que essa transformação agora já é mais visível?

Sem dúvida. A sensorização e a conexão dos dispositivos através do IoT veio permitir transformações significativas em todos os sectores, com a indústria 4.0 inicialmente, de facto, os transportes, a saúde, a energia, a agricultura de precisão. Nestes contextos, a recolha de dados em tempo real permite otimizar processos, reduzir custos e aumentar a segurança operacional. Isto é transversal. 

Aproveito para introduzir um conceito, que é o da conectividade gerida. Consiste em disponibilizar plataformas de gestão dessas comunicações a uma escala global, que permite a essas empresas monitorizar e controlar os seus ativos remotamente, com total visibilidade operacional.

Para se ter uma ideia desta dimensão, desta realidade, a plataforma de IoT, de gestão comunicações da Vodafone gere atualmente mais de 215 milhões de ‘assets’ e assistimos a um crescimento médio mensal da ordem de 1,2 milhões de novos equipamentos conectados.

Portanto, isto ultrapassou de facto a indústria, enfim, está aplicado a todas as áreas da atividade, efetivamente.

Essa plataforma permite a uma empresa que está sediada num país controlar todos os dispositivos de todo o lado?

Exatamente. Por exemplo, um fabricante de equipamentos para a agricultura  de precisão que fornece para as empresas em Portugal, também pode fazê-lo para o Brasil, para a Índia, para todo o lugar. Esta plataforma faz essa gestão efetivamente, o que de outra forma não seria possível. Ou pelo menos não se conseguiria tirar partido do potencial que o IoT nos vai trazendo.

Há algum caso interessante de clientes que possa exemplificar?

Eu posso dar várias áreas. Uma a que sou particularmente sensível é a área da saúde. Multiplicam-se as soluções para motorização remota de doentes crónicos, como a diabetes, hipertensos, apneia do sono, ou os doentes que recorrem pontualmente à hospitalização domiciliaria, entre outros.

Estas soluções trazem simultaneamente grandes melhorias para a qualidade de vida dos pacientes, reduz o esforço despendido pelos profissionais de saúde, bem como os encargos com o seu tratamento, na medida em que evitam o menor recurso às urgências.

É um dos temas que mais me toca. Mas se pensarmos na indústria automóvel, as comunicações veículo-a-veículo ou veículo-a-interface ou infraestrutura antecipam o que vai acontecer em breve, e que já está a acontecer nos Estados Unidos, a introdução dos veículos autónomos.

Mais visível aqui na Europa, temos por exemplo o caso da vizinha Espanha, que iniciou juntamente com as autoridades competentes um conceito do Help Flash IoT, que consiste num equipamento capaz de sinalizar a presença de veículos imobilizados na berma da estrada, avariados, e de emitir a sua localização às entidades responsáveis pela prestação de socorro.

Esta solução substitui o velhinho triângulo que continuamos a usar em Portugal, e portanto eu diria que há sempre situações novas.

Na agricultura de precisão sucedem-se igualmente soluções de otimização de regas, aplicações de adubo e pesticidas, controlo de pragas, isto para perpetuar a sustentabilidade e a qualidade dos solos.

Uma agricultura consciente pretende obviamente que para as novas gerações, eles possam continuar a usar esses mesmos solos da mesma forma, com a produtividade que estão a ter.

Esses sensores estão colocados no carro?

Será uma espécie de um pirilampo que é colocado no porta-luvas do carro e, no caso de avaria evitando que a pessoa tenha que sair do carro. Há estudos que indicam que há uma percentagem elevada de acidentes de pessoas que saindo do carro são afetadas pelo próprio trânsito. A pessoa tira do porta-luvas esse aparelho, ele passa a fazer um flash, coloca no tejadilho do carro com um íman, e esse equipamento passa a dar indicação na via pública de que está efetivamente um veículo imobilizado e ao mesmo tempo envia as coordenadas GPS para uma autoridade que depois coordena todos os planos de socorro à pessoa que está ou sinistrada ou que está simplesmente com o carro empanado.

Têm casos em Portugal? 

Temos casos em Portugal, aliás, casos espetaculares de que nos orgulhamos. Passaram de uma agricultura que já não chamo agricultura de precisão, eu já chamo uma agricultura de otimização, porque recorrem a tantos parâmetros que já conseguem escolher e selecionar aqueles que lhes trazem efetivamente benefícios.

Há uma consciência de uma utilização maciça da recolha desses dados.

Como é que podemos ter aqui um mundo hiperconectado que também é sustentável e que as empresas sabem que adicionando todos estes serviços da IoT não vão ser um obstáculo aos seus objetivos de sustentabilidade?

Pelo contrário. Vou dar um exemplo. Nós participámos num evento promovido pela Prémio Valor Consulting e pela Universidade do Algarve cujo tema era precisamente a água e a sustentabilidade. Tivemos a oportunidade de assistir a uma ‘masterclass’ orientada pela professora Manuela Moreira, que nos deu conta do trabalho extraordinário que está a ser levado a cabo para preservar os habitats da Ria Formosa, das várias espécies aí residentes, em particular os cavalos-marinhos.

A monitorização da atividade humana é essencial para que este frágil ecossistema permaneça viável para as gerações futuras.

É um caso concreto e as conclusões são comuns a todas as realidades. A sustentabilidade consegue-se quando há consciencialização dos impactos das nossas ações. Esse tomar de consciência só é possível quando medimos e isso passa pela recolha de dados que alimentam os algoritmos de apoio à decisão e que atualmente também utilizam os mecanismos de inteligência artificial que aprendem e otimizam os próprios algoritmos.

E essa recolha e transmissão de dados provenientes de vários sensores é por definição IoT, que se traduz na redução de desperdícios energéticos, na melhor gestão de recursos naturais, no aumento da precisão e monitorização das emissões, tudo em tempo real.

Já se está a implementar soluções eficientes com foco na interoperabilidade, na segurança e na gestão responsável dos dados.

Eu diria que a sustentabilidade é, de facto, aquilo que se consegue quando se está a trabalhar bem e, portanto, existem todas estas preocupações.

Nos últimos anos, pode-se dizer que foi o 5G e a Inteligência Artificial que mais fizeram avançar esta área da Internet das Coisas?

De facto. O que era na altura chamado machine-to-machine, agora chamado Internet das Coisas, surgiu obviamente antes do 5G. Diria que o 5G foi a resposta tecnológica às necessidades que se conseguiram antecipar do que iria ser a realidade de hoje e que serão as realidades futuras, porque ainda não estamos como eu dizia há pouco, com um milhão de sensores por quilómetro quadrado numa smart city em qualquer parte do mundo, tanto quanto eu tenho conhecimento.

Portanto, estamos efetivamente a dimensionar uma tecnologia para o futuro, onde possam funcionar os contadores de eletricidade, os contadores de água, os carros, enfim, todos os ambientes propícios a uma smart city.

Agora, de nada serve recolher dados se não puderem ser analisados em tempo real, para apoiar a decisão.

A Inteligência Artificial veio também trazer isso. Portanto, eu acho que o potencial do 5G, com a possibilidade de criar níveis diferentes de serviço, ou seja, com maior ou menor latência, em função dos requisitos que estão ali em causa, imagem ou apenas mera transmissão de dados, diferentes larguras de banda, diferentes velocidades, isso foi tudo resultado daquilo que foi identificado que são as necessidades do IoT.

No 5G, onde há efetivamente grande vantagem é mesmo na parte do IoT, porque tudo vai utilizando cada vez mais dados. Os carros conectados, não sendo viaturas autónomas, já transmitem volumes de dados muito importantes. Há mesmo necessidade de grande transporte de dados. Eles estão a subir a uma ordem dos 60% que nós estamos a receber anualmente na nossa plataforma, de ano para ano. 

Portanto, há um volume importante de dados e só podem ser tratados com algoritmos muito poderosos e que aprendam.

Isso aumenta a exposição de segurança?

Cada sensor é uma potencial entrada de ‘malware’, de vírus, de tentativas de ataque. A plataforma que eu referia, de gestão de comunicações, é security by design, portanto, toda ela é dimensionada tendo em conta a preservação e a garantir a segurança da transmissão dos dados.

De outra forma, comprometeríamos todo este crescimento, esta expansão que está a existir, porque sem comunicações seguras, ninguém poderia continuar a usá-las da forma como estamos a fazer.

Já estamos neste mundo hiperconectado? E é por isso que a Vodafone quer falar sobre isto este ano?

Eu acho que nós estamos neste mundo hiperconectado, porque é fantástico ver empresas nacionais exportar, e em vez de serem meros fabricantes de um equipamento, exportam serviços para qualquer parte do mundo. Essa realidade existe. Quando nós estamos a falar de 215 milhões de cartões ou de equipamentos ligados, é realmente uma revolução que está em curso.

A Vodafone é líder nesta área de atividade, reconhecida pelos vários consultores há mais de 11 anos consultivos, mas outras entidades estão a concorrer connosco para esta realidade que é inevitável. O mundo conectado está aí, a hiperconectividade é uma realidade atualmente. A Internet das Coisas está a permitir o desenvolvimento de países mais frágeis, com menor dimensão, porque o mercado deixa de ser as fronteiras desse país para ser um mercado global. Portugal já vem tendo alguns unicórnios e obviamente essas empresas não estão assentes exclusivamente nas oportunidades do país. Estas oportunidades são fantásticas para as empresas. E é esse o tema que nós estamos a pensar nesta Vodafone Business Conference, deste conceito de hiperconectividade, porque é realmente o que está a acontecer já.

As empresas que ainda não estejam a fazer, obviamente têm uma oportunidade e não podem perder tempo, porque há muitas que já o fazem. Temos clientes que exportam para os mais variados países e querem manter a relação com os seus clientes, querem ter os seus equipamentos conectados, controlados a partir de Portugal, com custos muito mais controlados do se tivessem que estar presente em todas as geografias onde estão a comercializar os seus produtos. É um novo conceito de oportunidades para as empresas. 

Acho que estamos no caminho certo. E é um caminho muito desafiante para todos, porque quem não entrar neste caminho vê as suas oportunidades limitadas e não há como não olhar seriamente para estas oportunidades. 

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