A hiperconectividade deve levar as empresas a reinventar modelos de negócio, mudar a mentalidade organizacional e abraçar uma nova forma de trabalhar. É o que defende Pedro Tavares, ‘partner’ e TMT Industry Leader, Cyber da Deloitte Portugal, que explica como as tecnologias que estão a transformar a economia e sociedade vão ter impacto nos modelos de negócio. “A palavra, para mim, não é propriamente reestruturar por via da adoção da hiperconectividade. É a própria reinvenção”, disse o responsável ao Dinheiro Vivo. “Eu vejo as coisas a acontecer dentro das empresas”, afirmou, indicando que muitas já têm iniciativas “bastante sérias” para se reinventarem no mundo hiperconectado. O especialista falou em quatro áreas chave onde está a acontecer esta transformação: experiência do cliente, trabalho híbrido, segurança e mentalidade organizacional. Clientes mais exigentes A experiência do cliente é uma das áreas que mais está a transformar-se, porque os consumidores estão muito mais informados e exigentes, sabem o que oferece a concorrência e não têm paciência para conversas menos capazes quando ligam para um call center. “A reinvenção passa pela adoção de canais que são omnicanais e funcionam nos dois sentidos, cliente para a empresa e empresa para o cliente”, explicou Pedro Tavares. “Isto é uma transformação profunda, é um reinventar profundo. Não era assim que as coisas aconteciam.”O responsável apontou para o que as empresas de telecomunicações estão a fazer em termos de antever necessidades e resolver problemas antes de as pessoas se queixarem deles, além da bidirecionalidade das comunicações. “No passado, os clientes iam às empresas para comprar e para se queixar, e as empresas vinham aos clientes muito com ações de marketing, com ‘upsells’. Hoje não”, descreveu. “As empresas que já se reinventaram ou estão mais avançadas neste processo de se reinventarem têm a capacidade de perceber que aquele cliente tem um determinado perfil comercial, de utilização, de queixas, está localizado numa determinada zona de manhã, depois move-se para uma determinada zona à tarde, e consegue fazer coisas como adaptar tarifário, por exemplo.”Pedro Tavares disse que esta mudança está a ser sentida em todas as indústrias, mas está mais avançada nas telecomunicações, energia e saúde, seguida do mercado de grande consumo, como hipermercados e grandes superfícies. “Conseguimos ver muita coisa acontecer fazendo uso desta hiperconectividade, pessoas e empresas, as empresas com comunicações bidirecionais incríveis.”Mudanças no trabalhoHá cinco anos que se fala do ‘novo normal’ por causa das mudanças relacionadas com a covid-19, mas Pedro Tavares reforçou uma ideia que muitos líderes empresariais ainda não aceitaram completamente: o trabalho tornou-se híbrido, remoto e flexível. “Não podemos dizer que isto não vai acontecer, isto está a acontecer e tornou-se o novo normal” salientou o especialista da Deloitte. “É cada vez mais difícil ter as pessoas nos clientes e no escritório, porque estão cada vez mais a trabalhar fora destes contextos e trabalham bem”, continuou. Além da capacidade tecnológica, o abraçar do trabalho híbrido implica que a empresa perceba e aceite que é assim que vai ser. “Há uma necessidade dos gestores do topo, de uma vez por todas, assumirem que este é o novo normal e que vamos viver com isto para o resto da vida”, frisou. “Isto é um tema antigo, pós-covid, mas ainda há um número considerável de pessoas e gestores do topo que consideram ser possível recuperar o modelo antigo que tínhamos. Nada mais errado. Não vai acontecer.”Aliada a esta dimensão, há necessidade de formar os trabalhadores com novas competências, visto que “têm que estar cada vez mais treinados e capazes de utilizar estas novas tecnologias.” O especialista deu um exemplo: num futuro relativamente próximo vamos começar a poder fazer ‘calls’ com hologramas, em especial quando chegar o 6G, com a capacidade de modular emoções. “Essas ‘tools’ serão provavelmente um pouco mais desafiadoras do ponto de vista da sua utilização, e portanto vamos ter que evoluir neste sentido.”Ética e segurança Maior conectividade equivale a maior exposição, pelo que a cultura de segurança dos indivíduos e das empresas terá de ser melhorada. “Nós estamos hiperconectados, mas até que ponto é que estamos seguros?”, questionou Pedro Tavares. “A realidade mostra que não é uma questão de se, é uma questão de quando. Ou as empresas já foram hackeadas, ou vão ser hackeadas.”O executivo da Deloitte defende que as organizações sejam transparentes no caso de um incidente de cibersegurança e haja partilha de melhores práticas. Essa questão está ligada a uma outra de ética digital que ele gostaria de ver mais discutida. “Até que ponto é que eu controlo e sei aquilo que, do ponto de vista digital, as minhas pessoas estão a fazer? Eu nunca sei se tenho hackers dentro de casa”, sublinhou. “Há aqui um tema ético que pouco se fala, honestamente, mas que me preocupa enquanto líder de cyber da Deloitte Portugal.”Uma nova mentalidadeA outra dimensão referida por Pedro Tavares é a da reinvenção da mentalidade organizacional. Ou seja: até que ponto é que as empresas se conseguem adaptar a este mundo tão rápido, com clientes impacientes que querem tudo para ontem e funcionários bombardeados por diversos canais com informação.O responsável disse que já não existe a ideia de fila de espera para ser servido. Agora, as empresas têm que ter a capacidade de trabalhar em múltiplas camadas e serem capazes de atender as diversas solicitações que vêm de ’n' canais.“Há aqui uma necessidade de reinventar a mentalidade organizacional, não só do ponto de vista dos processos e ferramentas mas acima de tudo das pessoas”, considerou.Tem visto coisas a acontecer nas hierarquias, especialmente nas PME, com estruturas rígidas a serem postas em causa e trocadas por modelos mais ágeis e colaborativos dentro das empresas, com menos líderes e mais equipas que executam tarefas e recebem incentivos. “Começo a encontrar esta desmobilização dos modelos profundamente hierárquicos para modelos colaborativos”, disse, inclusive em Portugal. O que está a gerar este salto é, disse, a Inteligência Artificial. “A forma como nós trabalhamos não tem nada a ver com aquilo que fazíamos há um ano”, apontou. “Se pensarmos na jornada de agentificação do planeta, empresas, governos, pessoas, processos, sistemas, acredito piamente que o mundo vai mudar muito. E estamos só a arranhar a superfície.”