A Kyaia, o maior grupo de calçado português, encerrou a operação da Overcube no Reino Unido. Em causa, o aumento das taxas alfandegárias pós-brexit. "Não conseguimos, de forma nenhuma, suportar os custos de enviar e importar mercadoria do Reino Unido. Tentámos até abril, mas tivemos que fechar o website. Pelo menos, para já", diz a nova CEO da plataforma de comércio eletrónico do grupo. Ana Meira dá início a uma nova etapa na história da Overcube, um projeto que "encolheu" nos últimos anos, centrando-se, essencialmente, no mercado comunitário, que passou por uma "profunda reestruturação e ajuste de custos", para se "reposicionar no mercado" e partir à conquista de um público mais jovem. Com mais de quatro milhões investidos neste projeto, Ana Meira promete que o 'breakeven' da operação chegará em dois anos.
Criada em 2018, a Overcube "nasceu com a finalidade de servir de plataforma de lançamento às marcas nacionais". Só que, diz Fortunato Frederico, fundador e presidente do grupo Kyaia, "nem as entidades oficiais nem os próprios industriais portugueses se interessaram por isso, e nós fomos obrigados a abrir portas a outras marcas". Muito alicerçada, inicialmente, nas marcas próprias do grupo Kyaia - Fly London, Softinos, Foreva e As Portuguesas - a plataforma engloba hoje já mais de 60 marcas, 60% das quais são portuguesas, que fez chegar, ao longo destes três anos, a quase meia centena de mercados, dos Estados Unidos à Austrália, passando pelo México, Emirados Árabes Unidos, Brasil, Hong Kong e Singapura. Mas é em Portugal, na União Europeia, nos EUA e no Canadá que a empresa centra os seus esforços.
O Reino Unido foi encerrado por causa dos custos alfandegários que, diz Ana Meira, chegavam a ser, em alguns casos, de valor equivalente ao preço do produto. "Antes do brexit, o envio de uma encomenda para o Reino Unido ficava por 7,40 euros, mais IVA, e a devolução exatamente pelo mesmo valor. Depois do brexit passamos a pagar o mesmo valor de envio, mais uma border fee de cinco euros, mais IVA. A juntar a isto, o cliente poderia ainda ter de pagar por sua conta custos alfandegários. Além disso, para devoluções, passamos a pagar 15 a 20 euros (valores já com IVA) e ainda a taxa de desalfandegamento, que varia entra 7,5 e 12,5 euros, mais o pagamento do IVA dos produtos que eram nossos", explica Ana Meira, sublinhando que a situação se tornou "insustentável".
Além de fechar a operação do Reino Unido, naquele que era o segundo maior mercado da plataforma, a seguir a Portugal, a Overcube deixou também de ter site próprio na América do Norte, já que estava, na prática, a criar concorrência ao espaço de e-commerce do seu parceiro local, a Bos.&Co., de cujo stock s saíam as vendas feitas pela Overcbube. "Eram dois sites a vender exatamente a mesma coisa, estávamos a canibalizar os consumidores uns dos outros. O que fizémos foi chegar a acordo com o parceiro e ajudamo-lo a criar o novo site da Bos.&Co., que a Overcube irá gerir. E, desta forma, continuaremos a estar presentes nos dois mercados", diz Ana Meira. Fortunato Frederico sustenta a opção: "Em cada um dos 50 estados americanos há, pelo menos, uma loja a vender Fly London, portanto, o potencial de crescimento é imenso. Houve aqui alguns acidentes de percurso, algumas surpresas de custos de transporte e o que fizemos foi parar e repensar o projeto. Agora, vamos arrancar de novo", explica o empresário.
Pelo caminho ficou também o plano de abertura de um website específico para a Austrália e Nova Zelândia, que chegou a ser anunciado em 2019. "Não chegou a avançar. Acho que isso fez parte de um processo de aprendizagem da Overcube. Não era só a Austrália, havia a previsão de mais alargamento, mas acho que, com o passar do tempo, o que percebemos é que faz sentido tornar mais sólido aquilo que fazemos atualmente, e só depois apostarmos nessa expansão", refere Ana Meira.
A reestruturação da Overcube implicou também cortes nos custos operacionais do projeto, da ordem dos 50%. A equipa, que começou por ser de 30 pessoas, é hoje composta por 15. "Isso aconteceu ao longo destes três anos. As pessoas foram saindo e optámos por não as substituir. Preferimos manter uma equipa mais pequena, microespecializada, mas sólida, para tornar o negócio capaz e sustentável e só depois apostaremos na expansão, tanto de pessoas como de mercados", refere a nova CEO.
Quanto ao reposicionamento, a estratégia passa por comunicar com e para a moderna cultura portuguesa, atraindo novos designers, artistas e músicos, para o lançamento de parcerias muito focadas numa "nova juventude portuguesa". A intenção é que a loja da Overcube na Avenida da Liberdade, com os seus 400 metros quadrados, possa funcionar como um ponto de encontro desta nova cultura portuguesa. E mais não dizem, para já, os responsáveis da Overcube sobre esta estratégia. Nem se alargam muito sobre a intenção futura de acrescentar outros produtos e marcas de moda à plataforma, designadamente no segmento de vestuário. Um projeto a implementar, mas sem prazo à vista. "O crescimento futuro é que o vai ditar. Aliás, nós na Fly já tivémos roupa, há muitos anos, e se calhar, se tivéssemos a Overcube, talvez esse projeto não tivesse fechado", replica Fortunato Frederico.
Sobre a estratégia futura, Ana Meira explica: "Sempre nos posicionámos muito como um marketplace que pretende apoiar marcas nacionais, de nicho, a digitalizarem-se e internacionalizarem-se. E isso ficou mais claro ainda com a pandemia, porque muitas marcas não tinham loja online e, com o fecho do retalho, a única forma de continuarem a vender foi a presença na Overcube". E é esse apoio que querem continuar a dar, mas percorrendo um caminho diferente. "A Overcube quer ter uma identidade e um posicionamento muito forte, assumindo-se como marca e absorvendo outras marcas que se alinham connosco, ao invés de sermos nós a assmumirmos o posicionamento das marcas que integram o marketplace", acrescenta a nova CEO.
Fortunato Frederico usa o exemplo da Foreva, a rede de sapatarias do grupo, para ilustrar este potencial de crescimento: "A Foreva é já o segundo fornecedor da Overcube, quer no mercado nacional quer internacional. Se não fosse assim, a Foreva nunca teria saído das fronteiras de Portugal", frisa.
O ano de 2020 foi "particularmente desafiante" para a empresa, mas fechou o exercício a crescer 2%, para 2,5 milhões de euros. Neste ano, aponta para um acréscimo homólogo de 5%.