A Grécia e os países do euro conseguiram chegar a um primeiro acordo, o governo de Alexis Tsipras obteve a extensão do programa de resgate por quatro meses e apresentou em troca um plano de ação. Qual a avaliação que faz destas semanas de negociação?
É um primeiro passo, positivo, mas é um primeiro passo de um processo que vai ser longo e difícil e que tem as etapas decisivas um pouco mais tarde, no fim de Abril, com o exame ou a avaliação regular e, nessa altura, o desembolso da última tranche do programa. Há um balanço que pode ser feito das últimas duas ou três semanas, que é importante porque mostra como as instituições europeias funcionam. As instituições europeias obrigam a um processo permanente de negociação, de compromisso, de diálogo. É algo que aprendi neste ano e meio, como elas funcionam. E, por vezes, é frustrante porque é lento, mas obrigam a que os Estados-membros desistam, ou abandonem aquilo que é uma tentação permanente, que é definir as suas políticas de um modo completamente autónomo. Isso já não existe na Europa.
O que lhe parece a lista de 64 medidas apresentada pela Grécia?
Nesta altura, não podemos fazer comentários muito detalhados. Foi um primeiro passo positivo, que satisfez o Eurogrupo, e embora em menor medida, as instituições. Mas há ainda muito trabalho a fazer. Este foi apenas o primeiro passo. O governo grego teve dois ou três dias para preparar um conjunto de medidas, elas vão ter que ser desenvolvidas, discutidas com as instituições e , depois, aprovadas.
Concorda com a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, que diz que as medidas não estão devidamente especificadas?
Nesta altura, a minha opinião sobre as medidas é apenas esta: é um primeiro passo, positivo, mas não devemos ter a ilusão de que as coisas vão ser fáceis. O que aprendemos em Portugal, nos últimos três ou quatro anos, é que estes processos são difíceis. Também por isso, é tão importante termos concluído o nosso processo de ajustamento. Sabemos como isto é difícil e duro.
Que dificuldades antevê?
Conhecemos algumas dessas dificuldades. Há objetivos ambiciosos, que são necessários. A Grécia, tal como Portugal, parte, em 2011, de uma situação difícil com muitos desequilíbrios, com uma situação orçamental que tem de ser estabilizada. Em Portugal, foi estabilizada, mas na Grécia ainda não. Isto vai ser difícil, vai obrigar a escolhas difíceis, a medidas difíceis.
Na Grécia, quais serão as matérias mais complicadas de negociação?
Consolidação orçamental. Interessa menos o ponto estático da dívida, interessa garantir que a curva entra em estabilidade e não numa trajetória ascendente. Foi isso que conseguimos em Portugal nos últimos três anos e esse é um ponto essencial para restabelecer a confiança dos mercados e dos investidores. Depois, há as reformas estruturais, tornar a economia mais competitiva para que possa crescer de maneira sustentável, sem desequilíbrios. Algumas dessas reformas foram feitas na Grécia, outras não. Mas tem de haver margem para os governos com diferentes orientações políticas e ideológicas adaptarem o seu programa de reformas. Há muitos modos de chegar ao mesmo objetivo. Há economias competitivas na Europa com orientações políticas muito diferentes, com diferentes visões do Estado social, por exemplo.
A Grécia deve ter alguma liberdade de escolha?
Todos os países têm de ter esta liberdade de escolha. Sem esta escolha, a a democracia deixa de fazer sentido. Sou muito sensível a essa preocupação. Claro que os países que já saíram do programa, como Portugal, têm uma liberdade de escolha muito maior. Por isso, foi importante sair do programa. Mas mesmo países dentro do programa têm flexibilidade. E uma vez que tivemos eleições - e as eleições são sempre uma quebra com o passado - é evidente que essa quebra tem de ser refletida em novas políticas, desde que elas cumpram os mesmos objetivos.
Além da lista de reformas, o governo grego tem insistido também no pagamento da dívida indexado ao crescimento da Grécia. A Irlanda já disse esta semana que não vê problemas de princípio nesta proposta. O que acha desta ideia?
A minha conclusão, das últimas duas semanas, é que, na verdade, o governo grego abandonou esta discussão e concentrou-se em outras discussões mais urgentes.
Abandonou de vez?
A questão deixou de ser discutida. A única coisa que temos, em concreto, na declaração do Eurogrupo, é que o Governo grego se compromete a respeitar os seus compromissos e a fazer os pagamentos de dívida a que está comprometido.
Mas acolheria essa ideia?
É prematuro. O que sabemos é que, no passado, as modalidades de pagamento já foram revistas e modificadas. A Grécia beneficia já de modalidades de pagamento muito favoráveis, que lhe permitem, por exemplo, ter uma despesa anual com juros das mais baixas da Europa, de 2,6% do PIB. Isto já existia no passado, muitas vezes. A ideia de que as políticas eram inflexíveis, economicamente cegas, não é verdade. Estes níveis de flexibilidade existem e foram aplicados, e à Grécia.
Mas só agora é que se começou a falar de indexar o pagamento da dívida ao crescimento do PIB. A ideia, em si, tem méritos?
Tem vantagens e tem dificuldades, que vamos discutir a seu tempo. Mas a questão das modalidades de pagamento está em cima da mesa há muito tempo e já tivemos decisões importante no que diz respeito à Grécia, e a Portugal também.
Entretanto, o ministro grego das Finanças, Yannis Varoufakis, admitiu novamente que a Grécia pode ter dificuldades em pagar ao FMI e ao BCE. Estão em causa 1600 milhões ao FMI, já em março, e 6700 milhões ao BCE no verão. Como interpreta estas declarações, feitas tão pouco tempo depois da aprovação da extensão do programa por mais quatro meses.
Sim, por isso dizia também que o processo vai ser longo e difícil, que esta é uma oportunidade para refletirmos sobre os últimos quatro anos anos em Portugal e verificarmos como foi importante concluirmos o nosso programa nos prazos estabelecidos, para que estejamos libertos destas dificuldades, desta incerteza permanente. Não vou fazer comentários em detalhe sobre os problemas da Grécia. O que sabemos é que o programa foi estendido e que o pagamento será feito apenas no fim da avaliação, no fim de abril. Há aqui um processo difícil ao longo dos próximos dois ou três meses, mas em que as instituições e a Grécia trabalharão em conjunto.
O risco de saída da Grécia do euro desapareceu?
É muito importante a Grécia permanecer no euro e julgo ser essa a opinião da grande maioria do público grego. E é também muito importante para a zona euro. Julgo que as condições estão reunidas para que a Grécia permaneça, mas não podemos excluir cenários extremos. Agora, não gosto de especular porque muitas coisas teriam de se passar para que essa possibilidade se colocasse. Mas devemos estar conscientes que esta possibilidade existe e obriga a uma certa responsabilidade dos governos. O risco de uma saída do euro foi maior em 2012, início de 2013, mas teremos de ver, porque muitos dos problemas, no caso grego, continuam por resolver.
O governo português e o senhor secretário de Estado, em particular, têm assumido posições muito críticas sobre o novo governo grego. Publica regularmente posts muito críticos no Twitter. O que o move contra Tsipras e Varoufakis?
Isso não é verdade. Não assumi posições muito críticas, pelo contrário, tive o cuidado de não me pronunciar sobre a questão grega. Acho que outros governos se pronunciaram muito mais. O Governo português foi muito responsável. Agora, é verdade que há um certo nível de exigência que a política europeia coloca aos vários governos, que é, sobretudo, a exigência de trabalhar em conjunto, de trabalhar para um compromisso, de trabalhar em diálogo. É assim que a política europeia funciona, e como tal, posições unilaterais, definidas autonomamente não são possíveis. O que recomendei no início do processo foi que deveríamos fazer de tudo para chegar a um entendimento, para criar condições de confiança. Não podemos perder o bem precioso da confiança entre as várias partes. Estas duas ou três semanas reafirmaram esta importância e foram um teste à União Europeia, porque mostraram a capacidade de governos com ideias muito diferentes trabalharem em conjunto.
Mas o Governo teve sempre uma postura de separação em relação à Grécia, de alguma agressividade. Foi criticado por isso pela oposição.
Foi criticado pela oposição, mas em quase todas as ocasiões o que a oposição diz não corresponde completamente à verdade. Mas tem razão, fomos criticados pela oposição.
Não foi só a oposição. Dois antigos líderes do PSD, Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa, também foram muito críticos, dizendo que se deixou passar uma imagem de que a ministra estava a ser instrumentalizada pela Alemanha.
A questão é que eu sei como é que a política europeia funciona, sei como é que os conselhos decorrem, sei o que é que é preciso para chegarmos a um acordo. E muitas destas críticas chegam de pessoas que não sabem como é que a política europeia funciona. Muitas das posições que nos são sugeridas tornariam um acordo impossível. A posição que o governo português assumiu neste processo é a posição que garantia o acordo, uma posição de responsabilidade, de diálogo, de garantia dos compromissos que foram assumidos, de flexibilidade para responder a novas propostas políticas, tudo combinado num conjunto harmonioso. Refuto completamente a ideia de que fomos críticos do governo grego. Apenas recomendámos e exigimos, como temos direito, que o processo decorresse de acordo com o que são os procedimentos da política europeia, com consenso e diálogo.
Tem defendido posições próximas do lado alemão. Aliás, numa viagem que fez, há um ano, a Atenas foi-lhe atribuído pela imprensa grega o cognome de "O alemão". Fá-lo por convicção, ou no âmbito de uma estratégia mais global de um Governo que se pretende demarcar a todo o custo da Grécia?
Faço exatamente o quê?
Tomar posições próximas do lado alemão, criticar o governo grego.
Mas já expliquei que não me lembro de criticar as posições do Governo grego. Na minha viagem à Grécia defendi a importância da disciplina orçamental. Acho que os acontecimentos dos últimos tempos me dão razão, de como a disciplina orçamental é importante. Julgo lembrar-me que uma editorialista do Syrisa, que publicou um artigo dizendo que as minhas ideias sobre disciplina orçamental eram ideias alemãs, o que é, convenhamos, um absurdo. A disciplina orçamental não pertence à Alemanha. Pelo contrário, a Alemanha tem, no passado, casos de desrespeito pelas regras orçamentais europeias. Não cometamos o erro estratégico de achar que a disciplina orçamental é uma ideia alemã, é uma ideia economicamente racional.
Disse que não criticou o governo grego, mas fê-lo elogiando artigos de analistas que criticavam o governo grego.
O que se passou nestas semanas foi um processo de aprendizagem para o governo grego, de como funciona a política europeia. Houve posições unilaterais que foram corrigidas. Estou muito satisfeito com o que se passou, porque reafirma a minha posição de que a política europeias funciona muito bem. Conheço poucos sistemas políticos, a nível nacional, capazes de colocar em diálogo partidos tão diferentes. Não sei se deva chamar ao Syriza um partido de estrema esquerda, mas por comodidade chamemos-lhe de extrema esquerda. A União Europeia consegue colocar governos de centro direita e de extrema esquerda em diálogo produtivo. Vamos todos moderar a nossa linguagem, de todos os lados, e vamos garantir que seja assim. Em alguns casos isso pode ter sido uma crítica subtil ao governo grego, em outros casos foi uma crítica subtil ao governo alemão e em outros casos a crítica foi tão subtil que não se perceberia bem a quem. Acho que dei o meu contributo.
Entre a Alemanha e a Grécia, não tem nenhum lado?
Isto é quase um lugar comum, tenho evidentemente dois lados: o lado português e o europeu, que para mim estão muito bem articulados.
O Governo português foi também acusado de falta de solidariedade, internamente mas também externamente. Concorda?
Não concordo. Mais uma vez, repito a mesma ideia, de que muitas destas críticas chegam de pessoas que não sabem como funciona a política europeia e que, na verdade, se tivessem responsabilidades para a conduzir não teríamos tido o acordo de há três dias.
A Comissão Europeia colocou Portugal sob vigilância reforçada por causa do excesso de dívida, que aumentou, ao contrário do que era suposto. Esta decisão pode ser interpretada como uma desconfiança em relação à capacidade do Governo para cumprir as metas orçamentais?
Não e na nota publicada há elogios ao nosso processo de ajustamento. É evidente que são desequilíbrios acumulados, ao longo de décadas, e que não vão ser corrigidos em dois ou três anos. A situação está estabilizada, mas temos de continuar a trabalhar. Esta é uma chamada à responsabilidade. Temos de ter cuidados com as escolhas que fazemos nos próximos meses e nos próximos anos, porque há desequilíbrios que ainda precisam de ser corrigidos. E, mais uma vez, faz parte das regras europeias, do Semestre Europeu. É a primeira vez que fazemos parte do Semestre Europeu, porque os programas de ajustamento não estão sujeitos a Semestre Europeu e porque antes do programa de ajustamento não havia Semestre Europeu. Por isso, há aqui uma novidade, mas é uma novidade relativa.
Mas a verdade é que a nossa dívida não iniciou a trajetória descendente que se esperava.
A nossa dívida está estabilizada, a curva provavelmente entrará agora numa trajetória descendente. São essas as nossas previsões. Se compararmos com o que se passava em 2011, a curva era ascendente e ascendente sem fim à vista.
Era suposto que ao longo do programa de ajustamento, a curva da dívida infletisse a trajetória ascendente e isso não aconteceu.
Infletiu, já não tem uma trajetória ascendente. E terá uma trajetória descendente daqui para a frente.
Os últimos dados revelam uma subida.
Estamos a falar de décimas, de pequenos ajustamentos contabilísticos. A dívida está estabilizada, e vai começar a descer. Mas deixe-me fazer uma pergunta muito simples: Se a nossa curva não fosse uma curva estável e descendente, acha que estaríamos a pagar juros inferiores a 2%, pela dívida a dez anos? Há muitos comentadores que se pronunciam sobre a nossa dívida, mas não estão a investir o seu dinheiro.
O BCE injetou liquidez no sistema global e isso tem impacto ao nível dos nossos juros.
Compare os juros de Portugal com os juros da Grécia. Compare os juros a três, cinco e a dez anos.
A Irlanda também está com juros abaixo de 1%, mínimos históricos, a Itália com juros baixíssimos, a Alemanha a financiar-se a cinco anos com taxas negativas. Reconhece que a descida de juros é global e que não se deve especificamente às políticas nacionais, mas sim a uma política europeia?
Não reconheço, porque é fácil fazer a comparação entre Portugal e a Grécia e esses fatores aplicam-se também à Grécia. Essa liquidez está presente nos mercados europeus. E em segundo lugar, muito importante, o spread, a diferença entre os juros que Portugal paga e os juros que a Alemanha paga, tem caído bastante e sustentadamente. Por isso, é evidente que têm descido todos, mas os nossos têm descido mais do que os outros.
Em todo o caso a dívida é uma preocupação da Comissão Europeia?
Claro, tem que ser. A nossa dívida é elevada e obriga a responsabilidade no futuro. Se há alguém que tem insistido nisso permanentemente é a ministra das Finanças. Temos de começar a ser muito responsáveis nos próximos anos, para não dizer nas próximas décadas, se quisermos ser, de facto, prudentes. Agora, o período de instabilidade financeira que atravessamos, esse está ultrapassado.
Reconhece que a relação do Governo português com as instituições da Troika se degradou desde que acabou o resgate?
Não julgo que isso seja verdade. Temos tido, consistentemente, o reconhecimento das reformas importantes que fizemos nos últimos anos. É evidente que as instituições, ou a troika, querem mais, nós também queremos mais, mas somos politicamente sensatos, sabemos o ritmo com que estas reformas têm que ser feitas, muitas vezes não é o ritmo que sai das folhas de cálculo, é um ritmo diferente, é um ritmo imposto pela política e pela sociedade. Mas não tenho visto isso. Em todos os relatórios que saem, onde há recomendações de reformas que precisam de ser feitas, há um elogio consistente ao que foi feito.
Recordo, por exemplo, o último relatório do FMI sobre Portugal que disse, claramente, que Portugal tirou o pé do acelerador em relação às reformas e que, para cumprir as previsões orçamentais de médio prazo, são necessárias reformas de despesa muito mais ambiciosas.
E estamos de acordo que são necessárias mais reformas. O primeiro-ministro costuma falar numa revolução tranquila, há um equilíbrio. Muitas vezes somos acusados de estar próximos das instituições da troika, mas é evidente que há aqui um equilíbrio que tem de ser feito, uma revolução tranquila. Há muitas coisas que precisam de mudar no país e que começaram a mudar, mas isto tem de ser feito com tranquilidade e de um modo politicamente sensato. É isso que temos feito.
Mas Portugal abrandou nessas reformas depois de sair do resgate?
Não. Elas estão a ser feitas consistentemente. Estamos, por exemplo, a fazer reformas muito importantes na estrutura do Estado, na estrutura territorial do Estado, na proximidade aos cidadãos. É claro que as reformas têm todas um ritmo diferente. Há reformas que são feitas ao longo de um ano inteiro, porque têm uma fase de implementação mais larga; há outras reformas que são puramente legislativas e que são feitas num dia com a aprovação de um diploma. Nnão creio que isso seja verdade.
Esta semana ficamos também a saber que França teve direito a flexibilidade no défice até 2017. Como é que vê esta disponibilidade da Comissão Europeia para dar uma folga a França durante dois anos?
Mais uma vez, tal como no caso das modalidades de pagamento, esta flexibilidade já existe em alguns casos, desde o início do pacto de estabilidade e crescimento (PEC), em outros casos desde 2012. E é uma flexibilidade que faz todo o sentido, do nosso ponto de vista. Regressando ao ponto sobre a dívida, o que interessa é a curva de longo prazo, não interessa o ponto estático. Muitas vezes, se tivermos um ponto estático menos favorável num momento presente e isso for compensado por uma curva no futuro mais favorável, essa flexibilidade deve ser usada para desenhar a curva de uma maneira mais racional. Mas isso já existe e Portugal também já beneficiou dessa flexibilidade. Agora ela tem de ser em troca de reformas estruturais que garantam reformas orçamentais mais favoráveis no futuro.
Portugal não poderia aproveitar essa abertura para aliviar um pouco a carga fiscal dos portugueses?
O que temos de fazer é desenhar uma curva das finanças públicas sustentável, estável e que entre numa trajetória descendente. Claro que temos de projetar esta curva no futuro, não estamos a desenhar a curva para os próximos dias, estamos a desenhá-la para os próximos anos. E temos de fazer um equilíbrio, temos de perceber onde é que ela pode ser tornada mais ou menos sustentável. E é isso que temos feito, garanto que fazemos isso constantemente. Se reformas, fiscais ou outras, garantirem uma curva mais sustentável, vamos defender essas reformas. Mas muitas vezes, o argumento que se ouve é pura e simplesmente um argumento do laxismo orçamental. Já vimos os custos dessa estratégia no passado.
Mais flexibilidade não é necessariamente laxismo.
Depende, se ela for uma consideração quanto ao curto prazo e ao médio prazo.
Não estamos nos opostos, entre o sim e o não, entre o branco e o preto.
Sim, mas essa é a arte da política. Agora, muitas vezes há pessoas que, sabendo que existe esta flexibilidade, querem usá-la para introduzir outros objetivos, que são essencialmente objetivos de satisfazer os vários interesses que reclamam sempre mais dinheiro do orçamento.
Não faria sentido, na sua opinião, aceitar mais esta abertura da Comissão Europeia?
Ela já está a ser aproveitada.
E devíamos aproveitá-la mais para podermos baixar os impostos aos portugueses?
Claro. A ministra das Finanças já referiu que, quando isso for possível, é evidente que isso faz parte dos nossos objetivos de longo prazo.
Quando será possível?
Terá de perguntar à ministra das Finanças. Julgo que ela será muito prudente nessa questão. Estamos no ponto crucial, que já discutimos nesta entrevista, de estabilizar a curva e de colocá-la numa trajetória descendente. Essa tem de ser a prioridade. Vemos o que é que acontece quando isso não é feito, vemos o que é que está a acontecer em Atenas.
O novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, disse, recentemente, que a troika atentou contra a dignidade de alguns países, como Portugal,. Como é que viu estas declarações?
O Governo já comentou as declarações em detalhe, de entender que a nossa dignidade não foi atingida, ou se foi atingida foi atingida por quem nos colocou numa situação muito difícil, não por quem a tentou resolver. Esse é o ponto essencial.
Qual Governo? Rui Machete, ministro dos Negócio Estrangeiros, disse que, se houve de facto algum atentado contra a dignidade, a troika poderia dever reparações a Portugal.
O ministro dos Negócios Estrangeiros também já se pronunciou sobre essa questão e não faz parte das minhas atribuições desenvolver uma resposta que ele já deu em público sobre esse assunto. Agora, é óbvio e muito claro, para mim, que o que fizemos nos últimos três anos, e que é elogiado por toda a gente, em conversas públicas e privadas, foi uma enorme demonstração de responsabilidade e de capacidade política de resolver problemas difíceis. A situação em que estamos é completamente diferente, mas descrever isto como um atentado à dignidade é óbvio que não faz sentido.
Jean Claude Juncker era presidente do Eurogrupo quando Portugal estava sobre resgate. Fazem sentido estas declarações surgirem agora?
Terá de perguntar ao presidente Juncker. Creio que o ponto essencial a referir aqui é que o trabalho dos últimos quatro anos foi um trabalho importante, que nos deixou numa posição mais favorável. O próprio líder do Partido Socialista pronunciou-se, recentemente, sobre esta questão fundamental: estamos melhor do que há quatro anos ou estamos pior do que há quatro anos? E a sua resposta foi clara: estamos melhor do que há quatro anos. E se estamos melhor do que há quatro anos, devemos orgulhar-nos do que conseguimos nestes quatro anos. Sobre isso, acho que não vale a pena acrescentar muito mais.
O debate está em curso. Há quem defenda que, depois da vitória de um partido de esquerda na Grécia, nada será com dantes. Já tem as suas reflexões sobre o que é que deve mudar? Faz sentido esta troika, fazem sentido esta políticas de austeridade?
Nós dissemos desde o início que, num momento de emergência súbita, e em muitos aspetos inesperada, a solução da troika foi a que conseguimos arranjar. E conseguiu cumprir os objetivos mais urgentes e mais necessários. Mas é evidente que temos de voltar a esta questão e que temos de desenhar um mecanismo de resposta a emergências melhor do que este. Pode passar, por exemplo, pela criação de um fundo monetário europeu, como falou o primeiro-ministro. Estamos a trabalhar nessas ideias, a tentar desenvolvê-las. Um fundo monetário europeu que tenha a estabilidade que o mecanismo de estabilidade não tem, que possa trabalhar com os governos em reformas estruturais, que possa ter um processo de diálogo envolvendo mais os parlamentos, um diálogo político mais intenso. Tudo isso são ideias muito importantes que interessa não esquecer. Mesmo depois de ultrapassar a crise temos de melhorar o nosso mecanismo de resposta à emergência em crises financeiras.
Com a vitória do Syrisa na Grécia e a possível conquista de poderes de alguns partidos mais radicais, nomeadamente em Espanha e em França, teme o recrudescimento de sentimentos nacionalista na Europa?
Temo. E muita da minha frustração com a oposição em Portugal, com críticas que são feitas ao Governo e a mim pessoalmente tem muito a ver com isto. Esta ideia de que temos de definir os nossos interesses contra outro país é uma ideia que era suposto termos abandonado na Europa. E não é uma ideia necessária, porque os nossos interesses estão muito ligados aos interesses dos outros países. Já não vivemos num mundo em que esses interesses são definidos por oposição e por contra posição.
A intransigência alemã não poderá ter contribuindo para o surgir deste tipo de sentimentos?
Em Portugal, há um partido que acaba de publicar um cartaz apelando a estes sentimentos. São responsáveis pelo que fazem. Os partidos que querem utilizar estes sentimentos para ter ganhos eleitorais são responsáveis pelas suas ações e pelas suas escolhas. Agora, devemos ser diretos e honestos sobre isto. Estamos a falar de xenofobia. Este sentimento contra o estrangeiro, contra a Alemanha, contra a Grécia, contra qualquer que seja o país, o despertar destes sentimentos e utilizá-los com fins eleitorais é algo sobre o qual devemos ser muito vigilantes e muito críticos.
Isso acontece em Portugal?
Acontece em Portugal. Tem sido um fenómeno europeu. Em alguns casos, dá lugar ao nascimento de novos partidos, noutros ao aproveitamento eleitoral de partidos que já existem.
Quais são os partidos que estão a fazer esse aproveitamento eleitoral em Portugal?
Parece-me claro que os partidos da oposição e, sobretudo, os partidos da extrema-esquerda fazem um aproveitamento destes sentimentos.
Quando fala de oposição inclui o PS?
Em alguns casos, sim.
Portugal tem fama de ser mais moderado, mas ainda assim teme que haja um ganho de quota dos partidos das franjas, ou as eleições vão continuar a ser disputadas, como sempre, entre PS e PSD?
Sim, serão disputadas entre PS e PSD. PS e PSD estão de acordo sobre o ponto principal, que é o de estamos melhor agora do que há quatro anos. E as eleições serão sobre isto, as eleições são sempre sobre a pergunta: estamos melhor ou pior do que há quatro anos? E sobre este ponto, quer a oposição, quer o Governo, estão de acordo.
E os portugueses sentem que estão melhor do que há quatro anos?
Terá de perguntar isso ao secretário-geral do Partido Socialista, é uma opinião dele. Mas, julgo que se tivermos a consciência dos perigos que atravessámos há quatro anos e do modo como os conseguimos ultrapassar - temos de ter a consciência muito viva de que estivemos muito perto do abismo e estamos agora muito longe do abismo - estamos, de facto, melhor. Mas claro que há muito a fazer. O desemprego continua mais alto agora do que era há quatro anos.
As políticas de austeridade poderão custar as eleições ao PSD? As pessoas poderão levar a memória da austeridade para o momento do voto?
Todos nós, enquanto eleitores, temos de fazer um julgamento racional, temos de perguntar se estamos melhor agora do que há quatro anos. Mesmo os militantes do Partido Socialista podem discordar da opinião do seu secretário-geral e achar que estamos pior, mas todos teremos de fazer essa pergunta. E tem de ser um julgamento racional. É evidente que todos em Portugal sofreram com a crise, mas temos de nos saber separar daquilo que nos aconteceu a nós, pessoalmente, e temos que nos perguntar em que estado é que o país estava em 2011, temos de refletir sobre os perigos que soubemos ultrapassar e depois fazer um escolha responsável e consciente.
Admite custos políticos?
Depende deste julgamento, que é um julgamento que vai ser feito nos próximos meses, por cada eleitor, individualmente. É um julgamento que eu próprio vou fazer e que tem de incluir as alternativas. Quais eram as alternativas? É um julgamento que tem de incluir uma reflexão muito simples: a austeridade foi uma escolha voluntária deste Governo, ou foi uma necessidade que lhe foi imposta quando o governo começou? Para mim a resposta é muito clara.
Acredita que Passos Coelho vai voltar a ser reeleito?
É óbvio que tenho de acreditar e tenho que sugerir que, tudo considerado, essa me parece a melhor escolha para o país. Na verdade, quando vemos o principal partido da oposição reconhecer que estamos melhor... Claro que é sempre possível não votar num partido, mesmo que achemos que estamos melhor, podemos achar que podíamos estar ainda melhor. Mas sobre este ponto, sobre se estamos melhor ou pior, ea resposta foi dada pelo dr. António Costa.
Viveu quatro anos na Alemanha. O que faz deste país o motor da economia?
É uma pergunta justa, tendo vivido lá quatro anos. Vivi em Berlim, que é uma cidade muito cosmopolita, com pessoas de todo o mundo, e é verdade que a Alemanha tem uma cultura de organização muito forte. Os processos económicos e sociais estão organizados de uma maneira muito eficiente. Não sei se foram organizados, ou se se organizaram espontaneamente, mas é verdade que há razões para elogiar a Alemanha em alguns pontos. Não é o estilo de vida que prefiro, gosto muito mais do estilo de vida português, mas há coisas que funcionam bem na Alemanha.
Considera justo que a Alemanha nesta fase, nesta Europa, contenha a sua política de investimento público?
Tenho feito críticas muito diretas à política económica alemã. Fiz por exemplo, em Berlim e perante uma audiência com membros do governo alemão, críticas muito diretas. Algumas têm a ver com a política de investimento. A Alemanha poderia usar os custos de financiamento muito baixos para rever a sua infraestrutura. Tendo vivido na Alemanha, sei que ela precisa de ser melhorada: estradas, comunicações, velocidade na internet. Por outro lado, há reformas estruturais que a Alemanha precisa de fazer no setor de serviços, por exemplo, onde não é tão competitivo como na indústria.
Merkel terá também retirado algumas lições destes tempos conturbados e desta reflexão que está a ocorrer na Europa? Merkel já terá ideias diferentes sobre as políticas de austeridade e sobre a política que a Europa deve impor aos países que não têm cumprido os critérios?
Mas qual é esta obsessão com a Alemanha? Para mim a Alemanha é um país como outro qualquer.
Há apenas um poder imenso que a Alemanha tem na Europa e que, obviamente, condiciona as políticas europeias.
Se soubermos definir a nossa estratégia e se soubermos fazer as coisas com inteligência, podemos ter um enorme poder nas instituições europeias. Por exemplo, nas negociações do acordo comercial com os Estados Unidos, somos reconhecidos como um líder. É preciso é saber usar a estratégia, não devemos refugiar-nos na ideia confortável de que eles têm mais poder.
Mas a verdade é que a Europa também tem dado respostas tardias e incipientes numa séria de outros temas, veja-se o caso da Ucrânia, por exemplo.
A Europa não se move muito depressa, faz parte das regras do jogo. A Europa funciona de uma certa maneira porque, se funcionasse de outro maneira mais tradicional, não conseguiria ter 28 estados membros integrados e a decidir em conjunto. Mas é verdade, é um limite, tem vantagens e tem inconvenientes. No caso da Ucrânia, parece-me claro que conseguimos, num período bastante rápido, chegar a unanimidade sobre sanções, aplicar essas sanções, influenciar os acontecimentos. Em política externa, temos que ser modestos quando julgamos o sucesso, tivemos influência sobre os acontecimentos. É essa a medida do sucesso. Claro que nem tudo corre como desejamos, mas essa não é a medida do sucesso em relações internacionais. Temos sempre uma capacidade limitada de influenciar os acontecimentos, temos de a usar até ao limite, mas não podemos achar que vamos conseguir moldar essa realidade aos nossos desejos.