
A redução do peso da dívida pública (medido em percentagem do PIB - Produto Interno Bruto) e o excedente orçamental português vão manter-se no pódio dos maiores da Zona Euro, indica Bruxelas, nas novas previsões da primavera.
"O quadro orçamental português é muito positivo", declarou, esta quarta-feira, o comissário europeu para os assuntos económicos, Paolo Gentiloni, que dois dias antes, no Eurogrupo, tinha sinalizado algo semelhante. "Penso que a situação orçamental em Portugal é boa. Não estou preocupado", disse o antigo ministro das Finanças italiano, na segunda-feira passada.
Era a resposta possível às sucessivas dúvidas que têm sido levantadas quanto à sanidade das contas públicas pelo atual ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento.
De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo a partir das previsões da primavera, ontem (quarta-feira) divulgadas pela Comissão Europeia (CE), de facto, Portugal continua a manter uma posição destacada e vantajosa face aos seus pares europeus em termos de cumprimento da disciplina financeira que é imposta ao país pelo Pacto de Estabilidade.
Por exemplo, o rácio da dívida pública, que ainda é muito elevado (estava acima de 99% do PIB no final do ano passado, bem longe da meta de 60% do Pacto de Estabilidade), deve continuar a cair de forma evidente, segundo mostram as novas previsões do executivo europeu.
Este ano, o peso da dívida pode cair cerca de 3,5 pontos percentuais do PIB, a quarta maior contração da Zona Euro e da Europa (ver infografias no final deste artigo).
Segundo a CE, em 2025, assumindo as políticas hoje em vigor (o Orçamento do Estado para este ano, basicamente), o Estado pode ter capacidade para ir ainda mais longe no emagrecimento da dívida, podendo inclusive chegar a um rácio de 91,5%, já praticamente em linha com a média da Zona Euro (90,4%).
Nos dois anos em análise (2024 e 2025), o País mantém-se no sexto lugar do ranking das dívidas europeias, ou seja, já não regressa ao famigerado pódio onde permaneceu mais de uma década na companhia de Grécia e Itália.
De acordo com Bruxelas, também há sinais "bons" ao nível do saldo das contas públicas. Embora este ano, o excedente caia bastante, a CE prevê que se mantenha e até se reforce ligeiramente no ano que vem (ver infografias no final).
E mesmo este ano, com essa quebra (que o anterior e o atual governo já previam, pois boa parte é explicada pela medida de alívio do IRS e o início da reposição de salários e suplementos a muitos funcionários públicos, como professores e agentes das forças de segurança), Portugal surge no ranking da Comissão com o quarto maior excedente da União Europeia. E terceiro maior da Zona Euro.
Em 2024, a lista dos superávites conta apenas com quatro nomes e um deles é Portugal: Chipre (2,9%), Dinamarca (2,4%), Irlanda (1,3%). Portugal deve chegar a 0,4%, um valor superior ao que previa o anterior ministro das Finanças, Fernando Medina, na proposta de OE 2024 (cerca de 0,2% do PIB) e maior também que a própria previsão do seu sucessor Miranda Sarmento, que aponta para 0,3% de excedente este ano.
Nas últimas duas semanas, o ministro das Finanças tem vindo a carregar na dramatização financeira. Disse que "as contas públicas estão bastante pior do que aquilo que o governo anterior queria anunciar como um grande resultado orçamental".
Sobre a questão orçamento retificativo, Miranda Sarmento respondeu aos jornalistas, na conferência de imprensa do Conselho de Ministros, há dua semanas, que "será objeto de avaliação e decisão nos próximos meses em função daquilo que possa ser o impacto de muita coisa que, se calhar, ainda não conhecemos, mas que viremos a conhecer". Não disse mais sobre o que pode estar por vir.
Nesta sessão, referiu que havia despesas sem cabimento orçamental (um buraco, basicamente) na ordem dos 600 milhões de euros, valor que, dias depois, disse ter subido para cerca de 1000 milhões de euros.
Ontem, Paolo Gentiloni, o comissário das Finanças, parecia estar mais tranquilo. “De um modo geral, sabemos que temos um quadro orçamental muito positivo para Portugal”, afirmou, em Bruxelas.
"As nossas novas previsões para Portugal estimam uma alteração do excedente, que era de 1,2% do PIB no ano passado, e que cairá para 0,4% este ano e 0,5% em 2025, mas estes números continuam a referir-se, obviamente, a um excedente positivo, o que confirma um bom quadro orçamental para o país”, declarou o economista italiano.
Diagnóstico detalhado
No capítulo sobre Portugal, claro, nem tudo são rosas e elogios. A Comissão Europeia está preocupada com os riscos negativos que sempre existem nestas análises. A novidade nesta edição é que o principal risco está relacionado com as Parcerias Público-Privadas (PPP).
"Prevê-se que o excedente das administrações públicas diminua para 0,4 % do PIB em 2024 e se mantenha globalmente estável em 2025, com base num pressuposto de políticas inalteradas [ou invariantes]", começa por referir a CE.
"Tal deve resultar do abrandamento económico projetado e da moderação da inflação, bem como das medidas de política orçamental que reduzem o saldo, nomeadamente a reforma do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incluída no Orçamento do Estado para 2024 e os aumentos discricionários dos salários e pensões do setor público", enumera a Comissão.
A mesma instituição prevê ainda que "o investimento público continue a expandir-se, associado à implementação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e de outros programas financiados pela UE".
No entanto, há nuances. "As despesas com juros deverão registar um ligeiro aumento, num contexto de condições de financiamento mais restritivas" ao passo que "o custo orçamental líquido das medidas de apoio à energia deve diminuir para 0,6% e 0,5% do PIB em 2024 e 2025, respetivamente".
No entanto, "os riscos para as perspectivas orçamentais vão no sentido descendente [negativo] e estão relacionados, entre outros, com os processos em curso de reequilíbrio financeiro das parcerias público-privadas [PPP]", alerta Bruxelas.
A Comissão repara ainda que "o saldo das administrações públicas de Portugal melhorou [aumentou] para um excedente de 1,2% do PIB em 2023" pois as receitas públicas "beneficiaram do excelente desempenho das receitas fiscais e das contribuições sociais, sustentadas por uma atividade económica dinâmica, uma inflação elevada e um mercado de trabalho robusto".
Além disso, a CE considera que "o crescimento das despesas públicas foi comparativamente moderado, graças à eliminação completa das medidas de emergência temporárias no âmbito da Covid-19 e ao impacto orçamental líquido reduzido das medidas destinadas a atenuar o impacto dos elevados preços da energia. O custo orçamental líquido destas últimas é estimado em 0,9 % do PIB em 2023, comparando com 2% em 2022".
Economia aguenta-se com turismo
No que respeita ao cenário macroeconómico, as previsões da CE destoam pouco ou nada face às dos governos (PS e PSD-CDS) ou face às de outras instituições.
"Tendo em conta o recente aumento do rendimento das famílias e a estabilização das taxas de juro, prevê-se que o crescimento económico evolua para um modelo mais orientado para o mercado interno ao longo do horizonte de previsão", diz a Comissão, que assim, espera, "um crescimento a moderar para 1,7% em 2024, recuperando para 1,9% em 2025".
"Prevê-se que o investimento cresça a um ritmo forte, ajudado pela implementação do PRR, bem como pela recente melhoria do sentimento económico", ao passo que "no sector externo, as importações deverão ultrapassar as exportações, uma vez que o investimento e, em menor medida, o consumo privado, aumentarão a procura de importações".
O turismo vai continuar a ser um dos grandes motores, apesar dos sinais de abrandamento. "O turismo estrangeiro deve continuar a ser um importante fator de crescimento, embora a um ritmo mais lento do que nos últimos dois anos", antecipa Bruxelas.