Bruxelas diz que direito a desligar deve ser definido por setores ou empresas

Em Portugal, governo diz que não será possível impedir envio de e-mails fora do horário de trabalho. Mas pode ser impedido que se exija resposta aos e-mails.
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A Comissão Europeia defende que o direito a desligar deverá ser definido setorialmente, ou por empresa, no quadro de negociações de concertação social, considerando que terão de ser definidas "modalidades" de regulação pelos parceiros sociais dos Estados-membros, num momento em que apenas quatro países da União Europeia (França, Itália, Espanha e Bélgica) têm legislação sobre a matéria.

"O Parlamento Europeu adotou uma resolução importante sobre o direito a desligar. Consideramos que os parceiros sociais são atores-chave no processo e a melhor sede para desenhar modalidades sobre ligar e desligar, adequadas a trabalhadores e empresas", defendeu o Comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, esta manhã, na abertura de uma conferência de alto nível sobre o futuro do trabalho, que decorre esta terça-feira.

Na sessão, organizada pela presidência portuguesa da União Europeia, o responsável de Bruxelas considerou que estas "modalidade" do direito a desligar "não podem ser aplicadas da mesma maneira em todas as áreas". "Têm de ser negociadas ao nível da empresa ou do sector".

No passado dia 21 de janeiro, o Parlamento Europeu aprovou um projeto de resolução para uma diretiva destinada a assegurar o direito a desligar das ferramentas de trabalho digitais pelos trabalhadores europeus.

O projeto dos eurodeputados exige ferramentas que assegurem o desligar de ferramentas de trabalho ou de monitorização do trabalho digitais, o registo de tempos de trabalho, assim como o acesso a este por parte dos trabalhadores, a avaliação de riscos psicossociais do teletrabalho, e ainda critérios explícitos para situações, apenas excecionais, em que os empregadores poderão negar o direito a desligar aos trabalhadores. O texto insiste na necessidade de haver um registo efetivo e consultável de horas trabalhadas, e pede igualmente um quadro sancionatório para o incumprimento do direito a desligar.

Nicolas Schmit prometeu que a Comissão Europeia "vai assegurar o seguimento adequado" à resolução, esperando que os parceiros sociais cheguem a conclusões "num período de tempo razoável". A ideia de Bruxelas é atualizar o Acordo-Quadro dos Parceiros Sociais Europeus sobre a Digitalização, de 2002, para a realidade do teletrabalho atual.

Em Portugal, onde a legislação laboral já regula o teletrabalho, mas é admitida a necessidade de rever a lei, este é um tema que está a ser discutido pelos parceiros sociais no âmbito da preparação do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, documento que deveria ter entrado em consulta pública em novembro do ano passado.

Na sessão desta manhã, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, disse esperar que o processo, que tem ficado fora da agenda da Comissão Permanente de Concertação Social, fique agora concluído "nas próximas semanas". O governo aponta ao final deste mês.

Sobre o direito a desligar, em entrevista ao jornal Público nesta terça-feira, o secretário de Estado Adjunto do Emprego e da Formação Profissional, Miguel Cabrita indicou qual poderá ser a direção a tomar em Portugal. "Sem querer fechar o resultado das discussões, diria que dificilmente podemos impedir alguém de enviar um e-mail fora do horário de trabalho. Mas se se exigir uma resposta, podemos estar a infringir o direito a gozar o tempo de não trabalho", referiu.

"O que está em causa é encontrar uma forma equilibrada e efetiva de ter previsões na lei que previnam abusos de contacto fora dos tempos de trabalho e que ponham em causa a fronteira entre tempo de trabalho e de não trabalho", indicou também o secretário de Estado na entrevista.

Relativamente aos custos acrescidos para os trabalhadores com a passagem a trabalho remoto, o governo reitera que não tem queixas sobre o assunto até aqui e defende que "o princípio do acordo e do entendimento entre o empregador e o trabalhador dá margem para que em cada relação de trabalho essas questões sejam avaliadas".

Por outro lado, o secretário de Estado Adjunto refere na entrevista que "o princípio que está na lei é claro", mas "pode carecer de ser densificado e de ser esclarecido a partir de uma experiência mais ampla". O entendimento do governo, manifestado recentemente em declarações ao Jornal de Negócios, é o de que cabe aos empregadores suportarem custos com comunicações, além de disponibilizarem os equipamentos de trabalho, tal como prevê a legislação.

Outra das matérias em discussão no Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho é a regulação do trabalho em plataformas digitais, processo que está atualmente em consulta com os parceiros sociais europeus em iniciativa da Comissão Europeia.

Neste aspeto, o governo reitera a intenção de "haver uma presunção das condições objetivas da prestação do trabalho e promover, mesmo nos casos em que não há trabalho subordinado, o acesso a proteção social e a condições de saúde e segurança no trabalho".

"Se existe uma relação de trabalho entre uma plataforma e o trabalhador e se essa relação tem características de regularidade e de um conjunto de aspetos que são indicadores de laboralidade deve-se presumir que há um contrato de trabalho", diz Miguel Cabrita, sem concretizar de que forma o governo poderá ir além daquilo que a lei já prevê para assegurar a presunção dessas relações de trabalho. Ou em que moldes serão garantidas contribuições e acesso a prestações e direitos sociais a estes trabalhadores.

Em vários países, os tribunais têm vindo já a adotar decisões que obrigam as empresas de plataformas digitais a reconhecerem trabalhadores e direitos associados, como o direito a férias, baixas ou licenças de parentalidade, por exemplo. São os casos, por exemplo, da Glovo em Espanha e da Uber no Reino Unido. Mas, a Organização Internacional do Trabalho tem vindo a defender cooperação internacional para um quadro regulatório comum.

Esta manhã, na conferência de alto nível, o diretor-geral da OIT, Guy Ryder, voltou a deixar o apelo para que estas questões possam reguladas no plano internacional e em termos nacionais, igualmente no que diz respeito à transparência e fiscalização dos algoritmos que gerem a prestação de trabalho nas plataformas digitais.

"O trabalho não é uma mercadoria, os trabalhadores não são robôs ou computadores, nem devem ser geridos por eles. Os algoritmos incorporam os pressupostos, preconceitos e interesses - potencialmente, ou não - daqueles que os criam, e dão pouca margem para identificar e resolver disputas e queixas. Estas são questões que precisam de ser resolvidas e precisam de ser resolvidas rapidamente", defendeu.

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