Portugal tem de "cortar" e "simplificar" o quadro "substancial" dos benefícios fiscais atualmente em vigor, "até 2026", para que a meta prevista no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) seja cumprida na íntegra, avisou ontem a Comissão Europeia (CE), ao mais alto nível, no âmbito da avaliação do semestre europeu (ciclo de 2024)..O chamado pacote da primavera do ciclo de avaliações aos 27 países da União Europeia (UE), mas com particular ênfase aos da Zona Euro, foi apresentado pelo vice-presidente Valdis Dombrovskis e pelos comissários Paolo Gentiloni (Economia) e Nicolas Schmit (Emprego)..A comunicação feita esta quarta-feira a partir de Bruxelas trouxe notícias favoráveis a Portugal e outros país do Sul, como Grécia e Espanha..Em 2021, Portugal saiu formalmente da situação de procedimento de défices orçamentais públicos excessivos, mas faltava a parte dos desequilíbrios macroeconómicos..Ontem, a Comissão revelou que "avaliou a existência de desequilíbrios macroeconómicos nos doze Estados-Membros objeto de avaliações aprofundadas no relatório de 2024 sobre o Mecanismo de Alerta" e que, "de um modo geral, após o grande choque nos termos de troca de 2022 [inflação elevada das importações e exportações], os desequilíbrios macroeconómicos tenderam a atenuar-se na maioria dos Estados-Membros"..Passado o período de crise inflacionista extrema, e com as taxas de juro a iniciar uma descida (embora lenta e cautelosa), a CE conclui que agora "França, Espanha e Portugal já não registam desequilíbrios, uma vez que as vulnerabilidades diminuíram globalmente"..Bruxelas acrescenta ainda que, no âmbito da supervisão pós-programa, Portugal (assim como Irlanda, Grécia, Espanha e Chipre) "mantém a capacidade de reembolsar a sua dívida". No entanto, a avaliação mais profunda das contas públicas virá mais tarde, em setembro (antes do Orçamento do Estado de 2025), na qual "os riscos para a sustentabilidade orçamental serão analisados ao abrigo das regras orçamentais reformadas [o novo Pacto de Estabilidade]"..Mas a CE lança já algumas pistas sobre o que falta ao país para garantir essa sustentabilidade orçamental global, de modo a reduzir a dívida considerada muito elevada, ainda acima dos 90% do Produto Interno Bruto (PIB) e longe do limite máximo do Pacto de 60%..Um dos pontos (uma das reformas) fulcrais para a Comissão visa a despesa, que tem de ser ancorada em níveis consentâneos com a receita disponível..Mas também, sabe-se agora, terá de passar pela reforma do sistema fiscal, pela sua simplificação..Aqui, um dos problemas das Finanças nacionais, que surge associado ao PRR e à consequente libertação de verbas deste pacote de 22,2 mil milhões de euros (até 2026), está no quadro dos benefícios fiscais..No novo relatório sobre a situação do País, Bruxelas recorda que "a reforma planeada para reduzir o número de benefícios fiscais poderá ajudar a aproximar a carga fiscal em Portugal da média da UE".."A carga fiscal em Portugal mantém-se abaixo da média da UE, apesar dos recentes aumentos. Em 2022, as receitas fiscais em Portugal aumentaram 0,8 pontos percentuais e atingiram 36% do PIB, após uma tendência ascendente desde 2019 que pode ter sido interrompida em 2023 (35,8% do PIB)", estima a CE..Logo de seguida, o executivo europeu avisa que, em todo o caso, Portugal firmou compromissos com a CE para receber as verbas do PRR que podem ir no sentido de um novo agravamento fiscal, mas que tal é imperativo.."No âmbito da adenda ao PRR, Portugal deverá rever o quadro jurídico de um conjunto substancial de benefícios fiscais até 2026".."A simplificação do sistema e a redução do número de benefícios fiscais serão efectuadas com base numa avaliação técnica levada a cabo pela recém-criada unidade de política fiscal U-Tax", afirma a CE..Para cumprir as metas do PRR e conseguir libertar os respetivos fundos (tranches) do Plano, o anterior governo do PS publicou a 2 de fevereiro o decreto-lei que, "no âmbito da criação de um sistema fiscal mais justo" e com "o objetivo de assegurar a avaliação regular e sistemática dos benefícios fiscais", lança "a Unidade Técnica de Política Fiscal [U-Tax], promovendo um sistema fiscal mais simples e transparente, com um maior grau de exigência quanto à explicitação dos objetivos extrafiscais que presidam à criação ou manutenção de benefícios fiscais"..Segundo Bruxelas, "espera-se que esta reforma reduza a perda de receitas associada e reforce a relação custo-eficácia dos restantes benefícios fiscais"..Como referido, para a "reforma fiscal" ser considerada um sucesso e completa, o regime dos benefícios tem de estar revisto e operacional até 2026, eventualmente, até ao final do primeiro trimestre desse ano, caso contrário ainda pode haver problemas na libertação de verbas do PRR mais à frente..Mais recomendações.A Comissão Europeia recomenda ainda ao governo e ao País que melhor a gestão dos recursos hídricos e a "transparência" no mercado da eletricidade..Além disso, pede ao governo que "apresente atempadamente o plano orçamental-estrutural de médio prazo"..Para tudo ficar em conformidade com o novo Pacto de Estabilidade e Crescimento, as Finanças devem "limitar o crescimento das despesas líquidas em 2025 a um ritmo compatível com uma trajetória descendente plausível da dívida públicas a médio prazo e respeitar o valor de referência de 3% do PIB previsto no Tratado para o défice", enfatiza esta CE, que está prestes a cessar o mandato..Na mesma comunicacão, acrescenta ainda que é preciso "reduzir as medidas de emergência de apoio à energia" antes da época de calor extremo em Portugal..A CE exorta também o governo português a "reforçar a capacidade administrativa para gerir os fundos da UE, acelerar os investimentos e manter a dinâmica na execução das reformas" e a "resolver os atrasos emergentes para permitir a aplicação contínua, rápida e eficaz do PRR", garantindo "a conclusão das reformas e dos investimentos até agosto de 2026"..Miranda Sarmento mais satisfeito.Depois de um início de mandato muito crítico em relação ao legado do governo PS e do seu antecessor, Fernando Medina, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, recebeu as novas conclusões da CE com agrado..Ontem (quarta-feira, 19 de junho de 2024), em declarações à Lusa, o governante da equipa liderada por Luís Montenegro disse que “este procedimento é encerrado porque temos hoje um excedente nas contas externas, reduzimos o endividamento externo, as famílias e as empresas têm hoje menos dívida, as contas públicas atingiram um equilíbrio, reduzimos o desemprego estrutural, entre outros indicadores”..No início de maio, no rescaldo da sua primeira execução orçamental (de janeiro a março, em contabilidade pública, lógica de caixa ou tesouraria), o atual chefe máximo das Finanças portuguesas declarou: "a somar ao caos que vivemos em muitos serviços públicos", "as contas públicas estão bastante pior" face ao que dizia o governo de António Costa e Medina..Na altura, Miranda Sarmento acusou a tutela do PS de ter aprovado, no primeiro trimestre deste ano, "medidas excecionais no valor de 1.080 milhões de euros", "dos quais, 950 milhões de euros após 10 de março [dia das eleições legislativas que dariam a vitória à AD, ao PSD-CDS]"..Esta quarta-feira, Valdis Dombrovskis, um dos vice-presidentes da CE (tem a tutela da Economia e do Emprego), felicitou Portugal pelo "desempenho económico e pela resolução dos desequilíbrios" e concluiu: "Portugal já não regista desequilíbrios e isso está ligado, também, a um desempenho orçamental muito forte”.