
Têm sido meses de elevada volatilidade no mercado das matérias-primas, muito marcados pela incerteza e pelo impacto das alterações climáticas nas colheitas dos principais produtores de café. Haja cheias ou haja secas, os cafeeiros levam as mãos à cabeça e fazem contas aos stocks que ainda têm, enquanto a procura em redor do globo vai aumentando.
No último ano, o preço do café já mais do que duplicou, e apesar de nos últimos dias registado algum alívio, a verdade é que em 2025 já registou um aumento de 18% - estava a cotar nos 374,25 euros a tonelada à hora em que este texto foi escrito. A pesar têm estado os eventos extremos – no ano passado, no Brasil, depois de um período de seca veio um gelo inesperado que penalizou as colheitas, em agosto e no Vietname as inundações chegaram depois de secas severas, em outubro. Estes são dois dos principais produtores de café do mundo e, no caso de Portugal, são exatamente os países de onde mais café nos chega. Em dezembro de 2024, as exportações de café do Vietname caíram 40%, segundo dados da Organização Internacional do Café, libertados em janeiro.
“A oferta tem descido e a procura tem subido em todo o mundo e, portanto os preços sobem”, diz em jeito de resumo Claudia Pimentel, secretária-geral da Associação Industrial e Comercial do Café, ao DN/ Dinheiro Vivo. “É matemática simples”, nota com um sorriso. E num produto como o café, uma matéria-prima agrícola, a oferta e a procura são sempre uma fatia muito significativa da equação dos preços.
“Quando as colheitas no brasil não produzem tanto quanto o esperado em cada ano, os preços disparam imediatamente”, referia à CBS News no mês pasado Gregory Zomfotis, fundador e CEO da Gregorys Coffee, uma distribuidora que opera em mais de 50 países.
A juntar-se a esta quebra nas produções, continua a registar-se um aumento global da procura por café. Nos últimos 10 anos, o consumo na China disparou 150%, por exemplo. Tudo variáveis que contribuem para o clima de volatilidade que se tem sentido e que, segundo Henrique Tomé, analista da XTB, se vai manter. “Continuamos a observar alguns sinais fundamentais que podem indicar a continuação dos preços elevados no café. Os inventários no Brasil, por exemplo, diminuíram consideravelmente, e os agricultores estão a limitar as vendas de café para os contratos da época 2025/2026”, referiu numa nota de análise pedida pelo DN/Dinheiro Vivo.
“Devido a esta tendência, o governo brasileiro prevê que a produção de café do Brasil na época de colheita de 2025/2026 possa cair para os 51,81 milhões de sacas, depois de, no ano de 2024, a produção se ter fixado nos 54,2 milhões de sacas, abaixo das previsões anteriores. A somar a estes cortes na produção o real brasileiro tem registado uma valorização ascendente, o que agrava o cenário de preços altos do café”.
Cláudia Pimentel acrescenta que “é importante as pessoas terem noão de que se um cafeeiro for destruído, demora muito tempo a refazer. Ssão entre 5 a 7 anos até estar em produção. Tudo isto gera incerteza”. No mesmo sentido, considera que a “a instabilidade geopolítica também condiciona o preço”.
Com uma subida acumulada do preço do café – que já custa três vezes mais do que em 2019 – é invevitável que essa valorização se reflita nos consumidores, sobretudo em países onde o café é um hábito diário. Em Portugal, “o aumento do preço no consumidor varia de empresa para empresa, porque depende da sua capacidade de erefletir ou não esses aumentos. E a capacidade tem também que ver com o stock que cada uma tem – não sendo um produto muito perecível, é possível ter bons stocks e isso deve ser tido em conta”, nota Cláudia Pimentel.
Em termos globais, “grandes marcas como a Starbucks, a Restaurant Brands International e a McDonald's estão a enfrentar dificuldades em transferir os custos mais elevados do café para os consumidores, o que pode afetar as suas margens de lucro”, realça Henrique Tomé.
Quanto a uma eventual redução no consumo, precisamente por via do aumento dos preços, Cláudia Pimentel afasta esse cenário. “O primeiro impacto é as pessoas tentarem reduzir mas depois, na prática, voltam ao mesmo”, diz com anos de experiência acumulada. “Pode haver alguma contenção, mas o mercado do café, em Portugal, é muito afetado pelo turismo, também. Se continuarmos a ter turismo, apercebemo-nos menos do impacto no consumidor. O nosso café tradicional vai subir ligeriamente, porque obviamente tem de refletir o aumento dos custos”, nota. “Mas nós temos, também, de facto o café mais barato que no resto da Europa, salienta.
E explica porque é que em Portugal pode estar a haver uma espécie de duplo efeito no aumento dos preços: “Portugal sempre consumiu a variedade robusta – e isso tem que ver com facto histórico de Angola ser um grande produtor, e portanto nós consumíamos que café que era nosso, à época. Depois, mantivemos o perfil de consumo. E esse café era muito mais barato do que o arábica.” Mas, salienta, durante a pandemia a procura de café robusta por parte de países nórdicos subiu e o preço aumentou também, refere. “Ou seja, temos a questão de ter aumentado o preço do café, globalmente, e também o facto de ter aumentado o preço do robusta, que sempre foi o mais consumimos”.
Ainda assim, e admitindo que a incerteza e a volatilidade vão continuar a fazer os preços subir, Cláudia Pimentel considera que “a produção do café não vai diminuir drasticamente, porque à medida que há incerteza nuns países, há outros a investir mais e a produtividade dos cafeeiros tem aumentado”, nota.
Portanto, “não estou pessimista”, diz. “Tenho alguns associados que já estiveram em pânico, agora estão preocupados. Eu não estou pessimista, porque acredito que o café é demasiado importante para não haver soluções e alternatias. E há stocks!”, nota.
Na ocasião, aproveitou para dizer que como potências futuras na produção do café, e com estreita relação a Portugal, temos atualmente Angola - “chegou a ser o segundo maior produtor do mundo e está a investir no setor, embora seja necessário haver estabilidade e vontade políticas e tenha de aprender a tratar do café – e também os Açores, cujas produções estão a beneficiar das alterações climáticas”.
Mas enquanto essas potências são apenas futuras, é muito possível que continuemos todos a pagar muito mais dos que estávamos habituados por um café expresso.