A carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho em Portugal subiu em 2020 pelo segundo ano consecutivo, em contraciclo com a situação da grande maioria dos países da OCDE, onde quebras no salário médio ou medidas de alívio na resposta à Covid-19 reduziram a carga de impostos e contribuições para a Segurança Social sobre os custos do trabalho.
Em 2020, o peso de IRS e descontos para a Segurança Social na folha de salários nacional ficou em 41,3%, mais 0,06 pontos percentuais que um ano antes. É a segunda subida anual consecutiva, a colocar desta vez o país no 11º lugar entre aqueles que têm as cargas fiscais sobre o trabalho mais elevadas da OCDE. Estava um ano antes no 13º lugar entre as 37 economias do grupo.
A comparação é feita no relatório anual da OCDE "Taxing Wages", que mostra que apenas em sete países houve aumento da carga fiscal sobre o trabalho, com 29 outros onde esta diminuiu. Num único caso, Colômbia, não houve alterações no indicador principal usado pela OCDE: peso de imposto e descontos obrigatórios para a Segurança Social (incluindo os que são feitos pelo empregador) para um trabalhador solteiro, sem filhos a ganhar o salário médio de cada país.
Os dados para Portugal comparam com uma média de 34,6% no conjunto da OCDE, num recuo de 0,39 pontos percentuais, que reflete o impacto da Covid-19 na tributação do trabalho. Na maioria dos casos (21 em 29 países com descida), pelo efeito da redução de salários e quebra na arrecadação de imposto, mas também em resultado de medidas de alívio fiscal e outras adotadas em países como Áustria, Lituânia, Polónia, França, Eslovénia ou Itália.
Já nos países onde houve aumento da carga fiscal sobre o trabalho, este foi efeito de um aumento no salário médio com maior cobrança de imposto (apenas com exceção na Coreia do Sul).
No caso português, o efeito de aumento da carga fiscal ocorre não apenas entre os trabalhadores solteiros, mas também na tributação das famílias. O peso de impostos e pagamentos à Segurança Social para uma família com dois filhos, com apenas um dos membros do casal a ganhar o salário médio, atingiu no ano passado 30%, numa subida de 0,08 pontos percentuais face a 2019. Foi maior que a ocorrida entre contribuintes solteiros e, por isso, contribuiu para minorar ligeiramente o favorecimento fiscal às famílias nos impostos portugueses, nota a OCDE.
Nesta situação, Portugal aparece como o 16º país com a maior carga fiscal sobre as famílias. Os 30% de carga fiscal comparam com uma média de 24,4% na OCDE.
Já quando está em causa a situação de uma família com dois filhos e dois salários (um na média nacional, o outro representando dois terços desta), Portugal passa a 9º país do grupo com a carga fiscal sobre o trabalho mais elevada, nos 36,4%. São mais 0,09 pontos percentuais que em 2019. A percentagem portuguesa compara com uma média da OCDE de 28,9%.
Portugal aparece também neste relatório anual da OCDE como um de 16 países do grupo que têm assistido à perda de alguma progressividade no IRS ao longo dos anos.
A medida da OCDE compara o imposto pago por quem ganha menos (dois terços de um salário médio) com quem ganha mais (167% de um salário médio) entre os anos de 2000 e 2020.
No caso de um solteiro sem filhos com o salário mais baixo, a percentagem de imposto pago sobre salário bruto passa de 6,4% a 17,6%, sendo que o mesmo tipo de trabalhador com o salário mais alto viu a percentagem entregue em IRS subir de 11,1% para 23,1%.
Comparando estes números, é possível calcular que o trabalhador com o salário mais baixo entregava antes 36,4% daquilo que era entregue em IRS pelo trabalhador de salário mais elevado. Essa proporção estava já em 48% em 2020.
Apesar do recuo generalizado na carga fiscal sobre o trabalho na OCDE - com exceção em Portugal e noutros seis países - o relatório hoje publicado sublinha que este foi efeito sobretudo do recuo das médias salariais num grande número de países, ainda que alguns tenham acionado medidas de resposta à pandemia com efeito na redução do peso de impostos e contribuições nos custos do trabalho.
A OCDE analisa em detalhe a situação de dez países: Austrália, Áustria, Canadá, Alemanha, Hungria, Islândia, Coreia do Sul, Lituânia, Reino Unido e Estados Unidos. Conclui que este países "garantiram apoios grandemente através de subsídios únicos ou melhorados, concentrando-se no apoio às famílias com filhos".
"Apenas alguns países introduziram medidas para alterar a estrutura dos impostos sobre o rendimento singular ou contribuições para a Segurança Social em resposta direta à pandemia da Covid-19, e consequentemente o impacto das medidas de apoio Covid-19 esteve principalmente na redução da carga fiscal para famílias com filhos e não tanto do trabalhador solteiro", assinala.
Nos cálculos da OCDE, as medidas de apoio Covid-19 acionadas terão contribuído para dois quintos da descida de carga fiscal verificada entre trabalhadores com filhos, justificando apenas um quinto da descida observada entre solteiros sem filhos.
Mas, a situação pode alterar-se em fase de recuperação da pandemia. "Os países podem ainda optar por introduzir medidas adicionais que afetem mais diretamente a estrutura da tributação do trabalho na recuperação pós-crise, seja para ir ao encontro dos seus objetivos de longo prazo de resolução de desigualdades estruturais, promoção do crescimento económico ou melhoria da sustentabilidade fiscal".