Casamentos ou eventos?

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Entram em fila, aos saltos, para dentro da tenda onde será servido o jantar. Sim, porque nos dias de hoje ninguém casa ao almoço, é cedo. Esse trajeto, que normalmente assusta os convidados mais velhos, demora dois minutos e é estudado ao pormenor: a música, as luzes, as flores que se agitam, o percurso, o timing certo. Nada pode falhar. Atrás da noiva e do noivo, no cotejo, estão as madrinha e os padrinhos. Dez, no mínimo. As Igrejas não estão preparadas para os sentar nos bancos da frente nem a folha do registo comporta mais do que duas assinaturas. Mas não faz mal. A questão é que a noiva teve mesmo de convidar a Ana, a Marta, a Paula, a Rita e a Filipa ou pegavam-se todas. Além disso, todas convidam todas cada vez que uma resolve deixar de viver com o namorado para casar com ele. É já um costume. Nas crises matrimoniais - se implicarem a convocação dos padrinhos para ampararem a união festiva - aluga-se uma sala num hotel e organiza-se uma conferência. O importante é que todos participem.

Os casamentos de hoje são eventos mais complexos do que uma cimeira do G7 ou a cerimónia de entrega dos prémios Nobel. Planeados com mais de um ano e detalhe protocolar militar. Com tudo o que isso custa. "Sempre vais comprar um carro elétrico? Não, vou vender a casa porque a minha filha quer casar". O investimento (ou a despesa) leva qualquer família média ao estrangulamento financeiro com mais rapidez do que a Euribor. Tudo custa e tudo tem de ser igual aos outros casamentos, ou melhor. Começa pelos vestidos de noiva. Sim, não é só um, mas dois: o vestido propriamente dito, da cerimónia, e o da festa para dança - uma versão desportiva do traje de princesa. Assim como as cimeiras sobre o clima, também os casamentos são temáticos. E a imaginação de uma noiva em competição ultrapassa a criatividade do maior génio publicitário. Depois, entre jogos e coreografias, discursos ensaiados e desgarradas treinadas; surpresas planeadas e decoração pormenorizada, tudo acontece.

A que horas se vão embora os noivos? Perguntam os mais antigos e derrotados ao fim de dez horas de festa, de berraria, de copos e de desconhecidos. No fim. No fim mesmo, de madrugada. A festa é deles e não dos pais falidos. Também há drones - como se Putin fosse um dos convidados em cada casamento - para registar os momentos das alturas. E fogo de artificio e foguetes ou apenas archotes incandescentes para os mais simples. E há vários tipos de música: a música da entrada, a música ambiente, a música da outra entrada, a música ambiente do jantar, a música ao vivo e a música que define o sucesso de todo o casamento. Já não há DJ, há uma editora para cada casamento. Também os fotógrafos estão mais próximos dos realizadores de documentários do que dos tradicionais fotógrafos de bairro que congelaram em película os pais, os avós e os bisavós dos novos noivos.

O mesmo fado tiveram os convites. Aqueles cartões enviados pelo correio em que os pais convidavam a família e amigos para o casamento dos seus filhos, entraram em desuso juntamente com o VHS. Agora temos sites. Quem casa, quer um site. Um site onde podemos conhecer os noivos e as suas vidas, gostos e ambições, onde está o NIB para subsidiar a viagem à Indochina, as coordenadas de todo os locais do casamento - tipo mapa do tesouro - e todo o programa

Da época em que os casamentos não eram eventos, apenas festas de casamento, restam os mais antigos, de bochechas rosadas e gravata torta a deambular pela mesas e a cantarolar a vida e o amor. Pessoas felizes para sempre.

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