Cedrik Neike é o CEO de Digital Industries, da Siemens, e membro da administração do grupo alemão.. Em entrevista ao Dinheiro Vivo, na Hannover Messe, falou da procura crescente de automação por parte das empresas, da falta de componentes eletrónicos e da aposta crescente em Portugal.
A crise dos semicondutores continua a fazer-se sentir?
Todos fomos impactados pela falta de semicondutores e outros componentes eletrónicos. Não posso dizer que nos saímos bem, mas saímo-nos melhor do que a maioria. Por múltiplas razões, a começar pelo facto de termos um digital twin [software da Siemens que permite replicar, em ambiente virtual, o desenho de um produto ou de uma fábrica] da nossa cadeia de abastecimento, dos nossos produtos e das nossas fábricas, o que nos permite saber como reagir quando algo acontece, substituindo um componente por outro alternativo, que nós próprios possamos produzir, e perceber como é que o podemos incorporar na produção. Isto dá-nos uma grande flexibilidade. Além disso, temos excelentes relações com um grande grupo de parceiros, e, mesmo antes da crise, tínhamos comprado uma nova empresa, a Supplyframe, um marketplace de componentes eletrónicos, com mais de 10 mil utilizadores, e que nos permite acompanhar, de forma mais rápida, as tendências do mercado. Mas continuamos a não conseguir, com a rapidez necessária, construir tudo o que os clientes querem.
A pandemia acelerou as decisões de investimento das empresas?
A covid e a disrupção das cadeias de abastecimento, agravada pela guerra, criaram uma enorme necessidade de automação, a par da falta crescente de mão de obra disponível, em todo o mundo, para trabalhar em fábricas. Estamos a entrar numa era dourada da automação e digitalização. Dou-lhe dois exemplos. Desenvolvemos um projeto de Indústria 4.0 para a Vinfast, uma empresa vietnamita que faz carros, smartphones, etc, e que conseguiu, em três semanas, fazer 50 mil respiradores durante a covid. E depois há a BioNTech [fabricante das vacinas da Pfizer]. Nunca na História se descobriu algo como a covid, se desenvolveu uma vacina e se produziram milhares de milhões de unidades em tão pouco tempo. Só foi possível pela capacidade digital e de Indústria 4.0. A covid acelerou essas opções e a adoção de tecnologia.
Também nas empresas portuguesas?
A coisa boa de Portugal, porque tem muito talento tecnológico, é que as empresas estão, também, muito abertas à tecnologia. A energia, o automóvel e a farmacêutica são setores que estão já muito envolvidos no acelerar da Indústria 4.0. A fase seguinte será na agricultura vertical. A indústria mais tradicional deveria acelerar este caminho. Os têxteis, por exemplo, não são, ainda, muito automatizados, mas há que ver o que se pode fazer. Até porque o que é automatizado tem o seu crescimento acelerado. Os países que têm mais automação e robotização continuam a criar empregos industriais. As pessoas não devem ter medo da Indústria 4.0, devem usá-la como um fator competitivo.
Que expectativas tem a Siemens para esta área em 2022?
A automação e a digitalização vão acelerar massivamente na indústria, nas infraestruturas e na energia, setores que se tornam muito mais eficientes por esta via.
E que investimentos estão previstos?
Investimos, atualmente, 7,8% das nossas receitas em I&D, mas estamos a reforçar para os 8%. São 5,5 mil milhões de euros, deve ser um dos maiores orçamento de investigação em todo o mundo. Estamos a investir fortemente em nós mesmos, mas também fazemos muitas parcerias, tanto com as grandes, como a Amazon ou a Microsoft, como com startups. Temos um fundo próprio, o Next47, no qual investimos mil milhões de euros para apoiar as startups. E fazemos aquisições. A Supplyframe foi uma das últimas que fizemos.
Há outras em vista?
Se houvesse, não lhe poderia dizer. (risos) Estamos sempre abertos a analisar. Investimos em tecnologias que conhecemos, compramos quando precisamos de ADN adicional, fazemos parcerias quando alguém faz algo muito bem e trabalhamos com startups quando há excelentes ideias que precisam de apoio.
Qual é a importância de Portugal para a Siemens?
É um dos nossos hubs de inovação e de desenvolvimento. Eu tenho duas responsabilidades, a digitalização - e temos bons clientes no mercado, fazemos I&D na área da mobilidade, do carregamento elétrico, etc -, mas sou também responsável pela área de Tecnologias de Informação e da cibersegurança e temos mais de 900 especialistas em TI e processos em Portugal e mais de 100 especialistas em cibersegurança. Portugal é excelente, há muita juventude e conhecimento técnico de grande qualidade - o nosso chanceler chamou-lhes a geração dos lap top"s e surf bots -, mas é também uma sociedade muito aberta. As pessoas gostam de ir para Portugal. Para quem está na Europa é, provavelmente, um dos locais mais interessantes na área web e das tecnologias digitais.
É um mercado para continuar a investir?
Sim, já o estamos a fazer. Eu disse ao vosso primeiro-ministro que nós somos o terceiro maior empregador alemão em Portugal e ele respondeu-me que devíamos ser o primeiro. [risos] Estamos a trabalhar nisso. Com toda a sinceridade, sempre que pudermos desenvolver capacidades em Portugal fá-lo-emos. Há excelentes talentos.
Portugal faz sentido foi o mote escolhido para esta participação. Concorda?
Absolutamente. Sempre fez e sempre fará. Quanto mais atrai conhecimento tecnológico, mais se torna um ecossistema da sociedade web - que Lisboa já é - o que é excelente para o país e para toda a Europa.
Que efeitos tem a guerra na Ucrânia para a Siemens?
O primeiro impacto é obviamente ao nível do aumento dos custos, principalmente energéticos. O segundo é ao nível da cadeia de fornecimento, com muita gente a procurar alternativas de produção mais próximas. Condenamos vivamente a invasão da Ucrânia e, por isso, apesar de ser o primeiro mercado em que entramos, há 170 anos, deixamos a Rússia. Decidimos que faríamos uma saída ordenada e controlada, e que olharíamos pelas nossas pessoas, os três mil empregados que trabalhavam com a Siemens há muitos anos.
Tencionam voltar?
Não planeamos a guerra, ninguém sabe o que se seguirá.