Alertado por um artigo de Miguel Pinheiro no Observador, vi uma entrevista escandalosa conduzida por Manuel Luís Goucha num programa da TVI. Nela, deu-se atenção, branqueou-se e dispensaram-se adjetivos a uma pessoa que merecia antes censura social. Não estou a falar da horrorosa entrevista ao ex-presidiário, confesso nazi e líder da extrema-direita Mário Machado há quatro semanas, que nem consegui ver. Estou antes a referir-me a uma peça em que Joe Berardo exibia o fausto da sua casa e maravilhava o embevecido Goucha com o seu “pujante património”.
Os produtores do programa Você na TV de certeza leram as notícias sobre a auditoria à CGD que foi amplamente discutida nesta semana. Já sabíamos que Berardo tinha deixado de pagar à CGD o que devia e que a garantia incompreensível do empréstimo era uma colecção de arte de valor difícil de avaliar e pouca liquidez. Sabíamos também, graças à Operação Marquês, que a fonte destes empréstimos foi a influência política de José Sócrates na tentativa de controlar o BCP. Descobrimos agora que Berardo deve cerca de 280 milhões de euros à CGD, a que se acrescentam outras dívidas enormes ao Novo Banco e ao próprio BCP. Tendo em conta que, de acordo com as notícias, estes empréstimos tiveram de ser renegociados, levando a altos prejuízos para todos estes bancos, Berardo tem a distinção de ser um dos maiores caloteiros de Portugal.
Fosse o caso de os ganhos de Berardo terem sido à custa dos acionistas destes bancos, então Goucha não teria nada que ver com isto. Além disso, Goucha não é um jornalista e não tem obrigação de questionar ou confrontar Berardo com as origens da sua riqueza. Mais, Goucha sabe infinitamente mais do que eu como fazer um bom programa de televisão. Mas aqueles seis minutos deixaram-me chocado. Foram os impostos do próprio Goucha e de todos os portugueses que tiveram de cobrir as perdas da CGD e do Novo Banco. Ou seja, as estátuas, a grande casa, e tudo o resto que maravilhava Goucha foi pago, indiretamente, pelo bolso do próprio Goucha! Ver a vassalagem de Goucha para com Berardo na televisão foi dos momentos mais arrepiantes que vi na televisão.
Em Portugal, frequentemente inveja-se a sociedade civil robusta de outros países mais ricos. Na Dinamarca, pedir para pagar sem IVA leva o vendedor a chamar a polícia. Na Suíça, meter baixa médica para fazer uns biscates em casa arrisca a denúncia do vizinho. Nos EUA, o Estado pode ser laissez-faire em muitas coisas, mas não pagar os impostos produz penas de prisão de dezenas de anos. Nem o Estado mais autoritário do mundo consegue impor bons comportamentos se não contar com o apoio da censura social para policiar os bons costumes. Não me parece bem que se aponte o dedo na rua a Joe Berardo, Zeinal Bava ou a Ricardo Salgado, e espero que nos tribunais eles gozem da presunção de inocência. Mas gostava de que Goucha e os outros portugueses sentissem as voltas no estômago que eu senti perante a falta de pudor de Berardo.
Professor de Economia na London School of Economics