O cesto dos raviolis de requeijão e espinafres com pera e noz parece o mais cheio de entre as doze variedades disponíveis na vitrina do Cento e Quatroº, no Centro Comercial Amoreiras. O prato de massa é o único que tem um cesto quadrado e, por isso, distingue-se dos restantes 11, que agregam receitas com peixes frescos, carnes brancas, gnocchis com pesto e tofu com quinoa e legumes, entre outros. Mas a forma do recipiente em que é servida a receita de raviolis guarda mais do que o segredo para ser o prato mais vendido da marca portuguesa, que acaba de abrir a segunda loja em Lisboa: a forma garante que, em dois minutos cronometrados e a 104ºC, a massa recheada está devidamente cozida a vapor e pronta a servir. Tecnicamente pronta.
“No início achávamos que sabíamos exatamente o que queríamos em termos de conceito”, explica Francisco Magalhães, o chef responsável pelas receitas salgadas e um dos nove sócios da Cento e Quatroº. A ideia surgiu depois de um dos sócios, a viver na Suíça, ter conhecido um conceito semelhante: comida saudável, de rápida elaboração e à venda em centros comerciais, onde a maioria das opções é tudo menos boa para a saúde. Viagem dos sócios marcada, alguns dos fundadores foram conhecer o conceito de perto e decidiram, ali mesmo, pensar e alinhavar um negócio semelhante em Portugal. A decisão esteve a marinar entre receitas e experiências, durante cerca de um ano e meio, antes da abertura da primeira loja no Atrium Saldanha, em pleno centro de Lisboa.
“O trabalho de dispor os ingredientes cortados de determinada forma e por camadas é um trabalho quase matemático e de investigação e desenvolvimento, mas essa componente técnica acrescentou uma mais-valia. Tivemos de aprender, saber como é que os ingredientes se comportam ao vapor, que sabores podemos retirar de determinado ingrediente e qual a melhor forma de tirar partido deles. Porque queríamos comida ao vapor mas sobretudo que as coisas tenham sabor, que sejam intensas”, detalha Francisco Magalhães.
Deste trabalho resultaram os doze cestos da ementa, e muitos outros em lista de espera para futuras atualizações. “Temos pelo menos 30 que gostávamos de pôr já à venda, mas não é possível. Por enquanto temos um leque grande de peixes, carnes, massas, vegetarianos. Pratos sem glúten, sem lactose, híper proteicos. A única gordura utilizada antes de os cestos irem ao vapor é a gordura de confitar o pato. De resto, mais nenhum cesto tem gordura antes de cozinhar. Toda a gordura adicionada é azeite cru no final. Temos esses pequenos apontamentos que vêm da dieta mediterrânica, mas depois acaba por ser um pouco o que fizemos até hoje: a influência asiática, a experiência ibérica. Foi assim que chegámos ao que íamos fazer”, detalha Francisco.
O best-seller da Cento e Quatroº vai direto ao coração dos mais gulosos: o bolo de cacau com recheio de manteiga de amendoim, com apenas 134 kcal, levou a nutricionista a duvidar e Joana Xardoné, a autora e outra das sócias da empresa, a repetir a receita meia dúzia de vezes. “Queríamos ter um bolo pouco calórico mas nunca pensámos num tão pouco calórico. A Maria Inês Antunes [nutricionista parceira do Cento e Quatroº] não acreditava que fosse possível”, confessa Francisco.
A mensagem tem sido passada de tal forma que, em cada cinco clientes da loja do Atrium Saldanha, um come o bolo. O que, em números redondos, equivale a uma boa parte das mais de 120 refeições diárias servidas em cada um dos restaurantes da Centro e Quatroº.
“As pessoas procuram refeições rápidas em centros comerciais, e essa é uma das primeiras razões para estarmos aqui. Depois, é uma opção saudável. As pessoas estão cansadas de comida feita na hora mas plastificada, aqui escolhem-se os crus e aguarda-se pela cozedura”, explica Nuno Gi, 40 anos, engenheiro do ambiente e outro dos nove sócios da empresa.
Mas, se o caminho para chegar às receitas finais foi sobretudo um trabalho de experiência e paciência, houve algo mais difícil? A resposta é óbvia, pelo menos para Nuno. “Saber como é que dez pessoas conseguem organizar-se para tomar decisões. Sabíamos que os produtos que tínhamos eram de qualidade, sabíamos que o conceito era pioneiro - aqui era um não problema.”
O desafio foi superado com distinção, garante. Os sócios criaram um comité executivo que fundou a figura de sócios não acionistas. “Distribuímos pelouros, os outros acionistas dão a opinião mas somos nós que fazemos acontecer.”
É que, entre os nove sócios, há quatro casais e um solteiro prestes a casar (em breve serão 10). O modelo, escolhido pelo comité, também foi tendo em conta a possibilidade de escalar o negócio. “A ideia é, por enquanto, concentrar forças em Lisboa para demonstrarmos que o grupo está coeso e que tem capacidade financeira para crescer. Queremos crescer sustentavelmente, devagarinho, e com a noção de que a estratégia depende de nós”, assinala Nuno.
Sem avançar números de investimento, nem perspetivas de faturação, o engenheiro do ambiente sublinha que toda a empresa foi constituída com capitais próprios dos sócios fundadores e que a equipa, de momento com 15 pessoas, teve sempre como estratégia clara criar uma marca nacional que não restringisse a criatividade dos chefs.
“Na ementa juntámos sabores exóticos de outras partes do mundo - daí o caril, o chili - a uma base de cozinha mediterrânica. Os produtos são, acima de tudo, de cozinha de proximidade e os produtores, locais. Para nós isso é estratégico.” Daí que o retorno do investimento seja um tema sobre o qual não têm certeza. “O plano é dinâmico porque a estratégia é dinâmica. O projeto é tão sensível e tão elástico que qualquer uma das rúbricas tem impacto no retorno do investimento. O break-even não é para lojas, é para uma estratégia. E a estratégia está a ser montada todos os dias.”
Por isso, nos planos imediatos da empresa estão a otimização dos processos. A expansão para uma terceira loja poderá ocorrer ainda este ano, também em Lisboa, confessa Nuno Gi. “O nosso foco agora, estabilizados os processos e as equipas, é o controlo de qualidade para garantir aquilo que construímos. A nossa ideia é crescer com lojas próprias e desenvolver um modelo de expansão entre várias possibilidades que vão desde a abertura a fundos a um reforço do investimento próprio.”
° Cento e quatroº ° Conceito foi inspirado numa cadeia de lojas suíça ° Primeira loja em abril, no Atrium Saldanha. Agora contam com mais uma no Centro Comercial Amoreiras ° Todos os pratos são cozidos a vapor a 104ºC ° Baseia--se num conceito de comida saudável °