
Com quase 100 mil trabalhadores distribuídos por 120 empresas, o setor cervejeiro português gera um valor acrescentado de mais de 1,6 mil milhões de euros e receitas fiscais para o Estado acima de 1,1 mil milhões. Destes, mais de metade referem-se ao IVA. Os impostos especiais de consumo correspondem a 101 milhões de euros, um aumento de 35% face a 2016.
Estes são números do mais recente relatório da The Brewers from Europe, referentes a 2022, que ilustram “como a cerveja está a impulsionar os empregos e a competitividade na economia”, diz a confederação europeia do setor. Ao Diário de Notícias, Rui Lopes Ferreira, presidente da Cervejeiros de Portugal, destaca, por seu turno, que “a receita fiscal associada à cerveja cresceu 55% nos últimos 10 anos, muito acima do crescimento do consumo nacional”. Mais, acrescenta, a tributação da cerveja em Portugal é “150% superior ao país vizinho”. A proposta de congelamento do Imposto Especial de Consumo (IEC), em sede de OE2025, é vista como um passo “positivo” no sentido de estimular a indústria “aliviando a carga fiscal sobre as cervejeiras, especialmente as artesanais”.
Este responsável alerta, no entanto, que “para que este estímulo se concretize e seja sustentável, é fundamental um ambiente fiscal equitativo e previsível”, considerando ainda que “políticas que penalizam excessivamente o setor, como impostos desproporcionalmente elevados, dificultam o investimento, a inovação e a competitividade”.
O setor, garante, está “comprometido” em adaptar-se às mudanças no perfil do consumidor, que procura cada vez mais opções de baixo teor alcoólico ou sem álcool, e em reforçar a sua missão de comunicar um consumo responsável. “Para isso, precisamos de estabilidade e de políticas que permitam ao setor continuar a investir, a inovar e a contribuir para a economia nacional”, frisa.
Sobre o relatório da The Brewers from Europe, Rui Lopes Ferreira diz que “comprova a importância” do setor para a economia europeia, mas acrescenta que,para que esse impacto se mantenha e amplie, são necessárias “medidas de apoio efetivas”. Lembrando que a cerveja é uma bebida fermentada produzida com ingredientes 100% naturais de origem agrícola, defende que “deve ser reconhecida enquanto bebida de baixo teor alcoólico, com um quadro fiscal justo”. Lembra, por outro lado, o “alto nível de circularidade” já implementado na cadeia de valor da cerveja, designadamente com as embalagens retornáveis -algo “ímpar no setor das bebidas”, sublinha -, e o apoio que presta, “de forma significativa”, à cultura, às artes e ao desporto.
“Neste contexto, o nosso setor desejaria sentir mais apoio institucional e que se pode materializar de diferentes formas. Com legislação, em matéria de rotulagem, igualitária para todas as bebidas alcoólicas sem exceções, e com iniciativas legislativas que não conduzam a discriminação ambiental entre setores de bebidas no domínio das embalagens e dos resíduos de embalagens”, refere o presidente da Cervejeiros de Portugal, que dá ainda outros exemplos, como a necessidade de ser “reconhecido o contributo do setor para o desenvolvimento rural e agrícola, apoiando os seus produtos estratégicos, e de ser promovida uma política industrial sólida que simplifique processos e apoie as cervejeiras na transição climática”.
Voltando ao estudo, Portugal produziu, em 2022, quase oito milhões de hectolitros de cerveja (um hectolitro corresponde a 100 litros). Face a 2016, a produção nacional cresceu 20%, correspondente a mais de um milhão de hectolitros. O número de empresas também subiu, impulsionado pelo fenómeno dos microcervejeiros. Eram 105 em 2022, contra os 89 que existiam em 2016. Mas em 2020 eram 115, mostrando que nem todos sobreviveram à crise pandémica.
Destaca a associação europeia que o consumo total de cerveja em Portugal se tem mantido, consistentemente, 1,5 a 1,7 milhões de hectolitros abaixo da produção, sendo o excedente exportado. O consumo per capita mantém-se baixo, nos 53 litros, mas a The Brewers from Europe reconhece que é uma característica de outros países do sul da Europa. Dois terços da cerveja é consumida no setor da hospitalidade, ou seja, alojamento e restauração, mostrando o peso do turismo nesta equação. O preço médio por litro no retalho é de 2,10 euros, no horeca (hotelaria, restauração e cafés) é de 8 euros. Para Rui Lopes Ferreira, este consumo per capita “relativamente baixo” é uma questão mais cultural, mas “não significa que o setor cervejeiro português seja pequeno ou insignificante”. Pelo contrário, garante, há “grande dinamismo, crescimento sustentado e forte presença internacional”. Prova disso, defende, é o facto de Portugal exportar 23% do que produz e importar apenas 2% do que consome.
Quanto a 2024, e depois de o mercado cervejeiro ter atingido, o ano passado, 6,2 milhões de hectolitros, a associação encara o ano com “moderado otimismo”, alicerçado na evolução do setor no primeiro semestre, ainda sem o contributo do verão. “A dinâmica do setor assentou, neste período, no forte desempenho das exportações [cresceram 10,7% para 86 milhões de euros] enquanto o mercado interno registou uma estabilidade nos volumes”, diz Rui Lopes Ferreira. Que acrescenta: “O que significa em conjunto que o setor registou algum crescimento de produção, na ordem dos 7%, fruto da competitividade internacional do setor cervejeiro português já que o consumo interno não tem dado infelizmente sinais de grande dinamismo. Todavia, no âmbito desta estabilidade do consumo nacional, é de salientar que o segmento sem álcool é o que tem aportado maior vigor”.
A nível europeu, a fileira da cerveja é responsável por dois milhões de postos de trabalho e gera 52 mil milhões de euros de valor acrescentado e 40 mil milhões de receitas fiscais.
“A cerveja é um poderoso criador de emprego”, defende a The Brewers of Europe, sublinhando que, por cada emprego criado no mercado cervejeiro, há mais 17 criados em indústrias corelacionadas, como agricultura, embalagem, distribuição, bares, restaurantes, etc. “As cervejeiras desempenham um papel importante na economia europeia, estando profundamente ligadas às suas comunidades locais, criando emprego e apoiando o crescimento. No entanto, a sua contribuição é muitas vezes ignorada”, defende a secretária-geral da associação.
“Este não é um ambiente fácil para os cervejeiros, com encargos crescentes de impostos especiais de consumo e custos de produção crescentes. Os legisladores têm a responsabilidade de moldar um quadro político que permita aos cervejeiros maximizar o seu contributo positivo”, acrescenta Julia Leferman.