Conselho das Finanças arrasa previsão de investimento do governo e vê problemas no défice de 2021

"Não foram identificados projetos que permitam dinamizar os montantes de investimento referidos pelo MF em 2021", diz Conselho das Finanças no parecer ao Programa de Estabilidade. E parece que governo inflacionou PIB.
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O cenário macroeconómico em que assenta o Programa de Estabilidade (PE) 2021-2025 foi genericamente aprovado pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) no seu parecer oficial ao PE, mas falta-lhe prudência e há problemas sérios na previsão feita pelo Ministério das Finanças (MF) para o crescimento do investimento (aparentemente, demasiado otimista) em 2021.

A tutela de João Leão incorpora uma expansão de 4% do investimento (o Banco de Portugal prevê 3,6%), mas fundamenta de forma frágil esta conta pois não apresenta projetos (financiados com fundos europeus, por exemplo) que sustentem esses números, assinala o CFP.

E idem no caso do défice público final deste ano. Diz que está assente num nível de produto interno bruto (PIB) nominal maior do que o consenso defendido por outras instituições de referência, o que pode ajudar a diluir o desequilíbrio orçamental.

E mais. O CFP detetou que o ministério "estima um crescimento particularmente elevado do deflator implícito do PIB [a componente de preço que ajuda a inflacionar o valor da economia a preços correntes] em 2021, o que leva a uma previsão favorável do PIB nominal nesse ano, variável com elevada importância para o cálculo dos rácios das finanças públicas".

Este ano, o governo está à espera de um défice 4,5% do PIB (no Orçamento do Estado a meta era 4,3%), mas por exemplo o FMI diz 5%. O défice do governo é mais baixo, mas parcialmente pode ser um efeito PIB. As Finanças esperam uma expansão nominal da economia este ano de 5,4%, bem acima dos 4,2% do FMI.

Segundo o CFP, o PIB nominal é um "agregado de referência importante para a determinação da evolução das variáveis orçamentais". Quanto maior for, mais favorável é para as metas e previsões do Terreiro do Paço.

No parecer sobre as previsões macroeconómicas subjacentes ao Programa de Estabilidade 2021-2025, a entidade presidida por Nazaré Costa Cabral afirma que "endossa as estimativas e previsões macroeconómicas apresentadas" e elaboradas pelo Ministério das Finanças, de João Leão. Mas com reservas.

Uma é que "o contexto atual de elevada e invulgar incerteza não permite uma identificação segura do cenário mais provável, assim prejudicando a avaliação do princípio da prudência a que estas previsões se encontram sujeitas".

O conselho que avalia o cumprimento e a sustentabilidade das políticas orçamentais concretiza as razões desta crítica. "O presente cenário do MF enquadra-se numa conjuntura de elevado risco e incerteza, associado direta ou indiretamente à evolução da pandemia e ao sucesso das campanhas de vacinação contra a covid-19 a nível internacional."

Otimismo no investimento com base num plano por aprovar

Mas na previsão de João Leão há um problema localizado e têm a ver com um possível inflacionamento da variável investimento e que afeta todos os anos do PE.

Em 2021, "a previsão mais favorável do MF para a dinâmica da economia portuguesa assenta num pressuposto de absorção de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cuja execução poderá estar condicionada por vários fatores", alerta a entidade avaliadora.

Nos fatores externos, o CFP refere que "à data de fecho deste parecer, o PRR encontra-se em negociação com a Comissão Europeia, não tendo ainda sido submetida a sua versão final que será sujeita à aprovação do Conselho da União Europeia".

A nível interno, o problema é que "não foram identificados projetos de investimento que permitam dinamizar os montantes reportados pelo MF para o ano 2021".

O resto do período abrangido pelo PE também tem vulnerabilidades na contabilização do investimento. Para o Conselho, "no período de 2022 a 2025, apesar de as previsões serem ligeiramente mais favoráveis do que as elaboradas pelas instituições de referência, essa diferença deve-se à incorporação de efeitos na economia do Plano de Recuperação e Resiliência português, principalmente no investimento (FBCF)".

O CFP salienta assim que "na falta de detalhe suficiente sobre a natureza e montantes das medidas concretas subjacentes ao PRR, o cenário do PE2021 contempla riscos descendentes diretamente ligados à implementação do Plano, os quais decorrem do perfil temporal assumido para a aplicação dos fundos, da existência e exequibilidade de projetos de investimento que permitam a absorção dos fundos na economia, assim como da natureza produtiva desses investimentos".

Leão agarra-se aos milhões do Plano de Recuperação

Antes do parecer do CFP, ontem à hora de almoço, João Leão fez uma apresentação muito rápida do PE e com direito a poucas perguntas dos jornalistas para revelar algumas destas novas previsões. E destacou um número em particular: "o impulso macroeconómico do PRR ao longo dos cinco anos do Programa de Estabilidade é de 22 mil milhões de euros".

"Com base na informação disponibilizada pelo MF, o CFP estima que o PE2021 tenha implícito um rácio do acréscimo no PIB até 2025 (face ao cenário em políticas invariantes) no montante total das medidas do PRR de cerca de 1,4" e assim o ministério "estima que no final do horizonte de previsão o PIB seja cerca de 3% superior" face a uma situação em que não havia plano de recuperação.

Ainda segundo o CFP, "o crescimento esperado pelo MF para 2021 encontra-se alicerçado em contributos positivos da procura interna, de 2,9 pontos percentuais (p.p.), e das exportações líquidas, de 1,1 p.p.".

"A dinâmica projetada pelo ministério para a procura interna resulta da recuperação da generalidade das componentes, nomeadamente do consumo privado (2,8%), da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF ou investimento fixo) (4%) e do consumo público (1,7%)".

O Conselho nota que "as previsões do MF apontam para um ritmo de crescimento do consumo privado e da FBCF mais elevado que o previsto pelas restantes instituições, enquanto a taxa de variação esperada para o consumo público é inferior".

Já "a recuperação das exportações líquidas [exportações menos importações] no cenário do MF reflete um aumento no ritmo das exportações de bens e serviços para 8,7%, superior ao aumento das importações para 5,4%".

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