ChatGPT: novo aluno ou mau professor? (parte I)

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Durante os primeiros anos de escolaridade, o que mais me fascinava nos professores era a sua capacidade de transmitirem conhecimento. Um bom professor alargava os horizontes. Fazia-nos viajar sem sair do lugar, descobrir novos factos, perceber relações entre diferentes entidades. Na realidade, parecia um poço de sabedoria quase infinita.

Hoje, qualquer adolescente consegue obter informação de forma quase imediata, utilizando os recursos online que se encontram, em grande parte do tempo, ao alcance da mão. As enciclopédias eletrónicas incluem vídeos e interagem com o utilizador em qualquer linguagem. Também os livros técnicos, agora maioritariamente em desuso, deixaram de ser lidos da primeira à última página - pesquisando digitalmente por palavra-chave é possível obter quase de imediato a informação pretendida.

Regressando ao meu percurso escolar, graças a uma professora de matemática híper-exigente com quem me cruzei no secundário, comecei a perceber quão importante era o rigor. Passei então a admirar especialmente os professores que, quando confrontados com algumas questões, faziam uma pausa para pensar e, por vezes, acabavam por responder "tenho de refletir melhor sobre o assunto" ou "não consigo garantir uma resposta imediata". Posteriormente discutiam o processo e tentavam explicar porque havia, ou não, resposta cabal para a questão colocada.

No "mundo científico", pior do que não conseguir resposta, é dar uma resposta errada. Para além de afetar seriamente a credibilidade do autor, o erro pode levar posteriormente à anulação de outros trabalhos baseados naquele pressuposto que erradamente foi tomado por certo. Felizmente o processo de arbitragem das revistas de qualidade deteta e faz retificar a maioria das incorreções, permitindo assim que a Ciência de hoje seja construída com base nas ideias e esforços de quem nos antecedeu.

No meio industrial (entenda-se aqui industrial como referente a todas as atividades realizadas fora da investigação académica tradicional), o fator tempo corre numa escala diferente da do mundo científico, o que frequentemente não permite verificar a consistência e estabilidade de novos métodos e aplicações com o rigor desejado pela Ciência. A título de exemplo, note-se a quantidade de vezes que colossos como a Apple ou a Microsoft lançam atualizações de segurança para os seus sistemas operativos. Por essa razão (e não só), o conhecimento e a experiência que ajudam a abreviar o tempo de desenvolvimento dos produtos são tão valorizados em cargos de gestão.

Contudo, para possuir essas características, é fundamental ter existido rigor na transmissão de conhecimento para que, fruto do trabalho subsequente, os alunos possam alcançar a almejada experiência em determinada área. Para conseguir esse rigor, é importante ter sapiência e humildade de reconhecer o que não se sabe. Os desafios que mais aprecio, são aqueles para os quais não consigo dar resposta imediata - obriga-me a refletir e, consequentemente, a evoluir. Partilhar este processo com os alunos parece-me essencial, porquanto acredito que uma das principais funções dos docentes é ajudar a pensar. Transmitir conhecimento sobre dada matéria específica é muito importante, e muitas vezes representa uma grande percentagem da avaliação académica.

Contudo, o que mais diferenciará ao longo de toda vida, será a capacidade de os alunos pensarem autónoma e criticamente, avaliando riscos e benefícios de opções que terão de tomar e assumindo responsabilidade futura sobre as decisões. Pensar ou conhecer é, neste contexto, diferente de ter informação.

Vem tudo isto a propósito da recente disponibilização do ChatGPT para o público em geral. Mas, como já errei na avaliação do número de palavras necessárias para este artigo tenho de regressar ao tema na próxima edição. Até lá!

Professor e Investigador

Membro da Direção Executiva| European Service Network of Mathematics for Industry and Innovation, Instituto Politécnico do Porto

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