Chega? Que venha daí a Troika!

Chega? Que venha daí a Troika!
André Luís Alves / Global Imagens
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Dizem que é cíclico, que de tempos a tempos vem uma onda má e que depois tudo melhora. Que já foi assim na Grécia antiga, Roma, numa enormidade de reis loucos durante séculos, com o nazismo, stalinismo, eu sei lá! Mas confesso que tenho medo, nasci com a Revolução de Abril e custa pensar que aos 50 anos tudo o que tinha sido conquistado pode estar em dúvida.

Numa primeira análise culpo os algoritmos da internet, a superficialidade que atingiu as nossas elites, eu sei lá! Quando uma pessoa passeia por uma universidade dos Estados Unidos, ou vai à base de dados de um qualquer Mendeley à procura de papers académicos sobre todo e qualquer conhecimento produzido, questiona-se como um país como Estados Unidos que produz tanto saber, e saber com tanta energia e qualidade, pode estar à beira de voltar a ter um Presidente como Trump.

E por cá? Quando é que perdemos a capacidade de atrair as nossas elites para o serviço público? Como deixámos desistir o país perante a conversa de café?

Tenho medo! Não sei como se desconstrói tudo o que estamos ouvir, dizer, viver nestas eleições.

Ao contrário da maioria dos comentadores acho que este é um país de sucesso: não temos uma fractura territorial e regional. Não temos problemas graves com a inclusão dos que cá vivem e dos que nos escolhem para viver. Apesar da crise de crescimento e do envelhecimento da população os serviços do Estado existem e suportam o país. Vá conhecer outras realidades de países ditos civilizados! A nossa economia vai crescendo. O desemprego continua a ser bastante moderado.

Quando olho para as figuras da minha infância: Soares, Freitas, Adriano, Zenha, Adelino, Cunhal, Brito, Barros Moura, Pintassilgo, Sampaio, Eanes, Ernesto, Roberto Carneiro, Gago, Natália Correia, Alegre, vários Pintos, Medeiros Ferreira, Sá Carneiro, Sousa Tavares, Sousa Franco, Lucas Pires, Salgueiro, Gama, Miguel Veiga, Miguel Portas, Guerreiro, Rego, Magalhães Mota, Palma Carlos, Ribeiro Telles… gente que falava e estabelecia pontes entre si. E um país que os ouvia.

Pergunto-me como é que nos deixámos perder? Como é que os nossos principais partidos deixaram-se dominar pelo discurso do café. Pela conversa de autocarro. Como é que as nossas elites deixaram de pensar, de querer saber, e vangloriar-se por fazer a conversa dos simples. Quando é que perderam a capacidade de ter pensamentos mais complexos para além da indignação pouco sustentada?

Há um fosso enorme entre a opinião publicada, e comentada nas televisões, e as aspirações e o voto dos portugueses. Como é que isso aconteceu? Quando é que começámos a judicializar tudo e todos? Quando é que passámos a ter inimigos em vez de adversários políticos? Quando é que no nosso país a divergência de opinião passou a ser prova acusatória de crime e desonestidade!

Este fim-de-semana um senhor do alto de um púlpito disse que era preciso fazer um minuto de silêncio pelos milhares que morreram vítimas da corrupção. (Quando neste momento nas guerras do mundo morrem milhares indefesos sem que possamos fazer nada!) E fez-se um enorme silêncio na sala. As pessoas agora acreditam em narrativas alternativas à realidade. Prometem o que não têm com um sorriso na cara, dizem-se especiais, predestinados pela Nossa Senhora, sem que se perceba porquê. E parece que 15 ou 20 por cento do país vai acreditar, cair no conto do vigário…

Somos um dos países mais seguros do mundo. Os migrantes que nos escolheram, bem ou mal, estão integrados, pagam impostos, ajudam a combater o nosso crescimento ainda deficitário. E até sustentam a nossa Segurança Social.

E então? Estão a ser demonizados. Demonizados por estarem a fazer os serviços que ninguém queria fazer. Demonizados por trabalharem na hotelaria aguentando e empurrando o nosso PIB (e onde não se arranjava quem quisesse trabalhar).

Tenho medo. Acordei com um nó na garganta. Como se combate o populismo? Como se combate a mentira em cabeças que não nos querem ouvir? Quando é que foi que a política se descolou da realidade? Já terá sido assim anteriormente?

Lembro-me das capas do Independente, e das capas dos jornais de hoje, a realidade não mudou!

O que nos leva a ter esta sensação de fim de ciclo? De que algo vai desabar?

Quando começámos a acreditar em pessoas sem curriculum? Em vendedores de banha da cobra?

Gosto do galão com espuma, mas tento não ficar pela espuma dos dias, preciso entender cada homem e as suas circunstâncias; as contingências que dificultam a vida a cada um que tem por missão lutar pelo bem comum.

Lembro-me que quando nasceu o fenómeno do PRD, este partido era suportado por pessoas com qualidade política, com expressão na sociedade. Com obra. Mas agora, de onde vieram estas pessoas? O que fizeram pelo bem comum? O que os distingue dos outros para além de um sucesso no seu individualismo propalado?

Se a convenção deste fim-de-semana não fosse um jogo de mentiras suportada por meias verdades, se estes senhores chegassem ao poder, tudo o que fizermos para ter um país sustentado e economicamente, viável e moderno, se perderia. Seria correr sem rumo em busca de uma qualquer ficção. 

Se estes senhores chegarem a uma qualquer forma de poder, mais vale pedir que venha daí de novo a Troika, ou desenterrem o Marshall, Gandhi ou Mandela, ou o nosso Dom João I…

Alguém nos pode salvar?

Nota: O autor escreve segundo o Antigo Acordo Ortográfico

("Até às eleições" é o mote para uma sequência diária de artigos de opinião de Duarte Mexia, que serão publicados, precisamente, até à realização das próximas eleições Legislativas, marcadas para 10 de março.)

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