"Não concordo contigo." E não adiantou. O plumitivo tinha, em relação a mim, uma discordância lato sensu, sem assunto concreto; como se eu, semanalmente e de forma coerente, explanasse um linha de pensamento ideológica e filosoficamente estruturada, e não apenas pensamentos pequenos sobre o que vejo. Não concordar comigo, lato sensu, implicava reconhecer-me um propósito que eu desconheço.
De copo na mão lá fui sorrindo e balbuciando palavras de cortesia enquanto reflectia sobre esta doença infantil do jornalismo chamada colunismo.
O colunismo é o exercício de tentar descrever a realidade sem sair da caverna onde se vive agachado. Adjectiva-se a sombra que daquele ângulo se vê como sendo a verdadeira sombra e o ângulo como o melhor ângulo. O colunista é um artista a soldo de um ângulo, e o seu talento tanto maior quanto mais convincente e tridimensional for a sombra que descreve sem sair do conforto da caverna. O colunismo é a tirania do ângulo que infantiliza o jornalismo: "O meu ângulo é melhor do que o teu!"
Os media, talvez influenciados pelo facto da opinião viajar melhor na rede, e ser mais barata de produzir, estão cheios destes praticantes da arte da arenga a partir de uma caverna e de costas para a luz. Concordar com um colunista, no sentido em que o meu plumitivo interlocutor lhe deu, é concordar com a caverna onde ele está sentado a ver as sombras passar.
O que o plumitivo me disse foi que não concordava com a minha caverna. O que me entristeceu, confesso. Tinha-me, erradamente, por frequentador de múltiplas cavernas e não por pessoa de um só ângulo. Tinha-me por cronista, veja-se a presunção. Uma crónica é uma coisa diferente de uma coluna porque não é uma prosa proselitista, é uma tentativa honesta de descrever e partilhar as sombras que se vêem. O cronista é diferente do colunista no sentido em que é um adulto. Tem mais informação. Mais vida. Mais mundo. Já explorou muita caverna e chegou à conclusão que a caverna é o que menos interessa; que concordar não é o essencial. O essencial é ver.
Como as alergias na Primavera, o colunismo é uma doença que se agrava com o aproximar do tempo eleitoral, quando o colunista sente que chegou, finalmente, o seu momento. Não se pode fazer nada. Apenas fugir dos espirros e procurar factos, dados, números, investigação, inteligência, verdade, jornalismo; ou seja, mais e melhor descrição de todas as sombras. E as sombras são muitas.
Espero que o plumitivo concorde.