Inflação acima dos 20% tem sido uma constante da economia angolana. Segundo o Instituto Nacional de Estatística de Angola, em fevereiro de 2021, a inflação homóloga situou-se nos 24,85%..Não é necessário revisitar os efeitos e perigos da inflação, para perceber que o combate à inflação é uma das principais necessidades da população e governo angolanos. É insustentável ter uma economia em que todos os dias os preços aumentam. Aliás, basta percorrer as redes sociais angolanas para encontrar um mal-estar acentuado relativamente a esses aumentos, abundando imagens de bens essenciais com comparações de preços, sempre mais caros na atualidade. A capacidade de desagregação do tecido social que a inflação comporta, além da desestabilização macroeconómica, é um dado histórico em vários países do mundo, sendo o mais famoso exemplo, o efeito devastador que a hiperinflação alemã teve na ascensão de Hitler ao poder. Esse trauma ainda hoje orienta as políticas monetárias restritivas da Alemanha..Neste enquadramento, é que se deve entender a recente iniciativa de revisão constitucional anunciada pelo Presidente da República João Lourenço. A bandeira dessa revisão é a independência do banco central angolano, Banco Nacional de Angola (BNA)..Na realidade, a proposta de revisão constitucional propõe uma nova redação para o artigo 100.º da Constituição (CRA) que regula o BNA. Assim, pretende-se estipular que a função específica do BNA é tripartida: ser banco emissor, garantir a estabilidade de preços e assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Para cumprir esses desideratos, o BNA passará ser uma autoridade administrativa independente na prossecução das suas atribuições e no exercício dos poderes públicos a si acometidos. Nestes termos, o Governador do BNA será nomeado pelo Presidente da República, após audição na Assembleia Nacional..Como se afirma no Relatório que fundamenta a Proposta de Lei da Revisão Constitucional "consagra-se a nova natureza jurídica do BNA, enquanto entidade administrativa independente, de feição eminentemente reguladora, e sinaliza-se o conteúdo do princípio da independência deste tipo de entidades. É uma transformação estruturante (...) de onde releva o facto de, a partir de agora, ficar vedada a transmissão de recomendações ou emissão de diretivas aos órgãos dirigentes do BNA sobre a sua atividade, sua estrutura, funcionamento, tomada de decisão, nem sobre as prioridades a adotar na prossecução das atribuições constitucional e legalmente definidas, por parte do Poder Executivo ou de qualquer outra entidade pública..Não é de somenos sublinhar a relação entre a independência do banco central e o combate à inflação..Um banco central independente, geralmente, tem mais credibilidade e inspira mais confiança. Ter mais confiança no banco central ajuda a reduzir as expectativas inflacionárias. Consequentemente, torna-se mais fácil manter a inflação baixa. A concessão de independência ao banco central é assim um mecanismo essencialmente psicológico de criação de pilares de confiança e estabilidade para os consumidores e empresas para combater a inflação. Acredita-se que um grupo de técnicos sem interferência política conduzirá a política monetária para contrariar as pressões inflacionistas..Recentemente, um estudo de Ana Carolina Garriga e César Rodriguez, das Universidades de Essex e Portland, respetivamente, [1] afirmou claramente que a independência do banco central reduz a inflação nos países em desenvolvimento. Este estudo utilizou novos dados cobrindo 118 países em desenvolvimento entre 1980 e 2013. Encontrou esse efeito anti-inflacionário da independência do banco central em democracias e não democracias e verificou que todas as formas de independência contribuem para reduzir a inflação..Consequentemente, vê-se que a independência do banco central determinada na presente revisão constitucional angolana é uma aposta do Presidente da República em dotar o país de mais um mecanismo que permita combater a inflação efetivamente, abdicando de parte do seu poder em prol da adoção das, atualmente, consideradas melhores práticas institucionais. E de facto é fundamental que este passo resulte, pois a outra alternativa para combater a inflação é uma subida muito abrupta das taxas de juro que acentuaria ainda mais a crise angolana..[1] Ana Carolina Garriga, Cesar M. Rodriguez, More effective than we thought: Central bank independence and inflation in developing countries, Economic Modelling, Volume 85,2020, Pages 87-105,.CEDESA, gabinete de estudos angolano