A Linha do Minho esteve em obras entre janeiro de 2017 e maio deste ano. Trocar comboios a diesel por elétricos, introduzir sinalização eletrónica e uniformizar as plataformas das estações foram os principais objetivos do investimento de 83,2 milhões de euros da Infraestruturas de Portugal (IP), com dois terços de comparticipação de fundos europeus. Mais de seis anos depois, no entanto, os resultados deixam a desejar para passageiros e empresas de transporte de mercadorias, que seriam as maiores beneficiadas por esta empreitada.
Uma viagem de ida e volta entre Porto e Valença chega para confirmar as queixas dos dois lados. Em 2015, o comboio mais rápido entre as duas cidades levava duas horas; atualmente, a deslocação demora menos 11 minutos, por conta da troca do comboio a gasóleo pelo elétrico. No mesmo percurso, o comboio Celta, que continua a ser feito com material a diesel, demora apenas menos dois minutos em 2023 do que antes das obras. O investimento público não acelerou as viagens e tem penalizado a CP, que põe os comboios sobre os carris geridos pela IP.
Exemplo disso são os apeadeiros de Afife, Âncora-Praia e Moledo do Minho, onde a locomotiva 2600 e as três carruagens que a acompanham não cabem totalmente nos 80 metros de comprimento da plataforma. Em Barroselas, apenas os primeiros 80 metros da plataforma estão à altura do comboio; no resto desta estação, praticamente é necessário um escadote para subir ou descer a bordo.
Normalmente, a situação obriga os passageiros a mudarem de composição para sair nestes locais e o maquinista tem de frenar o comboio com a precisão digna de um relógio suíço para alinhar com a plataforma. Acelera o desgaste do material e a entrada e saída de passageiros demora mais tempo com esta situação. Em ocasiões especiais, com mais carruagens, o comboio tem de parar duas vezes no mesmo local. Foi o que aconteceu em agosto, durante a Festa da Senhora da Agonia.
Atenta à situação, a CP alega que "informou a gestora da infraestrutura [IP], antes da abertura da linha, sobre as características necessárias para a realização segura e eficiente da operação", refere ao Dinheiro Vivo fonte oficial. A situação poderia ser resolvida com a instalação de plataformas provisórias, como aconteceu em Areia-Darque, em 2012, na sequência de obras sobre o rio Lima.
As obras da IP também acabaram com o sistema de cantonamento telefónico. Com a sinalização eletrónica, deixou de ser necessário ligar ao chefe de estação para o comboio avançar para o cantão seguinte. O sistema, no entanto, está a penalizar o serviço ferroviário: a sinalização não tem topo de deslizamento, o que implica que os comboios façam a aproximação às estações a 24 km/h em vez de velocidades muito superiores. Resultado: há mais desgaste do material circulante e o tempo de viagem agrava-se.
Há ainda outras particularidades: em Vila Nova de Cerveira, o sinal fica imediatamente à frente da plataforma e só é visto pelo maquinista se uma das carruagens ficar de fora da plataforma - às sextas-feiras, o comboio Intercidades conta com cinco carruagens e fica com várias composições de fora; em Barroselas, no sentido descendente, o maquinista sai da estação sem saber se tem autorização porque o sinal de via está colocado a mais de 600 metros adiante, a seguir a uma curva. Aí, o comboio já atingiu os 70 km/h e arrisca-se a ter de parar de repente. Nas antigas estações de Lanhelas e de Vila Praia de Âncora, é possível verificar que os postes de catenária foram colocados numa zona onde poderia ser construída uma linha com 400 metros de extensão, permitindo mais um ponto de cruzamento para os comboios de passageiros.
A acumulação destas micro-situações penaliza a pontualidade do serviço e complica a vida dos utentes que usam apenas a Linha do Minho ou que dela dependem para outros serviços da CP a partir das estações de Nine, Ermesinde e Porto-Campanhã. A IP recusou prestar esclarecimentos ao Dinheiro Vivo, após um mês de insistência.
Mercadorias esperam mais obras
Mais do que servir passageiros, as obras na Linha do Minho serviram, sobretudo, para mais do que triplicar a capacidade do serviço de mercadorias, de 15 comboios de 300 metros de comprimento para 20 serviços de 750 metros. No entanto, a realidade está longe da projeção: "Não foi possível ainda nem aumentar o comprimento dos comboios nem o número de circulações diárias", lamenta o diretor executivo da Associação Portuguesa de Empresas Ferroviárias (APEF), que representa a Medway e a Captrain/Takargo.
Miguel Rebelo de Sousa exemplifica: a estação de Valença "não permite receber e expedir comboios de 750 metros", pelo que as trocas de comboios internacionais "continuam limitadas a comboios de 300 metros". Para mudar o cenário, será necessário usar locomotivas bi-tensão entre Portugal e Espanha, "recurso escasso à data". Em alternativa, a estação da Carvalha "tem apenas duas linhas de resguardo", o que "será menos funcional para suporte a um aumento expressivo de comboios".
A melhoria do serviço também depende do aumento da capacidade de carga, de 6,4 para 8 toneladas por metro, da ponte Eiffel, em Viana do Castelo. Na centenária travessia, a velocidade máxima é de 20 km/h, permitindo acenar aos pescadores de lampreia. O aumento dos comboios de carga também depende da eliminação da restrição de 520 metros entre as estações de Campanhã e de Nine, defende Miguel Rebelo de Sousa.
123 milhões para Porto-Vigo em menos de duas horas
As obras na Linha do Minho também não melhoraram o tempo de viagem entre Porto e Vigo. De comboio, as duas cidades continuam à distância de duas horas e 22 minutos, tal como antes da modernização da linha. No entanto, um estudo de 2018 da IP indica que, com 123 milhões de euros, seria possível ligar Porto a Vigo em uma hora e 47 minutos. Com troços a 200 km/h e via duplicada entre Nine e Viana do Castelo, o comboio passaria a ser mais rápido do que o autocarro e ficaria com um tempo próximo do automóvel, permitindo transportar mais passageiros pelo Eixo Atlântico de forma mais sustentável.
O mesmo investimento colocaria a cidade Invicta a 58 minutos de Viana do Castelo, abrindo a porta ao prolongamento do serviço suburbano a esta cidade; do Porto a Valença, o tempo de viagem cairia para uma hora e 22 minutos - o equivalente ao tempo atual entre Porto e Viana.
No entanto, a Linha do Minho vai estar afastada de novos investimentos nos próximos anos. Até 2030, a prioridade para esta região é construir uma nova linha entre Braga e Valença, sem paragens intermédias, por 1,25 mil milhões de euros e colocar o Porto a uma hora e 25 minutos de Vigo. O orçamento é 10 vezes superior para ganhar 22 minutos.
Ao mesmo tempo, será construída a ligação, em túnel, entre a atual estação de Porto-Campanhã e o aeroporto Sá Carneiro, no valor de 450 milhões de euros, em conjunto com a nova ligação em alta velocidade entre Lisboa e Porto. Em paralelo, será ainda duplicado, de duas para quatro vias, o troço da Linha do Minho entre Contumil e Ermesinde, por 120 milhões de euros. Depois de 2030, o Governo pretende construir a ligação ferroviária entre o aeroporto Sá Carneiro e a estação de Nine, no valor de 350 milhões de euros.
Somando os novos troços com a quadruplicação do Contumil-Ermesinde e a duplicação entre Nine e Viana, o orçamento total seria de pouco mais de mil milhões de euros. O custo é inferior ao do novo troço entre Braga e Valença e multiplica os efeitos económicos e territoriais por toda a região do Minho.