Como a formação de docentes tem reflexo na sala de aula

O último episódio do Educar + foi dedicado à formação de docentes e ao modo como a partilha de conhecimento na área das ciências cognitivas pode ter um impacto positivo na gestão da sala de aula.
Joana Rato,  professora na Universidade Católica, e Beatriz Soeiro, professora do primeiro ciclo e coordenadora pedagógica do Colégio São Francisco de Assis. Foto: Paulo Alexandrino
Joana Rato, professora na Universidade Católica, e Beatriz Soeiro, professora do primeiro ciclo e coordenadora pedagógica do Colégio São Francisco de Assis. Foto: Paulo Alexandrino
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“Há dois anos revimos os planos curriculares dos cursos de referência de professores, nomeadamente a licenciatura em educação básica, e demos conta que a ligação entre as neurociências e as ciências cognitivas não estava presente”, afirma Joana Rato, professora na Universidade Católica e consultora da Academia, o projeto da Iniciativa Educação destinado à formação de docentes. No que foi o último episódio do Educar +, um projeto da Iniciativa Educação em parceria com a TSF e o Dinheiro Vivo, Joana Rato debateu com Beatriz Soeiro, professora do primeiro ciclo e coordenadora pedagógica do Colégio São Francisco de Assis, em Oeiras, a importância deste tipo de formação no desempenho diários dos professores. 

Desde o primeiro momento foi clara para Joana Rato a necessidade de apoiar e melhorar a formação. “Dar aquilo que não está a chegar aos professores, sobretudo no âmbito da licenciatura. Na aproximação que temos tido aos professores percebemos que ainda não há a esta integração sobre o que é a arquitetura cerebral e cognitiva dos alunos”, explica a consultora da Academia.  

Joana Rato lembra que vários trabalhos feitos e publicados nos Estados Unidos da América mostraram a frequência de formações de 36 horas ou mesmo pós-graduações tem impacto na reflexão sobre o tempo de aula. “Pode até modificar estes planos de aula percebendo aquilo que são limites quer ao nível atencional quer na memória de trabalho”, lembra a especialista que refere os benefícios destas mudanças para que se consigam alcançar os objetivos de aprendizagem. “E estas modificações vão sendo criadas quando se tem conhecimento sobre esta tal arquitetura que sabemos que tem de ser respeitada”, diz Joana Rato. No entanto, dado o grande volume de literatura disponível, há o risco de o professor se perder caso procure esta informação sozinho. “Temos verificado que a formação ajuda nessa interpretação”, garante.  

Da formação à prática 

“Não há muita oferta na área das neurociências de formação dirigida aos professores e docentes. O que há é de pequena duração, são pequenas pistas que é necessário aprofundar”, testemunha Beatriz Soeiro, que sentiu a falta deste tipo de conhecimento científico tanto durante a formação inicial como também na formação contínua que recebeu em 20 anos como professora. “Não tinha este conhecimento científico sobre processos cognitivos tão importantes de conhecer para conseguir depois ter práticas em sala de aula mais eficazes com os alunos”, diz Beatriz. “ Em sala de aula acabei por modificar algumas práticas, começando pelo próprio planeamento, organização e estrutura do plano da aula e da própria sala de aula”, testemunha a professora para quem estas alterações permitem uma maior adequação às necessidades dos alunos.

“Relativamente ao planeamento também há aqui um cuidado maior relativamente à sobrecarga que podemos causar nesta função executiva que é a memória de trabalho, que permite ao aluno apropriar-se do conteúdo que está a ser explorado nessa aula. E garantir que conteúdos mais exigentes começam por ser no início da aula e que depois podem ser intercalados com outros conteúdos que permitam reduzir esta sobrecarga na memória de trabalho”, conta, dando ainda o exemplo o impacto do stress e da ansiedade em sala de aula. “O conhecimento que nós professores possamos ter sobre o impacto que isto tem na aquisição de conhecimentos permite-nos criar na estrutura de um plano de aula momentos em que o aluno pode ir verificando aquilo que está a conseguir acompanhar”, refere Beatriz Soeiro.  

Ultrapassar mitos 

Além das dificuldades no acesso à informação por parte dos professores, Joana Rato aponta as chamadas “ideias pop” como outra das dificuldades atuais. “Vêm como estando baseadas no cérebro, mas não têm o reconhecimento das sociedades científicas. E aqui que é este trabalho de desconstrução”, defende. Uma dessas ideias – desses mitos – é a discussão sobre o ensino baseado no professor ou no aluno. “Acaba por ser uma dicotomia. Mas não há conhecimento científico e faz-se muita confusão sobre o que é isto de aprendizagem ativa. Porque na verdade, o ensino explícito - que depois é designado como centrado no professor, em que os objetivos estão claros, quanto queremos atingir, o que vamos propor enquanto tarefas, por quanto tempo - é centrado no aluno! Porque o professor está a fazer um desenho de aula a pensar nos limites que o aluno poderá ter”, afirma Joana Rato.   

Sobre estas ideias construídas Beatriz Soeiro aponta ainda como desafio o acesso muito rápido à informação. “Atualmente temos um acesso muito rápido à educação e nem toda é válida e é difícil de validar e verificar. E sem haver este conhecimento prévio sobre o que de facto a ciência confirma, é difícil para um professor estar numa rede social [onde funcionam boa parte dos fóruns] perceber se o que está a ser proposto é baseado apenas numa intuição pedagógica ou se tem validade científica”, alerta a coordenadora pedagógica. 

 “A Academia que está a trabalhar no sentido de poder apresentar oferta formativa que possa ser verdadeiramente útil que possa ajudar neste trabalho de fazer chegar este conhecimento aos professores”, revela Joana Rato. Esse trabalho passa por selecionar tópicos sobre os quais seja útil refletir “e colmatar aquilo que não é abordado nos cursos de referência de professores até à data”, diz Joana Rato para quem são ainda necessários exemplos que possam ser usados como boas práticas que clarifiquem as bases teóricas apresentadas.  

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