Chama-se Nadeem Nathoo, é canadiano e é o cofundador do The Knowledge Society (TKS), um conceito que mais não é do que um projeto de vida para ele e para o seu irmão Navid, com o objetivo claro de "ajudar jovens ambiciosos e curiosos a mudar o mundo" e numa espécie de acelerador humano ajudar a construir os líderes e inovadores de amanhã.
"Cresci com o meu irmão numa pequena cidade do Canadá e uns anos mais tarde conseguimos trabalhar com algumas das pessoas mais inteligentes do mundo, como é que isso aconteceu?" Entre a sorte, o talento e o acaso de conhecer as pessoas certas na altura certa, quiseram criar um projeto "que desse oportunidades a quem nem sempre tem essa sorte", explica Nadeem, que participa esta quarta-feira (12 de maio), no 30º Digital Business Congress da portuguesa APDC - Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações.
O projeto de educação que arrancou em Toronto (Canadá), em 2016, é focado em adolescentes dos 13 aos 17 anos e procura dar-lhes conhecimentos tecnológicos, de inovação e resolução de problemas (que inclui a expressão bem portuguesa "desenrascanço") e recebeu o ano passado a distinção de Líder Global em Inovação Educacional e Criativa, do Fórum Mundial Económico.
Os seus objetivos são tão ambiciosos quanto os slogans que alimentam o projeto: "são desde logo o nosso mantra, desde que eu e o meu irmão deixámos os nossos projetos em startups ou empresas de Silicon Valley para criar o tipo de treino que gostávamos de ter tido quando estávamos a crescer, mas não tivemos". E quais são essas expressões-chave? "Os jovens querem mudar o mundo e não sabem como, nós treinamo-os"; "queremos tornar os adolescentes em unicórnios humanos [numa referência às startups que ganham o estatuto de unicórnios quando atingem o valor de mil milhões de dólares]", "se treinamos jovens atletas ou "somos um acelerador humano e queremos ajudar adolescentes a tornarem-se no próximo Elon Musk".
A ideia passa por expor os jovens a tecnologias exponenciais como inteligência artificial, realidade aumentada e virtual, nanotecnologia, Internet das Coisas e colocá-los em contacto com mentores e com empresas. Desde que foi criada a startup de educação já viu alguns dos seus mais de 550 estudantes criarem startups como Synex Medical, SmartCane e WaypointAR, bem como teve jovens a falar em grandes conferências - incluindo a Web Summit - e teve jovens de 14 anos com ofertas de estágios para a Microsoft e IBM.
A ligação a Silicon Valley está bem presente no percurso dos dois irmãos. Nadeem trabalhou na McKinsey & Company como consultor de algumas das maiores empresas do mundo em áreas que vão da banca, a telecomunicações, aviação ou indústrias avançadas, enquanto o irmão Navid começou uma empresa de monitorização empresarial na cloud (Airpost.io) que foi adquirida pela gigante da cloud Box e passou a liderar a sua área de inteligência artificial.
Antes da TKS já trabalhavam em projetos solidários no Bangladesh, incluindo em projetos de microfinanciamento e na construção de universidades no Quirguistão e "o impacto na sociedade era a estrela do Norte que nos guiava". Daí que com independência financeira conquistada, decidiram escolher um projeto que os entusiasme cumprir todos os dias "e que ajuda a resolver problemas no mundo dando ferramentas para os jovens chegarem a novas soluções".
Nadeem admite que não é uma boa estratégia ficar à espera que Elon Musk venha resolver todos os nossos problemas como sociedade, daí pensaram na TKS como "uma institução que treina de forma específica os jovens para resolver problemas importantes no mundo, usando estas tecnologias emergentes como ferramentas para fazer isso". Já viram alunos sair do processo de formação que "começam a ser pioneiros em algumas das novas indústrias, mesmo tão jovens".
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Há uma propina mensal para o serviço que ronda os 600 dólares no pacote mais completo de 10 meses, "mas financiamos em 100% quem não tem meios para pagar e tem o perfil adequado". "Eu e o Navid até pagamos do nosso próprio bolso se for preciso porque queremos garantir que quem tem potencial tem acesso à formação, imaginem que estamos a falar do próximo Elon Musk ou Steve Jobs ou Marisa Meyer".
E o que é o perfil adequado? "Os alunos passam pelo processo inicial de testes, onde não olhamos para a idade ou para as notas, mas sim em primeiro lugar para a curiosidade (não queremos alguém que desde os 9 anos que quer ser médico e mais nada, porque não precisa da TKS para isso), que mostre um desejo de aprender e de ter uma melhor compreensão do mundo procuramos; em segundo é a ambição e não tem de ser coisas megalómanas, apenas que haja ambição de ir além da nossa própria cidade e o terceiro é ética de trabalho". Os candidatos só precisam de ter duas das três características, já que se "pode treinar coisas como a ética de trabalho". Depois disso, ao aceitarem as candidaturas "podem pedir apoio financeiro que é dado 100% das vezes para que possam participar porque é essa a nossa visão para o projeto".
As sessões com aulas são ao fim de semana, durante a semana trabalham em projetos, falam com mentores e assistem a eventos - pela plataforma digital. "A primeira parte do programa chama-se Exposição, depois entram num processo chamado Foco, onde escolhem uma tecnologia que os entusiasme e o objetivo é que depois do processo trabalhem num projeto ao nível de mestrado ou doutoramento em três a cinco meses".
Nadeem admite que há trabalhos de grande nível que mostram já talentos em bruto que os jovens podem mostrar no Github e adicionar ao seu portefólio. Depois trabalham com grandes empresas em torno das suas prioridades de negócio e ligam-nos aos melhores jovens para cada área, "para lhes dar experiência e coloca-os a lidar com problemas que ainda não têm resposta, expande a sua rede mais dá-lhes a mentalidade para atacar todo o tipo de problemas e acabar com a insegurança e resolver questões já".
Neste momento têm infraestrutura montada em várias cidades da América do Norte, entre Canadá e EUA. "Mas a pandemia levou-nos a expandir o programa para o online e foi o primeiro ano em que tivemos estudantes de todo o mundo, de mais de 30 países, a juntar-se à TKS e demos-lhe as ferramentas, as redes de contactos e os recursos para acelerar o seu potencial", explica.
Ainda assim, admite que é ingénuo pensar que um jovem na América do Norte ou na Europa ocidental vá resolver problemas relevantes na América Latina, África ou Índia. "Queremos providenciar os recursos da TKS também a pessoas destes países, para dar capacidade a estes jovens de resolver problemas nas suas comunidades"
(A participação de Navid Nathoo num evento da TEDx)
Se a pandemia não existisse, já teriam espaços em cidades na Europa ou no Médio Oriente ou em locais como Singapura ("onde há um grande apetite por projetos destes", algo que só agora vão começar a fazer. Esses espaços permitem melhorar a parte de mentoria local e de ligação às universidades e startups e gigantes tech que fazem parte da rede criada - "temos mentores de quase todas as grandes empresas, da SpaceX e Tesla, à Microsoft, Google ou IBM".
Em Portugal tiveram alunos seus a falar na Web Summit e contactaram com o ecossistema tecnológico e com membros do governo em 2019 e "há apetite para levar a TKS para Portugal para apoiar jovens portugueses". "Agora é uma questão de timing, mas temos os recursos para avançar", explica.
O apoio mais próximo com mentoria (que inclui pessoas que trabalham no terreno, em grandes empresas) faz parte do programa de acelerador humano com aprendizagem à base de projetos, de 10 meses, com o tal acesso à rede ampla e objetivos claros de aprendizagem em áreas diferentes - dependendo dos interesses e capacidades do aluno.
A TKS funciona num modo híbrido, tanto em pessoa como com ferramentas digitais. Antes da pandemia os jovens iam a sessões num espaço físico ao fim de semana, agora usam o Zoom, e durante a semana os jovens usam a plataforma digital que construíram para explorar módulos com acesso a tecnologia, marcam encontros com outros estudantes de outros lados do mundo e recebem mentoria, uma análise do seu progresso, ficam com um portefólio disponível para mostrar o que já fizeram - como substituto a um currículo convencional - que lhe tem valido estágios em IBM, Microsoft ou startups relevantes na sua região "graças ao que construíram e fizeram no curso".
"O método primário é através da plataforma digital que construímos e usamos também outras ferramentas, como o Slack, a que os estudantes têm acesso 24 horas por dia, para contacto com os responsáveis do curso e com outros alunos, por isso é uma das ferramentas de interação, além das sessões de Zoom ou o Google Drive para documentos".
Nadeem Nathoo explica que os jovens são desde logo colocados com decisões difíceis que com impacto claro nas suas vidas logo a partir dos 15 anos. "Aos 17 anos temos inclusive de escolher o que queremos estudar e onde, com pouca informação. A Universidade não é um local para explorar até porque é tabu e caro mudar de curso, temos de escolher com base no que amigos ou conhecidos nos dizem ou o que encontramos online e muitos fazem um curso de quatro anos e ainda não sabem o que fazer, e as empresas recrutam alunos complacentes e pouco motivados".
O responsável admite que é isso que o TKS quer mudar para o bem dos projetos, dos jovens e das empresas, dando maior contacto com a realidade e ajudando a delinear gostos pessoais graças ao contacto com tecnologias e mentores experientes. "Se escolhemos o curso errado e queríamos fazer mais e tínhamos o potencial de o fazer, então o sistema falhou em toda a linha", adianta. Para Nadeem não é um segredo que há caminhos alternativos ao sistema vigente e é preciso aproveitá-los.
"Um dos nossos estudantes, Ben, que falou em 2019 na Web Summit e já tem 19 anos, construiu um sistema para medir glicose no sangue sem penetrar na pele e conseguiu financiamento de dois milhões de dólares por alguns dos investidores mais conhecidos", explica.
Há já muitos projetos semelhantes pelo mundo, incluindo a Singularity University, algo que é para jovens adultos e com um conceito diferente. O próprio Elon Musk, tantas vezes referido pelo empreendedor canadiano, criou a sua própria escola, a Ad Astra, para os seus filhos, que depois expandiu para os trabalhadores da SpaceX, que consiste em organizar os alunos desde os oito anos por áreas de preferências e não propriamente por idades. Entretanto, a escola saiu de órbita de Musk e passou a ser um projeto comercial lançado em 2020 chamado Astra Nova.
Em Portugal há alguns projetos para os mais novos embora sem este nível de detalhe, nomeadamente o recente 42 Lisboa, uma escola de programação totalmente gratuita para ensinar jovens a partir dos 17 anos as ferramentas do presente e futuro.
Na Estónia, um país conhecido pelo seu desenvolvimento tecnológico e digital, há um programa parecido com o TKS chamado Future Heroes, mas que é só para raparigas.