Tem quase seis milhões de visualizações o vídeo de paródia gravado pelo director de uma escola secundária no Alabama, Quentin Lee, ao som de “U Can’t touch this”, de MC Hammer. É provável que a geração de alunos que frequenta aquela escola nunca tenha sequer ouvido falar do antigo rapper e do seu enorme sucesso de 1990, mas o vídeo de paródia tornou-se viral.
É o director a cantar as novas normas em vigor por causa da pandemia de covid-19 no regresso às aulas. Não toquem nisto, não toquem naquilo, lavem as mãos, mantenham distância de dois metros uns dos outros, puxem essa máscara para cima do nariz, usem luvas. O vídeo é hilariante e a paródia encaixa tão bem que alguns comentadores acham que o director ainda vai mudar de profissão por causa disto.
Mas o regresso às aulas nos Estados Unidos é tudo menos motivo de gargalhadas. Sabemos agora que a noção que tínhamos inicialmente, de que as crianças e jovens eram muito menos susceptíveis ao novo coronavírus, estava errada. Os padrões de infecção e morte continuam a mostrar que esta doença é mais perigosa para idosos e para quem tem outros problemas de saúde, mas seis meses de pandemia permitiram descobrir que as crianças são agentes transmissores mais eficientes do vírus. Aplicado à realidade, isto significa que reabrir as escolas vai equivaler a criar um laboratório explosivo de covid-19.
A situação é tão dramática em vários estados que muitos professores estão a preparar os seus testamentos e a escreverem os seus obituários, no caso de serem infectados pelo coronavírus e não resistirem. É uma escolha dilacerante. Ou regressam às aulas e enfrentam o perigo real de infecção, ou demitem-se e ficam desempregados numa economia que já está em ruínas.
O ano lectivo começa mais cedo nos Estados Unidos que em Portugal, normalmente na segunda ou terceira semana de Agosto. Acresce que a pandemia está em total descontrolo no país, ao contrário do que está a acontecer em Portugal, onde a primeira vaga parece mais ou menos controlada. Se juntarmos a isso a normal falta de zelo de crianças e adolescentes, a sua natureza muito social e a disparidade de comportamentos nos pais – muitos dos quais nem sequer acreditam na perigosidade do vírus – temos um caldeirão de risco a borbulhar. Notem: só nas últimas duas semanas de julho, quase 100 mil crianças nos Estados Unidos testaram positivo para o novo coronavírus.
Assim que as primeiras escolas reabriram, surgiram nas redes sociais fotos tiradas nos primeiros dias mostrando corredores entupidos de alunos. Zero distanciamento social, percentagem baixíssima de alunos a usarem máscaras e poucas ou nenhumas mudanças em relação a um ano lectivo normal. A reacção às imagens levou à suspensão dos alunos que as tiraram, não a mudanças nas aulas.
Isto importa por vários motivos. Um, vai dar para perceber como a taxa de infecção se comporta nas semanas seguintes à reabertura das escolas e se causa ou não um pico de doentes nas comunidades. Dois, vai dar para perceber o que acontece quando as escolas reabrem como se não houvesse pandemia. Três, vai dar para perceber com que se parece uma segunda vaga de coronavírus quando a primeira ainda não foi debelada.
A discussão sobre o regresso ou não dos miúdos às escolas é uma das mais acesas que está a acontecer neste momento. Por um lado, pais desesperados sem saberem como vão acompanhar os filhos em casa se as aulas forem todas virtuais e crianças sedentas de socialização. Por outro, professores em pânico e médicos preocupados com o desastre potencial de ter toda esta gente enfiada em corredores estreitos e salas de aula a abarrotar. Por cima disso, escassez de testes, escassez de material de protecção individual e um governo federal em negação quanto à severidade da situação.
2020 foi um ano difícil até agora. Mas com Agosto a todo o gás e a caminhar para o regresso às aulas, dificilmente seremos salvos pela campainha. Pelo contrário. Preparem-se para comprar mais máscaras e encham-se de álcool-gel, porque a crise está longe de resolvida.