Conferência dos Oceanos: 7 desafios da década para o mar

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Lisboa foi, nesta última semana de junho, palco da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, onde se discutem todos os temas centrais para a Economia do Mar: do acordo para a meta 30/30, que pretende que 30% dos oceanos sejam área protegida até 2030 ao do controlo das pescas excessivas e em águas não protegidas. A conferência insere-se na temática da Década dos Oceanos e vem consolidar posições relevantes iniciadas na conferência de Nairobi, que irão alimentar também as discussões para a COP27 do próximo ano, no Cairo.

Perante este contexto, e porque não há um planeta sustentável sem um Oceano saudável, é necessário pensar-se sobre como conseguir um modelo de desenvolvimento económico compatível com a regeneração do Oceano, que tenha como base sustentabilidade, biodiversidade e inclusão. Para isso, a chave passa por começarmos por aceitar que apenas em conjunto e em colaboração internacional será possível termos sucesso, pelo que é urgente compreender as dimensões críticas do desafio que temos pela frente na próxima década.

Mapear e regular
Entre as sete que me proponho destacar, identifico primeiramente a necessidade de mapear e regular. Sem conhecimento, regulamentação e uma governança capaz é impossível pensar o mar, sendo por isso determinante ter dados objetivos, monitorizar, observar e investigar. O desafio passa assim por perceber também o que está debaixo da superfície da água, sendo necessário o foco em toda a indústria de sensores e em plataformas de rastreabilidade, bem como acordos de partilha de dados. Depois, é essencial regular, ao nível nacional, regional e internacional: ter compromissos e regras claras para os desafios comuns e um enquadramento legal que permita a gestão eficiente das várias dimensões do mar. Neste sentido, vão ser críticos os acordos desta conferência, como o acordo de 30 de áreas verdes protegidas, ou sobre pescas ilegais e não regulamentadas.

Educar e capacitar
É um desafio não só ao nível das temáticas da sustentabilidade e sensibilização, mas também da investigação e desenvolvimento. Precisamos de mais universidades, empreendedores, empresas e políticos a olhar e a pensar o mar. São precisas competências integradas e complementares, do direito à engenharia, da gestão à operacionalização. Iniciativas como a Escola do Mar, em Oeiras, a dedicação da Ciência Viva, como as várias iniciativas que a Fundação Oceano Azul tem desenvolvido com várias escolas a nível nacional são excelentes exemplos.

Especializar e escalar
Falar do mar é ainda abordar a preservação, observação, defesa, robótica, alimentação, energia, economia circular, transportes, turismo ou alterações climáticas - uma junção de temáticas tão abrangente que nos leva ao próximo desafio: a necessidade de especialização, que permitirá às iniciativas do setor escalarem. Exemplos destas são o BlueTech Accelerator, os Hubs Azuis ou o AspBAN (com a missão de apoiar a transformação dos Portos do espaço Atlântico em hubs de Economia Azul), que têm como objetivo viabilizar uma especialização inteligente das regiões e dos ecossistemas de inovação.

Inovar e colaborar
Identifico ainda o desafio da centralidade na inovação e colaboração, essenciais para conseguirmos atingir objetivos individuais e coletivos para o setor. A colaboração espera-se a vários níveis, dentro do ecossistema e entre entidades e regiões, bem como através do cruzamento entre a energia e diferentes tecnologias, como Inteligência Artificial, quantum, cibertecnologia, nanotecnologia ou biotecnologia. A ligação entre o público e privado não pode também ser esquecida, bem como o investimento de capital de risco, para desenvolvimento de pilotos e procurement governamental focado na inovação. Bons exemplos são ecossistemas maduros como o canadiano, o britânico ou o francês, que dão uma enorme importância à inovação e a colaboração e apostam muito na criação de várias peças essenciais à experimentação, como criação de agências de investimento, universidades, empresas de prototipagem e testes, incubadoras, aceleradores, interfaces de inovação dentro de grandes empresas.

Monitorizar e regenerar
Vejo também como um grande desafio da década o de encontrar um modelo de monetização do mar que seja compatível com o seu desenvolvimento sustentável. Para lhe fazer face, são necessários projetos de tokenização do Oceano, de criação de NFTs para o mar ou novos Fundos de Carbono com modelos muito precisos de sequestração e créditos de carbono. O conceito de equity deve ser também alargado e não representar apenas capital financeiro, mas incorporar as dimensões de biodiversidade e de diversidade tão essenciais para um desenvolvimento sustentável.

Digitalizar e descarbonizar
Também a descarbonização surge como um desafio que só pode ser ultrapassado através da incorporação de novas tecnologias, desde o digital à biotecnologia. As seis Categorias da Comissão Europeia para a economia do mar reforçam bem estas dimensões da descarbonização, focando-se na neutralidade carbónica e poluição zero, transição para economia circular e redução da poluição, preservação da biodiversidade e investimento na natureza, numa produção alimentar sustentável, na melhoria da gestão do espaço no mar, na adaptação climática e resiliência costeira. Para atingirmos estas metas a solução está em tecnologias de descarbonização e circularidade, bem como no planeamento, mitigação e adaptação.

Mobilizar e atuar
Por fim, é preciso mobilizar e agir, através do envolvimento de diferentes atores numa estratégia e atuação conjunta, e mobilizando nomeadamente os jovens, bem como mais investigadores, empreendedores e empresas para investirem de forma decisiva no mar.

Por tudo isto, considero que o Oceano tem o poder para ser um dos maiores motores de mobilização mundial e de identidade coletiva e também um dos recursos que poderá permitir a viabilidade da vida neste planeta. No entanto, isso apenas será possível se soubermos preservá-lo e desenvolvê-lo de forma sustentável, se soubermos ser a nação do mar e unir esforços para que este possa ser um dos nossos maiores desígnios durante a próxima década, sem nunca esquecermos o espírito da Conferência das Nações Unidas: "We will do it together".

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