Conferências do Estoril. Reequilibrar o mundo por um amanhã melhor

Dois dias, mais de uma centena de oradores e uma plateia repleta de estudantes. Foi desta forma que o <em>campus</em> da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) recebeu, entre quinta e sexta-feira, a sétima edição das Conferências do Estoril, com um objetivo claro: inspirar a "geração do propósito" a reequilibrar o mundo
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Empresas e escolas de negócios precisam de mudar o chip. O motivo? "Há um planeta a ser destruído", deixou o alerta Tima Bansal, economista e professora da Ivey Business School, durante a sua intervenção no primeiro dia das Conferências do Estoril. Segundo a oradora, hoje em dia os negócios estão pensados para o lucro, prejudicando em larga escala não só o ambiente, como também a sociedade. Por isso mesmo, há uma meta que precisa de ser alcançada: a da sustentabilidade.

O primeiro passo a ser dado está do lado de quem forma os líderes. "Estamos a ensinar aos nossos alunos que os negócios se baseiam no lucro. Embora não o percecionemos, acontece em todo o mundo - e tudo se resume ao interesse próprio. Não podemos simplesmente dizer às pessoas para serem éticas e por outro lado ensiná-las a guiarem-se por este princípio", referiu. Orientar a geração futura para liderar com impacto é, mais do que nunca, imperativo, frisou.

Em segundo lugar, as empresas devem mudar a forma como se desenvolvem e olhar para os seus negócios como um todo. "Todas as ações provocam uma reação. As organizações precisam de mudar o chip, avaliar o quadro geral e ter em consideração que ao produzirem um produto devem ponderar o seu impacto e não apenas o lucro que poderá gerar", explicou a economista.

"As empresas precisam de responder às necessidades das gerações presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras". De acordo com a economista, sustentabilidade empresarial não é apenas sobre o ambiente, é assegurar que todos têm comida, água, roupa e casa, mas saber que tudo isso implica recursos naturais e que, se exigirmos demasiado, não os vamos conseguir regenerar.

Tima Bansal deixou a mensagem de que os líderes precisam de agir e que esta não é uma responsabilidade do governo, mas sim, das empresas, "que têm uma grande influência nas nossas vidas". Encontrar soluções para os problemas deve ser um trabalho de cooperação, em que "ONG e comunidades indígenas" podem assumir um papel de relevância no que toca a "perceber como criar valor com os recursos da Terra".

A economista fechou o painel Business Sustainability: Seeing Business in the Big Picture, concluindo que "não há um problema e uma solução, há muitos problemas e muitas soluções. Temos de olhar para os sistemas à nossa volta como um só complexo e temos de instaurar este pensamento sistémico nos negócios".

A banca não fica de fora quando o assunto são as obrigações verdes. Para alcançar os objetivos de neutralidade carbónica é necessário ter em conta os recursos disponíveis e investir em projetos transformadores nas áreas da educação, tecnologia e globalização, e, sobretudo, não descartar a importância da ação. Por outro lado, implica também que saibamos que esta é uma missão que levará tempo a completar. O governador do Banco de Portugal não deixou margem para dúvidas nas Conferências do Estoril: compromisso e cooperação são fundamentais para a sustentabilidade financeira.

A ideia de transitar para um mundo mais sustentável pode intimidar as instituições financeiras, mas fazê-lo será preciso, até porque 2050 está à porta e a União Europeia (UE) tem prazos a cumprir. Luisa Gómez Bravo, líder de corporate & investment banking do BBVA, uma das oradoras convidadas para o debate Financial Capitalism & Sustainability, não floreou o processo e frisou que há esforços a serem feitos, assegurando, no entanto, que é possível alcançar as metas. Os bancos têm, aliás, o poder de influenciar aquilo que é a economia mundial, através do "financiamento dos projetos certos" e da criação de um "portefólio neutro", assegurou.

Sob forma de guia para a sustentabilidade da banca, a oradora enumerou os três passos que precisam de ser dados: mobilizar o capital para o investimento privado; desenvolver soluções compreensivas para os clientes, desde produtos a aconselhamento e ferramentas à educação; e, por fim, gerir o portefólio de clientes, canalizando os empréstimos para indústrias menos poluentes.

António Simões, CEO do Santander Espanha, que teve a sua intervenção no painel Scaling Up Global Ambition: The Journey to "Net Zero", considerou que é urgente agir nesse sentido e que esse é um trabalho que "claramente tem de ser feito em parceria - e muitas vezes, com parceiros inesperados", dando como exemplo de exequibilidade a colaboração que o banco tem com a Ferrari para ajudá-la a atingir a sustentabilidade.

"Enquanto banco, o nosso impacto de carbono é muito importante, mas é muito pequeno. O poder que podemos ter [neste campo] é apoiar 157 milhões de clientes", destacou. O CEO disse ainda que o Santander tem apoiado as organizações a fazer a transição, direcionando assim o seu investimento para a sustentabilidade e confirmando a afirmação de Irene Heemskerk, responsável pelo Centro das Alterações Climáticas do Banco Central Europeu: "Em tudo o que fazemos, podemos limitar o impacto ambiental".

O financiamento sustentável é, cada vez mais, uma preocupação dos acionistas e uma prioridade para muitos dos principais fundos de investimento internacionais. O desenvolvimento económico assente em impacto social e ambiental passou de tendência a uma realidade bem presente em vários setores de atividade, podendo representar oportunidades para a rentabilização do capital, mas também para o surgimento de startups apostadas em contribuir para a descarbonização. Robin Teigland, que marcou presença nas Conferências do Estoril, decidiu "passar das palavras à ação" e criar, com o apoio do parceiro e dos dois filhos, a Peniche Ocean Watch (POW), um tech hub instalado na cidade costeira portuguesa.

O objetivo era desenvolver um projeto impactante junto da comunidade pesqueira, apoiando a digitalização de uma atividade tradicional e secular, assim como encontrar soluções para a limpeza dos oceanos. "Acho muito importante construir pontes entre as gerações. Eu também quero ser a geração do propósito", partilhou.

Com apoio científico e tecnológico, a empreendedora adquiriu "uma pequena fábrica" onde desfaz as redes de pesca recuperadas do mar. Contudo, referiu, o desafio seguinte passava por encontrar um destino para os resíduos. Apostando na investigação e desenvolvimento (I&D), foi possível encontrar uma forma de transformar os fios das redes em matéria-prima para impressão 3D, com que tem produzido obras de arte sustentáveis.

Em paralelo, e com recurso aos contactos estabelecidos com "pessoas de todo o mundo", conquistou financiamento dos EEA Grants para fazer sair do papel o Peladrone. A ideia é utilizar drones apetrechados de ferramentas de processamento de imagem com recurso à inteligência artificial (IA) para identificar locais de captura de pescado a longas distâncias. Dotado de um dispositivo de sonar, o equipamento é ainda capaz de localizar "massas biológicas" no mar, nomeadamente diferentes tipos de peixe e quantificá-los. Os dados são transmitidos, em tempo real, para a embarcação de pesca, permitindo aos pescadores poupar tempo, combustível e diminuir a sua pegada ambiental. "A ideia aqui não é pescar mais, mas fazê-lo de forma mais sustentável", garantiu Teigland.

"Construam pontes e redes de contactos. Esta é a única forma de solucionarmos o desafio global [das alterações climáticas] porque ninguém sabe tudo, mas toda a gente sabe alguma coisa", sublinhou.

A par da transição para uma economia mais verde, rumo ao cumprimento do objetivo da neutralidade carbónica - recorde-se que Portugal está comprometido com a meta até 2050 -, a instabilidade geopolítica foi um dos temas em destaque durante as Conferências do Estoril. Yulia Tymoshenko, ex-primeira-ministra da Ucrânia, marcou presença para lembrar que a agressão russa é uma ameaça à democracia europeia, mas também para pedir a continuação da solidariedade da UE e mais apoio militar. "Quanto mais armas [cedidas à Ucrânia], mais rápido podemos parar esta guerra", disse. O povo ucraniano, assegurou, está a sacrificar "a vida pelo projeto europeu".

Reforçou confiança na possibilidade de o país vir a entrar para o clube dos 27 Estados-membros, ainda que possa ser um processo "demorado", e garantiu que terminar com o conflito devolverá a paz à Europa. "A vitória não será apenas nossa. Será vossa, dos europeus", assinalou.

Roberta Metsola encerrou o ciclo de debates com uma mensagem de esperança nos jovens e na sua capacidade para manter a democracia saudável, alertando, porém, ser necessário "aumentar" a participação nas eleições europeias. "Penso que temos as ferramentas, as pessoas e os recursos [para o sucesso da UE], acho que só temos de fazer melhor", apontou a presidente do Parlamento Europeu.

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