São sete os perigos ou riscos de magnitude considerável e latentes que podem fazer descarrilar o plano do governo para reduzir o défice público (em contas nacionais) para 1,9% do produto interno bruto (PIB) no final deste ano e acelerar no corte do peso da dívida, enumera o Conselho das Finanças Públicas (CFP) na "Análise da proposta de Orçamento do Estado para 2022" (OE2022).
O estudo foi divulgado esta quarta-feira, um dia depois do ministro das Finanças, Fernando Medina, ter ido ao Parlamento apresentar o OE2022.
A entidade presidida por Nazaré Costa Cabral receia que possam acontecer este ano mais ajudas à TAP, mais transferências para o Novo Banco (como o próprio já deu a entender, aliás), mais indemnizações do Estado a privados envolvidos em negócios de parcerias público-privado (PPP), por exemplo.
O CFP refere que este Orçamento pode ser muito ajudado do lado da receita devido à prevista "execução expressiva do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)".
E por um comportamento mais musculado da cobrança de impostos e descontos por via das "bases de incidência mais elevadas do que o assumido" pelo governo no OE, apoiado na retoma da economia.
No entanto, o rol de perigos é grande e evidente.
Primeiro, há o contexto sanitário e internacional que leva o CFP a dizer, desde já, que "a pandemia e o choque geopolítico decorrente da invasão da Ucrânia terão um impacto considerável nas finanças públicas".
O Conselho que avalia a condução das Finanças Públicas portuguesas deteta grandes riscos orçamentais que podem impedir o governo e, em particular, o ministro das Finanças (MF), Fernando Medina, de cumprir várias metas, como a redução do défice para 1,9% do PIB no final deste ano, aliviar a carga fiscal para 35,1% do PIB em 2022, diminuir o peso da despesa para 46,6% ou baixar o peso da dívida para 120,7% do PIB.
Sete grandes riscos sobre o OE da maioria absoluta PS
O CFP diz que a previsão orçamental para 2022 está ameaçada por "riscos orçamentais [negativos] que foram assinalados" e que persistem, logo têm de ser sublinhados:
1. "Incerteza sobre a duração e a escalada do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, cujas consequências poderão implicar um impacto de magnitude superior ao previsto pelo Governo nas medidas de mitigação que pretende implementar em 2022 ou determinar a adoção de medidas adicionais";
2. "Surgimento de novas variantes da covid-19 que, não obstante os progressos na vacinação e controlo da doença, poderão retardar a redução e eliminação das medidas relacionadas com a pandemia, penalizando a recuperação do equilíbrio orçamental";
3. "Ativação das garantias do Estado concedidas no âmbito de algumas das medidas de resposta à crise pandémica e ao choque geopolítico, nomeadamente linhas de crédito a empresas";
4. "Sobrestimação das poupanças e ganhos de eficiência a obter no âmbito do exercício de revisão de despesa [o chamado plano para cortar nas gorduras do Estado]";
5. "As responsabilidades relacionadas com pedidos de reposição do equilíbrio financeiro e ações arbitrais submetidas por concessionárias e subconcessionárias no âmbito de projetos de Parcerias Público-Privadas (PPP) que impliquem uma despesa superior à considerada na proposta de OE2022";
6. "Transferências adicionais para o Novo Banco ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente";
7. "A eventualidade de a TAP necessitar de apoios financeiros superiores aos considerados pelo MF na proposta de OE2022 em contas nacionais".
Sem riscos negativos, Medina até podia chegar a défice de 1,8%
Claro que se nenhum destes riscos existisse ou se materializasse, o cenário do governo ficaria intocado e o défice de 1,9% era "passível" de ser atingido. Ou mesmo um défice de 1,8%, se não houvesse despesas "one-off", isto é, despesas extraordinárias, como indemnizações por causa das PPP ou ainda despesas ligadas ao Novo Banco por via de impostos diferidos.
"Em 2022, o efeito de medidas one-off ascenderá a 423 milhões de euros (dos quais 285 milhões de euros decorrentes de decisões judiciais e 138 milhões de euros respeitantes a despesa com ativos por impostos diferidos)", diz o CFP.
Sem estes dois efeitos, o défice seria mais baixo ainda.
"A proposta de Orçamento do Estado (POE/2022) prevê para 2022 um défice orçamental de 1,9% do PIB, representando uma redução de 0,9 pontos percentuais (p.p.) do PIB face a 2021, que se encontra penalizada pelo impacto desfavorável de medidas one-off", refere o Conselho.
Excluindo o impacto dessas medidas one-off, "o défice ajustado fixar-se-ia em 1,8% do PIB evidenciando uma melhoria de 1,4 p.p. do PIB, valor que compara com 2 p.p. realizados em 2021".
"Globalmente, a análise efetuada pelo Conselho das Finanças Públicas aponta para que os objetivos de saldo orçamental e de dívida pública sejam passíveis de atingir, assim não se materialize a totalidade dos riscos descendentes também identificados", refere a entidade avaliadora.
Retoma, inflação e fim das medidas covid ajudam muito
Assim, para a redução do défice orçamental prevista para 2022 "muito contribuirá a retoma progressiva da atividade económica e a eliminação de grande parte das medidas de emergência adotadas na resposta à crise pandémica".
"A dimensão do efeito destes dois fatores no saldo ascende a 6815 milhões de euros, mais do quádruplo da melhoria [redução] de 1576 milhões de euros que o Ministério das Finanças prevê para o saldo orçamental em 2022". Ou seja, a redução do défice prevista é sobretudo à boleia da retoma económica e da descontinuação de medidas contra a covid.
A inflação também dá uma ajuda pois, por assim dizer, inflaciona o PIB (nominal) via preços mais altos. No entanto, o CFP diz que esse efeito é de curta duração.
"Sendo 2022 o primeiro ano de um processo inflacionista não totalmente antecipado, o saldo orçamental tende a melhorar no muito curto prazo por via de vários mecanismos que, contudo, rapidamente se esgotam."
(atualizado 16h00)