"Construam-me porra!"

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Durante anos houve uma pichagem no pontão do Alqueva, construído em 1977, para dar apoio às obras da barragem, com uma expressão alentejana: "Construam-me, porra!!!"

A decisão do projecto foi tomada em 1975, mas só em 2013, 38 anos depois a barragem foi inaugurada.

Já o novo aeroporto de Lisboa é um diálogo ainda mais difícil, já leva mais de 50 anos, e ainda não começou uma obra que seja. Por vezes devemos dizer aos nossos políticos que uma não-decisão fica mais cara que uma decisão errada ou menos certa, e claramente, este é o caso.

Os estados podem ter duas formas de eleger e lidar com os grandes projectos e políticas definidoras do seu posicionamento enquanto país, e para a criação de consensos de suporte das decisões que devem ser tomadas. A maioria dos estados que conseguiram realizar grandes desígnios nacionais, ou tiveram uma estabilidade política e um consenso político nacional, ou este tipo de decisões políticas ficou entregue à máquina do estado, foi retirada das mãos dos decisores políticos.

Exemplos, a Bélgica continuou a crescer apesar de estar mais de um ano com um governo interino. A Itália, pela sua organização administrativa do estado conseguiu que o país fosse crescendo durante anos apesar da instabilidade política endémica. A Irlanda reformulou todo o seu sistema bancário em 20 anos apesar da mudança de governos.

Em Portugal é difícil estabelecer consensos, e com a actual realpolitik a coisa caminha de mal para pior. Já as comissões técnicas independentes de especialistas são utilizadas para a salvaguarda dos decisores políticos e para a retirada destes do ónus de toda e qualquer decisão. O que provoca vastas vezes a instrumentalização destes organismos por parte de quem os cria.

Em Portugal, a questão do novo aeroporto da capital, que é fundamental para o crescimento económico e turístico do país e para a viabilidade económica da sua companhia aérea de bandeira, esteve sempre sujeita a múltiplas soluções e nunca emergiu uma decisão com força política e num quadro de estabilidade para que a sua realização fosse avante.

(Curiosamente, talvez Cavaco Silva tenha sido o único chefe de executivo que podia ter tomado a decisão, mas este deu sempre a prioridade às auto-estradas, acabando com ferrovias e não investindo significativamente em aeroportos).

Perante anos e mais anos de indefinição, e após o frustrado voluntarismo de Pedro Nuno Santos de tomar uma decisão sozinho; os dois principais partidos do arco da governação comprometeram-se em criar um comité independente de especialistas, uma comissão técnica independente, que apontasse a decisão a tomar.

Um comité independente de especialistas que, no alto da sua sapiência, decidisse onde deve ficar o aeroporto, um comité independente ao estilo do que agora aponta o Professor Doutor Cavaco Silva, para definir as políticas orçamentais do Estado, no seu mais recente artigo (já aqui por mim analisado). Alguém que levasse com o ónus da decisão e resolvesse o impasse. Lançasse fumo branco.

E eis senão quando, após um ano de estudos, a decisão tomada não serve para nada! Um dos partidos recusa a opção escolhida, e PSD e PS estão de novo de costas voltadas! Neste país, nem um comité independente de sábios resolve o problema, Professor Aníbal! Aguardamos pelos próximos 50 anos.

As próximas eleições

Esta situação leva-nos a discorrer sobre uma preocupação ainda mais premente, as próximas eleições: Devem os dois partidos do arco da governação continuar com a bipolarização, revezando-se no poder, e apenas ocupar a cadeira do poder a quando do desgaste político do seu rival? Ou devemos começar a garantir governos maioritários, estáveis, de coligação de partidos responsáveis para precaver políticas de longo prazo para o país?

Tradicionalmente, afirmamos que é importante a rotação política e a alternância democrática; todavia, se repararmos no exemplo alemão, os principais partidos do arco da governação vão-se coligando entre eles em prol da estabilidade governativa.

A definição das políticas de um governo de coligação pode demorar meses a definir-se, antes da tomada de posse, mas uma vez definida, é levada até ao fim da legislatura.

Seria isso no nosso país uma forma de responsabilizar mais os partidos e obrigando-os a políticas responsáveis, ou uma forma criar novas alternâncias com partidos mais extremados?

E num processo de coligação e consensos, como podem os diferentes partidos diferenciar-se entre si para eleições futuras? Claramente, através da sua acção em outros círculos decisão e poder como os municípios e as entidades autonómicas regionais, leia-se diferentes regiões ou estados... Só que isso, na mente de muitos portugueses é impossível de se fazer, só temos 900 anos de história e pode ser um grande perigo para a unidade do país!

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

("Até às eleições" é o mote para uma sequência de artigos de opinião, de segunda a sexta-feira, de Duarte Mexia (duarte.mexia@gmail.com), que serão publicados, precisamente, até à realização das próximas eleições Legislativas, marcadas para 10 de março.)

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