Consumidor procura experiência integrada e emoções

Desafio dos centros comerciais passa pela capacidade de oferecer mais do que compras. Entretenimento, lazer e cultura devem complementar uma proposta integrada com o digital. Conheça outras conclusões do APCC Summit, que decorreu ontem em Lisboa.
Publicado a

"O futuro do retalho organizado é auspicioso e desafiante". A frase, de Carla Pinto, em jeito de encerramento e de conclusão de um dia de trabalho, resume muito sucintamente as apresentações e debates que reuniram um conjunto de oradores nacionais e internacionais, esta quarta-feira, dia 11, na LX Factory, em Lisboa. O APCC Summit - NextGen Retail Ecosystem debateu o presente e o futuro do setor do retalho organizado, procurou antecipar tendências e apontar caminhos para endereçar os desafios e tirar o melhor partido possível das oportunidades. Para a diretora executiva da APCC, "o balanço foi extremamente positivo".

Num setor que, ao longo dos últimos anos, tem enfrentado diferentes contextos adversos - pandemia, disrupção das cadeias logísticas, inflação - a resiliência e a capacidade de inovação têm sido evidentes. "Adaptar e inovar para criar valor, e envolver todo o ecossistema nesta missão" representa, nas palavras de Cristina Santos, presidente da APCC, o esforço de transformação que está a ser feito. Um trabalho que, na opinião do Secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, está a dar frutos. Nuno Fazendo recorda que em 2022 os resultados dos Centros Comerciais superaram os resultados de 2019 (os melhores de sempre), e que em 2023 o crescimento, volvidos dez meses, já é 15% superior. O governante destaca igualmente a importância do setor do Comércio e dos Serviços para a economia nacional, uma vez que representa 27% do total das empresas e 28% do emprego.

No que se refere aos desafios para os centros comerciais, Nuno Fazenda apontou os cinco que considera urgentes e essenciais: transição climática, transição digital, experiência integrada, qualificação, e responsabilidade social. Temas que foram debatidos e analisados ao longo do dia, quer através dos debates e apresentações, como da partilha de experiências.

A juntar a estes desafios, o contexto económico, com uma inflação elevada, preços altos e a pressão das taxas de juro tem afetado, de forma mais, ou menos, intensa, os negócios do setor. Apesar disso, o economista Pedro Brinca deixou à plateia uma mensagem menos negativa. Para o professor associado da Nova SBE, as previsões do Banco Central Europeu, que apontam para uma taxa de inflação de 3,2% em 2024, são realistas, podendo até ser mais baixa, tendo em conta a perspetiva dos economistas. No entanto, alerta, "os efeitos da política monetária podem sentir-se a 12 ou 18 meses, o que exige alguma cautela dos mercados".

Surgiram nos anos 80 do século passado como um modelo de compras inovador e, na opinião de Duarte Cardoso Ferreira, "souberam adaptar o seu posicionamento ao longo dos anos". Hoje, diz o Strategic Advisory Senior Director da CBRE Portugal, continuam a atrair o consumidor como comprovam os dados do estudo "Impacto dos Centros Comerciais em Portugal" que apresentou, e que revela que 2023 será o melhor ano de sempre para estas superfícies. O setor gera um volume de receitas na ordem dos 26 mil milhões de euros, dos quais 38% são referentes a vendas no retalho não alimentar.

Apesar do crescimento da vertente digital destes negócios - como complemento da oferta da loja física -, o estudo da CBRE Portugal revela que os portugueses continuam a preferir o contacto pessoal, apesar de recorrer ao online para verificar a disponibilidade do que pretende e para fazer pesquisas. "As lojas físicas continuam a ter um papel fundamental na jornada do cliente", afirma Duarte Ferreira.

Outro ponto muito relevante neste estudo é a valorização da sustentabilidade nos centros comerciais. Mais de 85% dos inquiridos aponta o tema como crítico para o sucesso daqueles locais. No entanto, esta é também uma preocupação já visível do lado dos comerciantes, uma vez que 50% dos centros comerciais já tem algum tipo de certificação ligada à sustentabilidade.

Já ao nível dos produtos, esta preocupação tem que estar presente, nomeadamente devido às metas de transição climática definidas para 2030. "A regulação deve incentivar a economia circular e a redução do plástico", exemplifica Nuno Lacasta. Para o presidente da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), não é preciso acabar com o plástico, porque ele é necessário, mas produzi-lo a partir de materiais reciclados.

Por outro lado, a regulação ESG (Environment, Social, Governance) que a União Europeia está a impor às grandes empresas também contribuirá para algumas mudanças no setor, acredita Sofia Santos, professora associada do ISEG. "Há uma pressão grande sobre as administrações, que terão que agir".

Atualmente, os centros comerciais já são mais do que um local de compras. O conceito de "live center", que combina entretenimento, socialização, natureza, cultura, diversidade, e conveniência, já é uma realidade em Portugal. No entanto, para Álvaro Covões, pode fazer-se mais, especialmente na área da cultura. "Penso que existe aqui uma grande oportunidade, nomeadamente para aqueles shoppings que precisem de atrair mais pessoas", diz o diretor-geral da Everything is New, que destaca a importância da democratização da cultura num país que "precisa de teatros" e que há 50 anos tinha o dobro de palcos. "Temos que por teatros nos centros comerciais", sugere.

Uma opinião partilhada por Pedro Siza Vieira que, acrescenta, "a experiência do consumidor está a mudar muito. De uma maneira geral, diz o sócio da PLMJ e ex-ministro da economia e da transição digital, "a experiência de sair e comprar está a ser motivada por coisas muito diferentes, pelo que os operadores de centros comerciais têm de estar preocupados em apelar às emoções". Um caminho trilhado há mais de 50 anos nos parques da Disney. "A essência da Disney é fazer as pessoas felizes contando histórias e através de experiências emocionais", afirma Tiago Santos, diretor de Marketing & Sales Iberia na The Walt Disney Company. "O que fazemos é colocar as emoções em primeiro lugar", sublinha, reforçando a ideia de que este é um modelo replicável nos centros comerciais.

Para ambicionar à construção de uma experiência integrada para o consumidor, a tecnologia e os dados são ferramentas essenciais, às quais se juntam as potencialidades da inteligência artificial (IA), que pode ter aplicações muito diversas no mundo do retalho. Daniela Braga, fundadora e CEO da Defined.ai, "uma espécie de Netflix dos dados", defende que as possibilidades de utilização da IA são quase infinitas. Recomendar a personalização de produtos, garantir uma política de preços dinâmicos, assistentes digitais (robôs) nas lojas, ou check-out sem dinheiro são alguns dos exemplos que aponta. Mas há mais e a evolução é muito rápida. No entanto, para tirar o melhor partido da IA é necessário assegurar que as fontes de dados são fidedignas e garantir responsabilização e ética no uso destas tecnologias. A regulação já começa a ter este papel, "mas há um longo caminho a percorrer", diz.

ShiSh Shridhar, Global Retail Lead da Microsoft, complementa e destaca a importância de usar os dados para uma maior eficiência dos negócios e para o engagment com o consumidor. "Os dados estão na base de tudo", aponta. Criar experiências imersivas e a web3 para cativar o cliente, tirar partido da inteligência geoespacial para personalizar a experiência, e recorrer à IA generativa para criar dinâmicas entre assistentes digitais e humanos são cada vez mais uma tendência que pode ser aplicada ao negócio dos centros comerciais. "A realidade aumentada também já está a transformar as compras", sublinha.

O conceito "phygital" pretende oferecer ao consumidor um mix do melhor da experiência de compra física e do melhor do digital. "Os canais são complementares e há oportunidades. O mais importante é perceber a necessidade do consumidor", defende Hugo Pedreira. Para o Omnichannel Head da Nespresso Portugal, "um cliente que interage com a marca em vários formatos é muito mais valioso e o mais importante é conseguirmos criar este link, esta jornada do consumidor de forma muito suave entre as várias plataformas".

Os canais de distribuição são igualmente uma parte importante deste ecossistema. E aqui, como explica Olivier Establet, os centros comerciais e as lojas em geral podem ter um papel muito importante. Por um lado, admite o CEO da DPD Portugal e vice-presidente do DPD Group, a logística urbana para o e-commerce terá que ser reinventada. "Com apenas três compras por ano, já vemos milhares de viaturas a entrar diariamente nos centros urbanos para fazer entregas à porta. Imaginem quando isto crescer, não será sustentável". A resposta está no reforço da rede de pontos de entrega, em lojas, quiosques e outros locais, defende.

Ao nível dos pagamentos, a oferta de soluções cómodas e simples para todos os perfis de clientes é o caminho a seguir. "O grande desafio é como escolher em que inovar", diz Maria Antónia Saldanha. Na perspetiva da country manager da Mastercard Portugal, a tecnologia é o meio para fazer esta inovação. Mas, para aproveitar o melhor destas ferramentas, "é preciso analisar o que faz sentido e, sobretudo, disponibilizar dois tipos de informação: para a geração do tráfego nos espaços comerciais e para ajudar os comerciantes a inovar no método de venda".

No fundo, "os clientes esperam ser o centro das atenções das marcas", diz Howard Saunders. Para o Retail Futurist, "todos querem experiência, personalização e dedicação". E, no final do dia, as marcas têm que estar atentas, analisar os dados que a tecnologia lhes permite extrair, e oferecer uma experiência integrada, focada nas emoções.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt