A pandemia mudou a forma como compramos os carros, mesmo que sejam usados. Em vez das idas ao concessionário, os consumidores já preferem fazer tudo pela internet, sobretudo se estiverem na casa dos 20 e dos 30 anos. Esta e outras tendências foram abordadas pelo especialista Mark Fennelly em Portugal, durante a conferência anual da Associação Nacional do Ramo Automóvel, que decorreu no Porto.
"Costumávamos dizer que o consumidor queria ver, tocar e experimentar o carro antes de o comprar. A covid mudou e digitalizou tudo. Agora, todos querem ver as fotografias e os vídeos em 360 graus", refere em entrevista ao Dinheiro Vivo o especialista britânico, que é um dos responsáveis da consultora de soluções automóveis ASE.
A covid-19 acelerou a transformação que o comércio de veículos já estava a sofrer na década anterior. "Há 10 ou 20 anos, os carros usados estavam nos classificados dos jornais", recorda Fennelly. "Era preciso verificar tudo ao vivo, porque havia muita poesia nos anúncios e os consumidores queriam confirmar se era verdade tudo o que estava escrito." Também nessa altura "ninguém comprava as coisas pela Amazon".
A experiência de compra, antes da pandemia, já tinha mudado porque há cada vez menos particulares neste mercado, substituídos por empresas com boas referências e bom historial, fundamentais para gerar confiança junto do mercado.
As garantias mais alargadas que as fabricantes concedem aos carros mais recentes também contribuem para a mudança na forma como o consumidor prepara a compra de um carro. "Os automóveis são muito mais fiáveis do que há 20 ou 30 anos."
O próprio Mark assume que "compraria um carro pela internet", dependendo da reputação da empresa com que estivesse a lidar. O especialista conta que no Reino Unido já existem plataformas que permitem a compra de carros pela internet e com a entrega em casa.
"Os consumidores na casa dos 20 e dos 30 anos são os que se sentem mais confortáveis com esta opção." Os mais velhos, contudo, ainda precisam de ir ao concessionário pelo menos uma vez, nem que seja apenas para assinarem os documentos e pagarem.
Em Portugal, houve menos veículos usados importados no ano passado, em comparação com 2019. A quebra foi de 26,9%, inferior à travagem de 35% registada no comércio de unidades novas. Ou seja, os veículos em segunda mão ganharam mercado em ano de pandemia.
A nível internacional, Mark Fennelly assinala igualmente o "forte crescimento na venda de carros usados" . "As pessoas não querem transportes públicos e ficarem na própria bolha."
Em média, cada carro ligeiro de passageiros que circula em Portugal conta com 13,2 anos. Um em cada cinco veículos tem mais de 20 anos, ou seja, falha praticamente todas as normas de emissões estabelecidas pela União Europeia.
Quando questionado sobre estes factos, o especialista recorda que vários países europeus têm incentivos ao abate dos veículos mais antigos e explica quais as vantagens.
"Um sistema destes é bom para todos: gera receitas para os comerciantes, mais impostos para o Estado, dá um produto novo para os consumidores e contribui para reduzir a poluição. No Reino Unido, as receitas fiscais arrecadadas superaram os encargos. A medida teve um impacto neutro para os contribuintes."
O especialista também esteve em Portugal para falar sobre o futuro a curto e a médio prazo do mercado automóvel. "As pessoas vão lembrar-se do coronavírus durante muito tempo porque terão de conviver com ele como quem lida com a gripe."
Para o pós-pandemia também prevê trabalhos mais flexíveis, sobretudo na área dos serviços. Os horários de trabalho poderão fugir aos períodos de ponta, quando habitualmente há maior oferta de transportes públicos para responder à procura acima da média.
Por causa dessa situação, acredita o consultor, "vão continuar a comprar-se muitos carros. Como os consumidores procuram flexibilidade de horário e poderão não ter o transporte que querem à hora desejada, então terão de escolher o automóvel" nas suas deslocações no dia-a-dia.
Outra tendência de futuro tem a ver com a propriedade dos carros, que será cada vez mais concentrada: "Em vez de termos 50 mil consumidores a comprarem um automóvel, vamos ter uma empresa a comprar 50 mil carros".
O futuro também estará dividido em dois momentos. "Os veículos elétricos serão um trampolim para o hidrogénio por causa dos problemas com o carregamento", antecipa o britânico. A transição explica-se com o contexto histórico.
"Se disséssemos aos consumidores para trocar, no imediato, um carro a gasolina ou a gasóleo por um veículo a hidrogénio, iriam recordar-se da bomba atómica e não se sentiriam confortáveis. Por isso, é necessária esta fase de transição, que irá durar 10 anos. Daqui a 15 anos vamos conduzir um modelo a hidrogénio", acredita Mark Fennelly.
Por agora, o inglês compraria um modelo elétrico, cada vez mais barato no mercado.