Os primeiros dois anos de pandemia (de março de 2020 a igual mês deste ano) custaram aos contribuintes portugueses 2976 milhões de euros, de acordo com os quatro levantamentos do Tribunal de Contas (TdC) aos chamados "contratos públicos covid" e cálculos do Dinheiro Vivo.
Este valor, só para se ter uma referência, equivale a quase metade dos juros da dívida pública pagos anualmente, em 2021.
Esta sexta-feira, o Tribunal presidido por José Tavares publicou o quarto relatório de acompanhamento efetuado aos contratos abrangidos pelo regime de exceção, no âmbito das "medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença covid-19", a chamada Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março de 2020.
A quarta edição abrange um período muito mais extenso do que as precedentes, fazendo a análise dos contratos publicitados e comunicados entre 1 de janeiro de 2021 e 31 de março de 2022.
Antes da nova análise, o TdC tinha feito outros três levantamentos ao mesmo tipo de contratação, mas cobrindo períodos muito mais curtos.
O primeiro abrangeu os negócios celebrados entre setor público e privados de 12 de março a 31 de maio de 2020, sendo o valor total comunicado e publicitado na altura de 375,2 milhões de euros, segundo o TdC informou na altura.
O segundo incidiu sobre o período de 1 de junho a 30 de setembro desse mesmo ano, com um volume de contratação pública junto dos privados de 374,9 milhões.
O terceiro levantamento recaiu sobre o período de 1 de outubro a 31 de dezembro de 2020, num total de 252,8 milhões de euros em contratos.
Finalmente, o quarto relatório dá conta de um volume de contratação que ascende a 1973,2 milhões de euros.
Somados os quatro exercícios, temos os referidos 2976 milhões de euros em contratos públicos celebrados no âmbito da resposta à pandemia. Tudo despesa pública, claro.
88% do valor contratado isento de visto prévio
No novo relatório, agora divulgado, o TdC explica que "o exame efetuado abrangeu todo o território nacional (continente, Açores e Madeira) e incidiu sobre "Contratos Covid-19" e "Outros contratos" no ano e três meses que terminou no final de março passado".
"Os contratos isentos de fiscalização prévia (IFP) são os que (do universo "Contratos Covid-19" e "Outros contratos") apresentam um preço contratual igual ou superior a 750 mil euros", tendo a informação sido extraída do Portal BASE.
Aqui, o Tribunal encontrou "22 134 contratos, no montante total de cerca de 1973 milhões de euros, dos quais 700 (3,16%) são contratos IFP que, com cerca de 1746 milhões de euros, representam 88,5% daquele montante. O maior valor contratado e que ficou isento de visto (148,9 milhões de euros) registou-se nos "Outros contratos"".
A figura da isenção de fiscalização prévia permite acelerar a contratação pública, evitando o congestionamento na concessão de vistos pelo Tribunal de Contas.
Trata-se um procedimento muito usado durante a crise pandémica, tendo em conta a urgência que a pandemia provocou junto dos serviços públicos e na resposta a dar à população a partir de março de 2020.
Sem surpresa, foram as autoridades de Saúde pública que mais adjudicaram (contrataram) neste período de crise sanitária.
"Se atendermos ao enquadramento das entidades adjudicantes, a administração central é verdadeiramente absorvente no montante da contratação em apreciação, com o Ministério da Saúde responsável por 90,1% (1777 milhões de euros) do montante total [incluindo a maioria dos contratos IFP (658) e respetivo valor (1649 milhões de euros)]", observam os juízes.
"A administração local celebrou o segundo maior número de contratos (6571), mas correspondente a apenas 2,9% do montante contratado (57,7 milhões de euros) e a administração regional conjuntamente com o setor empresarial regional (Madeira e Açores) outorgaram 456 contratos, relativos a 2,7% do valor contratual (54 milhões de euros)."
Nesta quarta análise agora revelada, os cálculos do DV concluem que 64% dos contratos públicos covid (em valor, desde início de 2021) ficaram nas mãos de apenas 0,4% das empresas chamadas a fornecer bens e serviços.
As empresas que mais ganharam
O maior contrato público covid assinado desde início de 2021 foi ganho por uma empresa de construção civil espanhola. A Acciona venceu o concurso para construção do Hospital Central do Alentejo, em Évora. São 148,9 milhões de euros e é o maior contrato público de toda a pandemia, mostra o auditor das contas públicas.
O universo Pfizer (que concorreu com 2 empresas) fica na segunda posição, tendo faturado 146 milhões de euros com a pandemia no período em análise. Ao todo assinou 26 contratos com o setor público. Como se sabe, a maioria do valor em causa foi para a compra de vacinas.
Na primeira análise do TdC aos contratos covid, a empresa que mais ganhou foi a GLSMED, do grupo Luz Saúde (37 milhões de euros).
Depois disso, o primeiro lugar foi sempre para empresas fora do setor da Saúde.
Na segunda análise dos juízes, aparece a construtora Embeiral (construção do novo edifício do IPO de Coimbra), com um contrato avaliado em 23 milhões de euros.
No terceiro levantamento, o adjudicatário com maior valor contratado é a Altice Meo. Foi para tentar resolver o congestionamento do SNS 24. O valor em causa é de 39,6 milhões de euros. Como referido, esta quarta auditoria é liderada pela Acciona (contrato, em valor).
No entanto, apesar o valor elevado adjudicado a construtoras, produtos farmacêuticos, medicamentos e equipamentos médicos dominam, como seria de esperar. O TdC diz que entre 1 de janeiro de 2021 e final de março de 2022 foram celebrados 1222 contratos para compra de produtos farmacêuticos, no valor de 860,6 milhões de euros.
As obras de construção de edifícios para uso médico e de saúde são o segundo objeto mais valioso na contratação pública. Foram publicitados sete contratos, num valor total de 168,7 milhões de euros.