Coquelicot. A arte de fazer ramos com as flores dos vizinhos

Albane e Luís fazem ramos e arranjos de flores únicos e originais, com as flores que encontram nos quintais dos vizinhos
Publicado a

Na casa de Albane Chotard e Luís Moreno, os paus achados na rua transformam-se em arbustos frondosos, as árvores nascem nos sítios mais inusitados, as flores brotam em qualquer pedaço de terra, jarra ou bule.

É como se a natureza soubesse que ali tudo é possível e que ali todas as plantas são bem vindas, mesmo as ervas daninhas, denominação que o casal recusa: “Todas as espécies vegetais têm potencial decorativo”, garantem.

Na casa de Albane e do Luís, há copos e frascos cheios de flores e plantas verdes a ganhar raízes ou sementes, para depois serem plantadas. As flores utilizadas nos arranjos – que vendem no seu site kckliko – são naturais, muitas crescem espontaneamente, e são únicas.

A ideia do Kckliko – escrita fonética da palavra Coquelicot, que significa Papoila em francês – é do casal Albane, uma parisiense de 44 anos que há 20 vive em Portugal, e de Luís, de 42 anos, que deixou os efeitos especiais em cinema e televisão para se dedicar às flores.

Mais do que um site de encomendas de arranjos de flores, a Coquelicot quer celebrar a beleza de todas as plantas, todas as espécies vegetais e, principalmente, fazendo-o de forma sustentável, sem desperdício e sem ceder “às flores calibradas, normalizadas, de pés do mesmo tamanho, e que são importadas de países pobres sem leis laborais, e depois distribuídas para a Europa pela Holanda”, diz-nos Luís.

[caption id="attachment_531655" align="alignnone" width="772"]

Cada encomenda na Coquelicot tem o valor mínimo de 25€ e já inclui entrega[/caption]

As flores da Coquelicot são únicas, iguais a si mesmas e crescem onde querem. Vêm dos quintais dos vizinhos (mais de 20) e de uma produtora de flores portuguesa que já sabe do que é que o casal gosta, guardando-lhes sempre as plantas e as flores mais especiais – aquelas que ninguém quer.

Em troca delas, os vizinhos recebem um ramo ou um arranjo personalizado. Assim, todos os arranjos e ramos que são encomendados à Coquelicot (com dois dias de antecedência) são únicos e altamente personalizados: “Perguntamos ao cliente de que cores mais gosta, se tem alguma flor preferida, se gosta de coisas mais românticas ou mais modernas, e só depois de ter essa informação é que vamos apanhar as flores”, explica Luís.

Albane é a profissional das flores, a mulher que manuseia caules, ramos, folhas e bagas com destreza e facilidade. O primeiro emprego que teve em Portugal foi numa florista francesa, em Lisboa, que era também salão de chá. A sua formação em Belas Artes dá-lhe os olhos para as cores e as formas, para a arte e a beleza que todas as plantas podem ter. Luís, também formado em Belas Artes, ajuda na execução e fotografa o resultado final pelo que “todos os trabalhos acabam por ser feitos a quatro mãos”, garantem.

Na parte de trás da casa, no pequeno jardim selvagem onde trabalham, plantam flores e onde deixam que a natureza cresça à vontade, há mini estufas que parecem de brincar para Violetta, a filha do casal, que só podia ter nome de flor. Há papoilas a ganhar sementes, uma colecção de Íris, um tipo de flor que ambos adoram, vindas de todos os países por onde foram passando, como Itália e Grécia, e há uma árvore com baloiço e vida a acontecer por todo o lado. O quintal é um orfanato de plantas recolhidas na rua: “Este gerânio estava no lixo, num vaso partido”, aponta Luís mostrando uma sardinheira que mais parece um arbusto, tal é a liberdade com que ali pode crescer.

Como todas as espécies que usam são sazonais, e há estações com menos flores, o casal teve de pensar fora da caixa: “Começámos a olhar para as dezenas de hortas urbanas que há aqui à volta, à procura de espécies vegetais que pudessem funcionar. Porque os arranjos e ramos não são só as flores, são texturas, são diferentes tons de verde, são bagas”, diz Albane.

[caption id="attachment_531666" align="alignleft" width="1000"]

A ideia do Kckliko – escrita fonética da palavra Coquelicot, que significa Papoila em francês – é do casal Albane, uma parisiense de 44 anos que há 20 vive em Portugal, e de Luís, de 42 anos, que deixou os efeitos especiais em cinema e televisão para se dedicar às flores[/caption]

Foram sete anos a pensar no negócio, com o nascimento de Violetta pelo meio, e uma tentativa de concorrer a um programa do Instituto do Emprego e Formação Profissional de empreendedorismo nacional. “Mas com o modelo tradicional que tínhamos pensado, uma loja, fornecedores, muitas flores para encher a loja, renda e gastos de água e luz, o investimento era demasiado grande”, conta Luís.

Acabaram por desistir, vencidos também pelas dificuldades da elaboração de um plano de negócio. Foi na Associação João sem Medo que acabaram por tirar um curso de empreendedorismo e por perceber “que há várias formas de se montar um negócio e que é possível começar numa escala pequena e ir avançando”.

Antes das flores, ambos trabalhavam para outrem, Luís em efeitos especiais, Albane em atendimento ao público em várias lojas. A última, de produtos biológicos, foi a que consolidou as ideias de sustentabilidade e preocupação com a natureza que trouxeram para as flores.

[caption id="attachment_531689" align="alignnone" width="1000"]

Foram sete anos a pensar no negócio, com o nascimento de Violetta pelo meio, e uma tentativa de concorrer a um programa do Instituto do Emprego e Formação Profissional de empreendedorismo nacional[/caption]

Mas como é que a ideia surgiu? “Quando começámos a namorar todos os dias oferecia flores à Albane. Já conhecia praticamente todas as floristas da cidade e percebi que a oferta de flores, em Portugal, não é muito grande. Por outro lado, via como Albane desmanchava os ramos, tirava o que já não estava bom, e criava novos. Sempre achei que ela estava a desperdiçar este talento”, conta Luís.

A casa só deixou de ter flores quando perceberam de onde vinham e como era produzidas: em massa, sem respeito pelas características naturais, embelezadas e normalizadas para agradar ao cliente. “Mas as flores faziam-nos falta lá em casa. Foi por isso que começamos a pensar numa solução que estivesse de acordo com a nossa forma de pensar.”

[caption id="attachment_531688" align="alignnone" width="1000"]

As flores da Coquelicot são únicas, iguais a si mesmas e crescem onde querem. Vêm dos quintais dos vizinhos (mais de 20) e de uma produtora de flores portuguesa que já sabe do que é que o casal gosta, guardando-lhes sempre as plantas e as flores mais especiais – aquelas que ninguém quer[/caption]

Albane sorri e comenta que em Portugal não se dá muito valor a flores: “Em França sempre que vai jantar a casa de alguém leva-se flores, é a coisa mais normal.”

O nome, Coquelicot, papoila, é em homenagem a esta injustiçada flor: “A papoila cresce espontaneamente em terrenos remexidos, onde a acção do homem já se fez sentir. Como se quisesse mostrar o seu amor por nós. Mas são vistas como ervas daninhas, que crescem no meio do cultivo. Não é um amor correspondido”, suspira Luís.

Cada encomenda na Coquelicot tem o valor mínimo de 25€ e já inclui entrega.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt