Governo ganha folga de 2,8 mil milhões em 2021, mas guerra, Novo Banco, TAP, PPP devem comer margem

Conselho das Finanças Públicas corta retoma deste ano para 4,8% e assume um défice de 1,6%, mas conta com o fim da pandemia e ainda não incorpora os efeitos da guerra.
Publicado a

A execução orçamental medida em contabilidade nacional (a que conta para Bruxelas) indica que o défice público no ano passado ficou substancialmente abaixo do esperado face ao Orçamento do Estado de 2021 (OE2021) ou à última estimativa do Ministério das Finanças datada de outubro último.

Mas há riscos novos e grandes que, em 2022, podem eclipsar boa parte deste "ponto de partida significativamente mais favorável".

É o caso dos efeitos negativos e incertos decorrentes da guerra da Rússia contra a Ucrânia na economia nacional e europeia e fatores que continuam alojados ou refletidos no OE, como eventuais novas ajudas ao Novo Banco (NB), à TAP, novos acertos de contas nas parcerias público-privado (PPP), entre outros.

Segundo o Conselho das Finanças Públicas (CFP), o governo terminou o ano passado com um défice equivalente a 3% do produto interno bruto (PIB) que compara com a meta de 4,3% reafirmada na proposta de OE2022 (chumbada).

De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo, a folga obtida em 2021, também ajudada pelo maior crescimento da economia e do emprego face ao esperado, valerá cerca de 2,8 mil milhões de euros.

O governo estava à espera de um défice de 9,1 mil milhões de euros, mas os dados do CFP permitem concluir que 3% de um PIB de 211,5 mil milhões de euros em 2021 dá, afinal, um défice de 6,3 mil milhões. Daí a tal folga.

O novo estudo do Conselho presidido por Nazaré Costa Cabral, intitulado "Perspetivas Económicas e Orçamentais 2022-2026", foi feito numa base de políticas invariantes, isto é, em que não há medidas novas face a 2021 e em que, na prática, não há um cenário de guerra, nem uma nova crise económica daí decorrente (como já se perfila), nem um agravamento da pandemia covid.

Mas alguns destes pontos são referidos como riscos negativos e próximos, pelo que podem afetar (a guerra já está a prejudicar) o orçamento.

O CFP diz que este "atual cenário orçamental de médio prazo em políticas invariantes aponta para uma trajetória de correção do défice orçamental e de regresso a uma posição de equilíbrio orçamental semelhante à alcançada um ano antes da eclosão da crise pandémica".

Esta atualização revê em baixa a estimativa de défice do CFP para 3% do PIB em 2021, o que "implica uma alteração do ponto de partida para a projeção orçamental significativamente mais favorável".

Tudo em aberto, pouca luz ao fundo do túnel

Já para este ano, está tudo em aberto. Se nada se alterasse e não houvesse a atual calamidade da guerra em curso, disrupções nos abastecimentos de matérias-primas e inflação cada vez mais alta, o governo poderia conseguir reverter mais medidas de apoio pandémicas e chegar a um défice 1,6%, prevê a entidade avaliadora das contas.

Mas, "tratando-se de uma projeção em políticas invariantes, não são considerados os efeitos das medidas dirigidas às famílias e empresas que venham a ser legisladas para mitigação do impacto da subida do preço dos bens energéticos, tais como as anunciadas já depois da data de fecho de informação deste relatório [10 de março]", avisa.

Aquela redução fortíssima do défice de 1,6% do PIB este ano "reflete a reversão da quase totalidade das medidas de política orçamental de resposta à covid-19 adotadas em 2021 e estimadas em 2% do PIB, a par de um abrandamento do crescimento", diz a entidade.

A redução do défice em 2022 "está fortemente impulsionada pela dissipação do impacto da maior parte das medidas covid-19". Dá uma "melhoria" de 4,5 mil milhões de euros, só por esta via.

Além disso, neste cenário de políticas invariantes, a dívida cai e bem, claro. "O rácio da dívida deverá reduzir-se ao longo de todo o horizonte de projeção, atingindo 102,7% do PIB em 2026. Esta evolução representa uma diminuição de cerca de 25 p.p. (pontos percentuais) do PIB face a 2021."

Grandes riscos

Nas projeções para 2022 (que dão o tal défice de 1,6%), o CFP não está a contar com mais apoios ao Novo Banco. Mas assinala que este "poderá ainda solicitar um valor máximo de 485 milhões de euros, em função do apuramento das perdas incorridas nos ativos protegidos pelo mecanismo de capitalização contingente e das exigências regulatórias em termos de rácios de capital". "Qualquer desembolso adicional para o NB [...] constitui um risco orçamental".

A TAP é outro problema. "Assinala-se o risco sobre o saldo orçamental e sobre a dívida pública que decorre da possibilidade de a TAP vir a beneficiar de apoios financeiros adicionais, designadamente para fazer face ao recente aumento do preço dos combustíveis".

Em cima disto, os peritos assinalam "os impactos, ainda que indiretos, provocados pelo conflito militar entre a Ucrânia e a Rússia e a consequente imposição de sanções económicas a este país", e "a possibilidade de execução do PRR abaixo do considerado, o que levaria necessariamente a um fluxo de investimento inferior ao projetado, gerando menos produto".

A evolução da pandemia é outra ameaça. Como referido, o CFP assume como hipótese um alívio da situação tal que deixam de ser necessárias mais medidas. No entanto, já há notícias de que pode estar a formar-se uma sexta vaga da pandemia. Na Alemanha o alerta subiu muito, por exemplo.

Além disso, o CFP assinala o risco de haver "incumprimento nas responsabilidades contingentes relacionadas com as linhas de crédito com garantia do Estado".

Finalmente, o alerta vai para as "pressões orçamentais sobre a despesa corrente primária, designadamente sobre as despesas com pessoal, com pensões e relacionadas com pretensões dos parceiros privados nas PPP".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt