Costa renovou e reduziu, mas Marcelo conseguiu marcar o dia

Fugas de informação levaram o Presidente da República a cancelar audiência com o primeiro-ministro. Na nova orgânica governamental, António Costa acaba com os ministros de Estado, formando um Executivo rigorosamente paritário. Mariana Vieira da Silva reforçada
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Começa mal a coabitação do Presidente da República com o primeiro-ministro no início da nova legislatura. Esta quarta-feira à tarde a SIC divulgou a lista integral dos novos ministros - enganando-se apenas no ministro da Cultura - e, irritado com a fuga de informação, o Presidente da República cancelou a audiência que tinha marcado com António Costa para este, formalmente, lhe entregar a lista dos novos ministros.

"Pelos vistos fiquei a saber pela comunicação social", "se a lista for correta dispensa-se uma audiência", desabafou o PR à SIC, à tarde, antes de rumar ao Pátio da Galé, em Lisboa, onde, tendo a seu lado o primeiro-ministro, assistiu à sessão solene de abertura das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Costa fez então chegar a lista a Marcelo sem que tenha sido necessária uma audiência formal em Belém. Depois da sessão no Pátio da Galé foi para a Assembleia da República reunir com o seu grupo parlamentar. E a seguir voou para Bruxelas, onde esta quinta e sexta participará em cimeiras da NATO e do Conselho Europeu.

Ansioso de afirmar a sua relevância face à existência, agora, de um Governo assente numa maioria absoluta monopartidária do PS, Marcelo conseguiu assim marcar distâncias. António Costa, comentando o incidente, disse "partilhar" a "irritação" do Presidente da República com as fugas de informação.

Mas, ao mesmo tempo, recusou assumir qualquer responsabilidade nisso: "Estive várias horas ao lado do Presidente da República e não manifestou nenhuma irritação. Se ele estiver irritado, eu percebo bem, porque não estou menos irritado do que ele. Se há uma coisa de que tenho a certeza que o Presidente da República sabe é aquilo que os senhores jornalistas também sabem. A fuga não veio de mim, não veio do meu gabinete, não veio de ninguém que dependa de mim."

O primeiro-ministro encolheu o Governo em dois ministros (passaram de 19 para 17) e em 12 secretários de Estado (de 50 para 38). Ou seja: o futuro Executivo irá ter no total 56 governantes, contra 70 atualmente (uma redução de 20 por cento). É uma dimensão média, no contexto global dos governos constitucionais. Desaparecem três ministérios (Mar, Modernização do Estado e Planeamento) e é (re)criado um, para colocar Ana Catarina Mendes como ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares.

Deixam de existir ministros de Estado (atualmente quatro) e a número dois será oficialmente Mariana Vieira da Silva, reconduzida como ministra da Presidência mas com competências reforçadas na gestão geral do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência).

Outra característica inovadora do elenco ministerial do XXIII Governo Constitucional é que será totalmente paritário. Contando com o primeiro-ministro, serão nove homens e nove mulheres.

O índice de renovação também é elevado. Do atual Executivo, sobram seis ministros. Mariana Vieira da Silva, Marta Temido, Ana Mendes Godinho, Ana Abrunhosa, Pedro Nuno Santos e Maria do Céu Antunes mantém-se nas pastas que já detinham (ver páginas 6 e 7). João Gomes Cravinho também fica no Governo (mas muda de ministério, da Defesa para os Negócios Estrangeiros). Os restantes onze são novidades - um índice de renovação portanto superior a 50 por cento.

Nas saídas, a grande surpresa foi a de Alexandra Leitão, atualmente ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública. Esperava-se que fosse para ministra da Justiça mas isso não aconteceu. Também será sido convidada para líder parlamentar mas recusou.

Algo inesperado foi também o facto de Pedro Siza Vieira (ministro de Estado e da Economia) deixar o Executivo (será substituído pelo "pai" do PRR, António Costa Silva).

De resto, irão deixar o Governo também a ministra da Justiça e da Administração Interna, Francisca Van Dunem, mas neste caso sem surpresa alguma: há muito que já tinha dito que estava de saída.

Outras saídas são a de Augusto Santos Silva (vai para presidente da Assembleia da República), João Leão (substituído nas Finanças por Fernando Medina), Tiago Brandão Rodrigues (substituído como ministro pelo seu ainda secretário de Estado João Costa), Nelson de Sousa (cujo ministério, do Planeamento, é reduzido agora a uma secretaria de Estado, ficando sob a tutela de Mariana Vieira da Silva), Graça Fonseca (substituída por Pedro Adão e Silva na Cultura), Manuel Heitor (substituído pela cientista Elvira Fortunato na pasta da Ciência e Ensino Superior), João Pedro Matos Fernandes (o ministério do Ambiente passa para Duarte Cordeiro) e Ricardo Serrão (o ministério do Mar deixa de ter existência autónoma passando a ser uma secretaria de Estado no que passará a ser o ministério da Economia e do Mar).

Nas transferências de competências nota-se, logo à primeira vista, o facto, já referido, de Mariana Vieira da Silva concentrar competências na gestão do PRR (por via da extinção do ministério do Planeamento). Mas o próprio primeiro-ministro chamou a si competências de um outro ministério extinto, o da Modernização do Estado e da Administração Pública. Além do mais, sob a tutela direta do chefe do Governo ficará também a secretaria de Estado dos Assuntos Europeus, até agora no MNE.

Outra novidade será o reforço de competências da (reconduzida) ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa. Às competências que já detinha, o seu ministério irá acrescentar a tutela das questões do Ordenamento do Território (que estavam no ministério do Ambiente) e do Poder Local (que estavam no agora extinto ministério da Modernização do Estado).

Outro anúncio feito neste dia foi o de que os ministérios com responsabilidade direta na execução do Plano de Recuperação e Resiliência vão ficar concentrados num só espaço físico, na atual sede da Caixa Geral de Depósitos (CGD) em Lisboa. A mudança será feita ao longo deste ano.

O que o novo elenco também confirmou foi a intenção de António Costa de integrar no seu seio todos os putativos candidatos à sua sucessão na liderança do Partido Socialista. Pedro Nuno Santos mantém-se inamovível como ministro das Infraestruturas e Habitação, mas agora entram Fernando Medina (Finanças) e Ana Catarina Mendes (Assuntos Parlamentares).

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