Covid aliviou mas os portugueses mantêm-se fãs do consumo em casa

Os níveis elevados de teletrabalho, ou de sistemas híbridos, traduzem-se em mais idas às compras e em maiores gastos a cada ida. Os consumidores mais idosos estão cada vez mais digitais
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A pandemia abrandou, mas há hábitos que ficaram e a prová-lo estão os dados do do retalho alimentar. Os portugueses estão a consumir mais em casa do que no período pré-pandemia, o que pode ser explicado pelos elevados níveis de teletrabalho ou, pelo menos, de regimes híbridos, com alguns dias no escritórios e outros a partir de casa. Os dados são do último estudo da Kantar para a Centromarca e que mostram que, em 2021, o setor cresceu 10,3% em valor e 3,6% em volume face a 2019.

"O que sentimos, ao longo dos últimos meses de 2021, foi que as pessoas estão a ter uma atitude de consumo mais qualificada, no sentido de comprarem produtos de maior qualidade, e isso afeta, depois, o preço final das coisas que se compra. Não é tanto por unidade vendida que estamos a comprar mais caro, estamos essencialmente a comprar diferente", diz o diretor-geral da Centromarca, Pedro Pimentel.

O estudo da Kantar diz que os portugueses trazem cestas maiores e mais valiosas do que no período pré-pandemia. Ou seja, as famílias foram mais vezes às compras - 138 em vez das 137 vezes em média de 2019 -, trouxeram cestas com mais artigos - 10,3 kg em vez dos 10,1 do período pré-pandemia - e gastaram mais em cada uma das visitas ao supermercado: 22 euros em média contra os 20 euros de 2019.

Pedro Pimentel acredita que a questão da inflação não está, ainda, refletida nestes dados, sendo provável que comece a notar-se logo que haja números referentes a março. Para este responsável, é o teletrabalho que ajuda a explicar estes níveis elevados de consumo para o lar. "Portugal foi dos países com maior percentagem de pessoas em teletrabalho e hoje temos ainda uma parte razoável delas em regime híbrido, o que acaba por ter efeitos negativos em tudo o que é consumo fora de casa, designadamente em cafés e restaurantes, e positivo, como não podia deixar de ser, para os supermercados", frisa.

Uma tendência que, acredita, se irá reforçar em 2022. "A informação que nos chega, por várias vias, é que, com o incremento brutal dos combustíveis e as dificuldades de transporte, muitas entidades patronais estão a dar alguma maleabilidade ao trabalho à distância ", diz.

Outra das grandes tendências que marcou 2021 e que, acredita a Kantar e a Centromarca, irá continuar em 2022 é uma certa dicotomia entre os comportamentos digitais dos seniores e dos mais jovens, com os primeiros a mostrarem-se cada vez mais tecnológicos e os segundos a preferirem usufruir de tempo fora de casa. "A população reformada foi, em 2021, o único grupo que aumentou a sua penetração no canal online face ao ano anterior, tornando-se o maior grupo sociodemográfico em percentagem de compradores: representam um quarto de todos os lares compradores", diz a Kantar.

Em contrapartida, os jovens fazem compras com maior regularidade e conforme a necessidade do momento. "Este grupo etário aumentou em 12% a frequência de compra e está mais presente nos canais de proximidade, sejam supermercados, comércio tradicional ou até insígnias das quais estavam mais afastados, como o Minipreço".

Quanto às perspetivas para 2022, Pedro Pimentel reconhece que "não há como escapar à inflação, que será uma questão séria nos próximos meses, muito induzida pelos custos energéticos, pelos efeitos da guerra, designadamente ao nível dos cereais, por exemplo, mas também por questões logísticas, já que a China está de novos com muitas áreas fechadas, sejam fábricas ou portos, por causa da covid-19".

Para o setor, as expectativas não são muito positivas, na medida em que, com o disparar da inflação e a consequente perda de poder de compra das famílias, o seu consumo no dia a dia será necessariamente afetado. "É uma questão de perceção pura, mas é muito difícil acreditar que vamos fechar o ano com os 2,9% de taxa de inflação que o governo prevê. Antecipamos, por isso, um ano muito complicado para as empresas manterem os níveis de faturação. Mesmo com incrementos de preços vai ser muito difícil, porque os volumes vendidos vão ser muito afetados. Do lado dos consumidores, o meu receio maior é que tudo isto vá gerar grandes tensões sociais".

O encarecimento dos produtos gera "muitos pontos de interrogação" sobre o que poderá ser o fenómeno promocional, num país onde as promoções representam perto de 50% do talão de compra do consumidor. Para a Kantar, o aumento de preços, e o orçamento limitado dos portugueses, poderá levar a um reforço das marcas de distribuição, as chamadas marcas brancas.

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