É o espelho de um país ainda de costas voltadas para o mundo das criptomoedas. Esta é a visão do presidente da APBC-Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas, Fred Antunes. "Foram submetidos 11 pedidos de registo de empresas no Banco de Portugal (BdP). Ainda não há resposta para nenhum", disse ao Dinheiro Vivo. "Algumas empresas vão ter o seu pedido de registo deferido de forma tácita ainda neste mês, caso o BdP não decida até lá", adiantou. Isto, porque segundo a legislação, o supervisor tem seis meses para dar uma resposta aos pedidos.
O BdP confirma a existência de apenas cinco pedidos de registo de sociedades de ativos virtuais. "Alguns pedidos de registo ainda estão em fase de reunião de todos os documentos e podem ainda não ser considerados pedidos completos formais", diz Fred Antunes. Mas o supervisor garante que vai responder antes dos prazos terminarem.
Só na sexta-feira o supervisor publicou a regulamentação relativa ao registo de gestoras de ativos virtuais. Para o presidente da APBC, a demora em aprovar os pedidos de registo reflete o sentimento já sentido pelo setor, de que em Portugal não se valoriza este mercado, que emprega cerca de 2000 pessoas no país, segundo as contas da APBC.
Desde setembro de 2020 que o BdP tem uma nova responsabilidade: supervisionar as sociedades gestoras de ativos virtuais na prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. São abrangidas empresas que operem nas áreas de "serviços de troca entre ativos virtuais e moedas fiduciárias ou entre um ou mais ativos virtuais". Passam a estar sob supervisão as sociedades que prestem "serviços de transferência de ativos virtuais e serviços de guarda ou guarda e administração de ativos virtuais ou de instrumentos que permitam controlar, deter, armazenar ou transferir esses ativos, incluindo chaves criptográficas privadas".
Segundo a lei, "a decisão sobre o pedido de registo inicial é notificada ao requerente no prazo de três meses contados desde a data de receção dos elementos previstos" ou, "se for o caso, da receção das informações complementares solicitadas pelo BdP, mas nunca depois de decorridos seis meses sobre a data da entrega inicial do pedido". A falta de notificação dentro dos prazos previstos, "constitui presunção de deferimento tácito do pedido", lê-se no diploma.
A entrada em vigor em Portugal das novas regras decorreu da transposição de uma diretiva comunitária que já foi efetuada com atraso. A diretiva deveria ter sido transposta para a legislação nacional até ao dia 10 de janeiro de 2020. Além do atraso, a transposição não previu um período de transição para que as sociedades a operar no mercado tivessem tempo para efetuar o devido registo junto do BdP.
"O BdP tem alertado para o facto de que, na ausência de período de transição, as entidades se devem abster de exercer as atividades que passaram a estar sujeitas a registo até que assegurem esse mesmo registo junto do BdP, sob pena de estarem a desenvolver atividade não autorizada [o que constitui um ilícito contraordenacional]", explicou o supervisor em respostas ao DV.
Para a APBC, esta situação é demonstrativa da falta de interesse em promover o setor em Portugal. As empresas já estavam a operar antes mesmo da entrada em vigor da nova legislação pelo que deveria ter sido introduzido um período de adaptação, como aconteceu noutros países. "Há empresas que acabam por ter a sua sede noutros países, como a Lituânia e a Estónia. Portugal está a perder uma oportunidade. Está atrasado na inovação na tecnologia blockchain", indicou Fred Antunes.
"É preciso que o BdP comunique mais com a indústria e que ouça e não finja que não o setor não existe", salientou.
Acrescentou que Portugal só teria a ganhar com a aposta neste setor, mas, diz, as autoridades demonstram não ter interesse em fazê-lo. "Há uma relação direta entre a adesão à blockchain e os índices de corrupção. Com esta tecnologia fica tudo registado. Não há imparidades, não é possível mascarar valores", afirmou. "Os países com elevado nível de corrupção não querem esta tecnologia, colocam obstáculos", frisou.
Banco de Portugal justifica procedimentos
O aviso do supervisor tornado público, "define os termos da apresentação, junto do Banco de Portugal" do "pedido de registo pelas entidades que pretendam exercer, uma ou mais atividades com ativos virtuais", bem como dos "pedidos de alteração dos factos sujeitos a registo pelas entidades que exerçam atividades com ativos virtuais".
Segundo a nota do Banco de Portugal relativa ao aviso, a regulamentação procura "contribuir para a celeridade e para a eficácia dos procedimentos de tramitação e decisão dos pedidos de registo e de alteração de registo, bem como para a certeza e a segurança jurídicas na interpretação e na aplicação das disposições legais relevantes".
Em respostas a questões do Dinheiro Vivo, recebidas ao final da passada sexta-feira, o supervisor esclarece que os prazos de contagem para responder aos pedidos de registo já recebidos é contabilizado em dias úteis e assegura que vai dar uma resposta antes do tempo previsto na lei.
"Nos termos do artigo 87.º do Código de Procedimento Administrativo, os prazos para a concessão do registo que habilita ao exercício de atividades com ativos virtuais são contabilizados em dias úteis. Nessa medida, não há pedidos de registo que estejam a vencer o prazo previsto na lei para a sua aprovação, sendo que o Banco de Portugal irá proferir decisões expressas quanto aos processos de registo pendentes, antes do decurso dos prazos legais estabelecidos para o deferimento tácito", indicou o supervisor.
Também precisou que "o Banco de Portugal já recebeu mais de 60 contactos relacionados com o exercício de atividades com ativos virtuais, através dos meios de comunicação identificados".
"Às entidades que declararam pretender prosseguir com o pedido de registo foi-lhes indicado que deveriam remeter o respetivo pedido, instruído com todos os elementos previstos no n.º 5 do artigo 112.º-A da Lei n.º 83/2017. Nessa sequência, dos cerca de 60 contactos efetuados, apenas 5 entidades deram seguimento a efetivos pedidos de registo de acordo com as exigências legais, estando os mesmos em apreciação pelo Banco de Portugal dentro do prazo previsto", adiantou.
O supervisor lembra que, através de comunicado de 8 de setembro, o Banco de Portugal informou que quaisquer pedidos ou questões relacionados com o registo inicial de entidades que exercem atividades com ativos virtuais deveriam ser dirigidos ao Departamento de Averiguação e Ação Sancionatória, através do endereço 'ativosvirtuais@bportugal.pt', ou, em alternativa, para a morada daquele Departamento.
Questionado pela demora na publicação da regulamentação, o supervisor justificou que "a publicação do Aviso n.º 3/2021 na presente data ficou a dever-se à necessidade de tramitar o procedimento de consulta pública que o precedeu e de analisar os respetivos contributos, sendo que os 5 pedidos de registo entrados em momento anterior à respetiva vigência foram recebidos e estão a ser apreciados pelo Banco de Portugal tendo por referência o disposto no artigo 112.º-A da Lei n.º 83/2017, sem prejuízo para os respetivos requerentes."
Atualizada às 14H20 com mais informação fornecida pelo Banco de Portugal