Não têm mais do que 5 a 7 nanómetros mas são fundamentais para fazer funcionar os cérebros de todo o tipo de sistemas que põem em ação aparelhos que vão de simples eletrodomésticos a smartphones, de automóveis a robôs. E com apenas meia dúzia de produtores no mundo, mesmo que gigantes, com destaque para a China, eventos inesperados dos últimos tempos que vão desde a pandemia a catástrofes naturais, passando por bloqueios comerciais, têm, condicionado a produção de chips. E a sua falta está a deixar em apuros a indústria mundial, com particular gravidade no setor automóvel, onde os semicondutores são um elemento cada vez mais presente através dos equipamentos de segurança e entretenimento a bordo.
As perspetivas não são boas quando já se antecipa que mesmo as ações tomadas para fazer face à crise dos chips - incluindo a nova fábrica da Bosch em Dresden, exclusivamente dedicada à sua elaboração em série e em quantidades que duplicam os números atuais - não chegarão para aplacar um problema cujas consequências já atingem os gigantes mundiais. Nesta semana, a Toyota, maior fabricante de automóveis do mundo e que tinha conseguido contornar a crise até agora, chegando a lucros recorde de 7 mil milhões de euros em junho (+465% do que um ano antes), anunciou que terá de cortar a sua produção global em 40% em setembro. Ao FT, o porta-voz da fabricante, Kazunari Kumakura, justificou "a decisão súbita e radical de um corte brutal na produção" com a "cada vez maior dificuldade de assegurar o fornecimento das quantidades necessárias de componentes". São menos 360 mil veículos, de um total de 900 mil programados, que sairão das fábricas do gigante automóvel no próximo mês, depois de um novo surto de covid na Malásia e no Vietname afundar a pique a produção de chips e outros componentes eletrónicos. Notícias que levaram a fabricante japonesa a perder 14 mil milhões de valor em bolsa.
Autoeuropa e Bosch Braga também sofrem
Em Portugal, a falta de chips também já faz sentir os seus efeitos, tendo mesmo provocado uma queda de cerca de 30% na produção automóvel em junho, revelou a ACAP, Associação Automóvel de Portugal, com a falta de componentes a obrigar a Autoeuropa a parar. Também a Bosch Car Multimedia, em Braga, que desenvolve soluções para várias marcas automóveis, sofre os efeitos da falta de componentes já desde antes do verão. E se não chegou a ter de fechar portas, "alguns problemas a nível de fornecimento" obrigaram a fábrica portuguesa a pôr os trabalhadores em lay-off devido ao "agravamento da situação", que obrigou a paragens prolongadas na laboração.
Mesmo com a China a aumentar em quase 50% a sua produção de chips eletrónicos nos primeiros seis meses deste ano relativamente à produção registada até junho do ano passado - estando atualmente a produzir mais de mil milhões de circuitos integrados por mês, em julho Pequim vendeu mais de 30 mil milhões de chips para fábricas do mundo inteiro -, a resposta que se persegue está muito aquém da que seria necessária para resolver a escassez de semicondutores no mercado. E há já mesmo quem antecipe que esta crise vai prolongar-se por 2022 adentro, mesmo com o reforço chinês e a ajuda da Bosch, que tem em curso um investimento de mil milhões de euros na fábrica de Dresden para potenciar a produção, já a partir de setembro. Trata-se do maior investimento de sempre do gigante alemão e pretende aumentar a distribuição de chips para a indústria automóvel, criando, de acordo com o explicado à Reuters em junho, pastilhas de silício de 300 milímetros (o dobro do que é comum), que forma a obter mais chips por pastilha.
Efeitos vão prolongar-se para o próximo ano
Em declarações à imprensa após reunião de investidores, o CEO da tecnológica Ndivia adiantou, nesta quinta-feira, que apesar dos acordos fechados "para garantir fornecimento a longo prazo, de forma a conseguirmos atingir os objetivos de expansão no mercado", "vamos continuar com dificuldades na grande maioria do próximo ano". Também Luca de Meo, CEO da Renault, está pouco otimista, prevendo que o que considera um "problema estrutural" se vai manter "até 2022", aumentando tensões mesmo que a capacidade de produção melhore. À Reuters, Harald Wilhelm, diretor financeiro da Daimler, junta-se ao coro para afirmar que vê a crise dos semicondutores manter-se com impactos no próximo ano, continuando a afetar as vendas de automóveis.
Problemas que têm vindo a generalizar-se entre as maiores marcas. Já nesta semana, a Volvo, detida pela chinesa Geely, juntou-se ao leque de fabricantes em apuros, anunciando uma paragem na produção nas suas fábricas suecas. Já na quinta-feira, Elon Musk apontara o dedo às fornecedoras de semicondutores, para justificar os atrasos acumulados na produção da Tesla. "Conforme já foi divulgado publicamente, estamos a operar sob limitações extremas ao nível da cadeia de abastecimento de certos chips padrão para a indústria automóvel. Os mais problemáticos, de longe, são a (japonesa) Renesas e a Bosch", escreveu o empresário no Twitter.
As boas notícias ficam reservadas para os fabricantes de chips, que têm vindo a ver os seus resultados líquidos subir a pique. Com a procura a aumentar e a escassez no mercado a intensificar-se: mesmo com as fabricantes de automóveis a cortar a produção mundial, as empresas que produzem chips melhoraram resultados em média mais de 20%, no primeiro semestre deste ano, de acordo com os sites especializados.