Crise. França vale 36 mil milhões de euros para Portugal e emprega cá 60 mil pessoas

Alguma coisa vai mal na República Francesa, dizem vários analistas. Com tanto défice e tanta dívida, e agora sem governo, nem orçamento, o que há de ser da gigante França, da Zona Euro e dos seus aliados económicos mais próximos, como Portugal.
Manifestação da plataforma sindical CGT, 5 de dezembro de 2024, em Paris. Foto: EPA/YOAN VALAT
Manifestação da plataforma sindical CGT, 5 de dezembro de 2024, em Paris. Foto: EPA/YOAN VALAT
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A Alemanha é grande, mas, para Portugal, França é ainda maior. A segunda maior economia da União Europeia (UE) e da Zona Euro é o segundo maior investidor estrangeiro, ocupa o mesmo lugar como mercado das exportações portuguesas, é medalha de prata como emissor de receitas de turismo.

O Investimento Direto Estrangeiro de capital gaulês está avaliado em mais de 20 mil milhões de euros, segundo o Banco de Portugal. E para os exportadores nacionais é um mercado que vale mais de 16 mil milhões de euros, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do BdP.

Só aqui, o valor direto de França para Portugal é imediato: 36 mil milhões de euros por ano.

Mais relevante do que Alemanha em todas estas métricas, a crise política e orçamental em que França acaba de mergulhar pode alastrar facilmente à economia portuguesa.

Segundo a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa (CCILF), haverá cerca de 750 empresas francesas em Portugal, “empregando 60 mil pessoas”.

Nomes familiares não faltam. De acordo com a mesma associação empresarial, em solo português estão a “PSA, que tem na sua fábrica de Mangualde um centro de produção de veículos ligeiros, ou a Renault, que mantém em Cacia a produção de componentes automóveis”. “Estão no país há várias décadas e empregam centenas de pessoas”, indica a mesma câmara de comércio.

A gigante Engie, do setor das energias renováveis em Portugal, “tem uma parceria estratégica com o grupo EDP” e emprega mais de 600 pessoas.

A Legrand, sediada em Carcavelos, “é um grupo multinacional especializado no fabrico e comercialização de materiais elétricos e hidráulicos”.

No setor do retalho/comércio, França está profusamente representada no território português, e há muitos anos já, através de marcas como “Auchan/Jumbo, Leroy Merlin, Decathlon, Intermarché, Leclerc, Conforama, La Redoute, Fnac e a Decathlon”.

A gaulesa Altice é a dona da Meo, uma das maiores companhias de telecomunicações.

No setor bancário e financeiro, pontuam dois nomes. Em Lisboa, está o BNP Paribas, cidade onde este enorme grupo global desenvolve a área de “gestão de risco, gestão de ativos, backoffice e mercados de capitais”.

O grupo BNP diz que emprega atualmente cerca de 8700 pessoas em Lisboa e também algumas no Porto. O banco de investimento Natixis encontra-se de armas e bagagens na cidade Invicta onde opera o seu “centro tecnológico”, informa a CCILF. Emprega 2400.

Já a gigante da construção e gestão aeroportuária Vinci tem, porque comprou a Ana - Aeroportos de Portugal, a concessão, até 2062, de quase todos os aeroportos nacionais, incluindo Lisboa, Porto e o futuro aeroporto em Alcochete. O grupo ainda tem em Portugal a Vinci Energies.

Um caso malparado

Em França, as últimas semanas foram a ferro e fogo (ver pág. 18). O Governo de Michel Barnier, ex-comissário europeu e decano da política francesa, caiu com as moções de censura da extrema-direita (FN) e da esquerda/extrema-esquerda (NFP).

Empossado pelo presidente Emmanuel Macron há menos de três meses, Barnier cai porque avançou com uma proposta de Orçamento para 2025 que toca num dos pontos mais sensíveis para a sociedade francesa: a reforma das pensões.

França, a outra metade do eixo (franco-alemão) fundador e sustentáculo da Europa, está a ser mal vista pelos avaliadores mais próximos e isso pode ter repercussões na Zona Euro, no custo da dívida, na capacidade de recuperação das economias europeias. Todas estão interligadas, como se vê no caso de Portugal.

“Este acontecimento é negativo em termos da qualidade de crédito de França pois aprofunda o impasse político do país, reduz a probabilidade de uma consolidação das finanças públicas e contribui para prémios de risco [nas taxas de juro] maiores e para um custo mais elevado da dívida”, diz Olivier Chemla, o economista que lidera a equipa da agência de ratings Moody’s que segue a República Francesa.

Com um défice público que agora ultrapassa os 6% do Produto Interno Bruto (PIB) e um rácio de dívida a subir e acima de 115% do PIB, França não inspira aquela confiança de outrora.

Em termos orçamentais, “é desafiante”, afirma Alexandre Stott, analista do Goldman Sachs.

“No nosso pressuposto de médio prazo , vemos 1% de crescimento real do PIB, 2% de inflação e taxas de financiamento de 3%”.

“Uma inflexão significativa na trajetória orçamental parece improvável até novas eleições presidenciais, em 2027”, “os efeitos de um défice mais elevado no crescimento serão provavelmente bastante modestos” e uma política orçamental mais flexível “levaria a um maior aperto das condições financeiras e pesariam sobre a atividade económica nos próximos trimestres”, observa o mesmo economista. 

França enfrenta hoje uma taxa de juro na dívida pública a dez anos de 3%. O custo imputado pelos investidores a Portugal é 2,5%, muito menor.

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