"Crise pandémica terá um impacto profundo na economia mundial"

Carlos Costa termina oficialmente o seu mandato como governador do Banco de Portugal esta quarta-feira.
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O governador do Banco de Portugal, que deixa hoje a instituição que liderou durante uma década, considera que a pandemia de covid-19 deixará marcas profundas e de longo prazo na economia mundial. Num artigo de opinião publicado esta quarta-feira pela agência Reuters, Carlos Costa escreve que "a crise pandémica terá um impacto profundo na economia mundial. A sua duração e dimensão estão ainda rodeadas de enorme incerteza. Apesar de temporário, este choque corre o risco de deixar cicatrizes duradouras se os decisores políticos e autoridades não coordenarem as suas respostas".

Carlos Costa diz que inicialmente a resposta à pandemia foi descoordenada. Depois, à medida que o vírus se espalhava pelo mundo, os países procuraram coordenar posições, mas que "até agora o fardo tem recaído sobretudo nas nações individuais".

Apesar das medidas aplicadas pelas autoridades monetárias e pelos governos, o governador do Banco de Portugal considera que as dívidas de empresas e particulares estão em risco de se "tornarem ingeríveis em caso de contração económica severa, colocando em risco a sua solvência", e que as "autoridades e decisores políticos devem usar o balão de oxigénio criado pelas moratórias de pagamento e a flexibilidade dos reguladores para implementarem soluções para reduzir riscos de insolvência".

Sobre o fundo de recuperação proposto pela Comissão Europeia (Next Generation EU), e que aguarda aprovação pelo Conselho Europeu, Carlos Costa considera que é "atempado e vai na direção certa", mas alerta que o mesmo "levanta desafios importantes para a qualidade dos ativos de empresas e bancos, uma vez que visa reorientar a economia mas falha no apoio atempado das fases de reparação e recuperação: não conseguiremos reorientar modelos de negócio se entretanto as empresas falirem".

Para Carlos Costa, "é preciso impedir que a atual crise de liquidez empresarial evolua para uma crise de insolvência, evitando a 'zombificação' de empresas e do mercado laboral". O líder do banco central defende que devem ser criados mecanismos que permitam a capitalização das empresas e "procedimentos de insolvência expeditos" para empresas inviáveis.

Novo enquadramento para bancos em dificuldade

Quanto ao setor da banca, o governador do Banco de Portugal avisa que é de esperar um aumento do incumprimento (non-performing loan ratios) e a eventual necessidade de ajudas estatais. A situação da banca deve merecer atenção desde já, avisa Carlos Costa. "A não ser que os Estados-membros encarem isto como uma matéria urgente, corremos o risco de repetir as discussões pós-crise soberana, com as consequências que se seguem para a recuperação económica e confiança nas instituições europeias, já sob stress com a resposta à crise sanitária".

Deve ser criado, defende Costa, um enquadramento europeu "para a gestão ordeira de bancos em dificuldades com importância sistémica local, combinando elementos do quadro de resolução e liquidação, para minimizar perdas e proteger depositantes e mutuários. Tal enquadramento deve incluir a definição de princípios de alto nível para serem acordados por todos os Estados-membros para aplicação a nível nacional".

O recurso a "medidas alternativas" e a fundos públicos deve ser considerada, considera o líder do banco central português, que avisa ainda que esta discussão não deve ser associada aos resgates do passado. "Poucas coisas podem ser tão destrutivas para a confiança pública nas instituições europeias do que as ameaças à estabilidade financeira, e os Estados-membros só podem evitar comprometer a coesão social e política europeia atuando preventivamente", defende Carlos Costa.

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