É num monitor junto à parede que descobrimos como está a evoluir a produção de lixo na cidade de Lisboa. Os dados são projetados a partir de uma mesa digital e manipulada a partir do toque. Parece que estamos a acompanhar a investigação de mais um episódio do CSI ou então a ver os antigos mapas do programa Caça ao Tesouro na versão de 2022.
O Dinheiro Vivo entrou no laboratório que analisa os dados recolhidos em contexto urbano. Estamos na escola de gestão de informação e ciência de dados da Universidade Nova de Lisboa. Miguel Castro Neto é o líder do Nova Cidade e o nosso cicerone na visita. É lá que os dados do passado ajudam a traçar o futuro das cidades.
"O contexto da inteligência urbana é um espaço de oportunidade para nós aplicarmos as metodologias de inteligência de negócio", explica-nos o fundador do Urban Analytics Lab. O trabalho do laboratório enquadra-se em áreas como sustentabilidade, inclusão e segurança, alguns dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas.
A análise é cada vez mais credível porque "há possibilidade de recolher dados dos sistemas de informação e dos sensores espalhados pelas cidades, que respeitam a privacidade do cidadão".
Todos os dados são agregados num repositório e são trabalhados por uma equipa de mais de duas dezenas de pessoas e que reúne cientistas de dados, especialistas em sistemas de informação geográfica e urbanistas.
Além dos portugueses, há elementos, por exemplo, dos Estados Unidos, Nova Zelândia e Rússia. Os projetos de inovação podem, mais tarde, ser transformados em produtos que poderão ser acedidos pelos cidadãos, se assim se entender.
Várias entidades públicadas e privadas estão a desenvolver projetos em conjunto com o laboratório. Exemplo disso são as comunidades intermunicipais do Algarve e do Oeste e ainda municípios como os de Lisboa, Porto, Cascais, Lagos e Viseu.
Também no mapa digital é possível descobrir quais as zonas com mais acidentes no concelho da capital. Um dos locais é no Eixo Norte-Sul, no sentido para Almada, junto a Alcântata, onde existe um radar de velocidade limitada a 60 km/h logo a seguir a uma descida.
"As pessoas travam ao ver o radar. Não basta haver alguns radares na cidade porque as pessoas andam em excesso de velocidade e só travam onde já sabem da sua localização. Com uma maior distribuição de radares, haverá uma acalmia de acidentes", assinala Miguel Castro Neto.
Outro dos projetos foi desenvolvido para o Automóvel Clube de Portugal (ACP) e teve a ver com o aumento do impacto das ciclovias em Lisboa.
"Verificámos o trânsito em partes da cidade antes e depois da colocação das ciclovias. Na Avenida Almirante Reis, o trânsito agravou-se drasticamente, o que não aconteceu em mais nenhum outro local." A análise só não foi mais profunda "porque não foi possível avaliar a qualidade do ar gerada pelos engarrafamentos".
Além de analisar os dados do passado, o sistema também consegue antecipar tendências. Ainda na capital, o histórico de informação "permite prever qual será a procura de bicicletas da Gira [sistema público partilhado] dentro de três horas".
Fora das cidades, foi ainda desenvolvido um projeto na área dos vinhos. Com a análise da região demarcada do Douro, é possível acompanhar todo o processo, da uva até ao copo. Por exemplo, é possível saber qual a origem das uvas.
A equipa da Nova IMS, contudo, ainda tem de enfrentar vários desafios. "Faltam informações em tempo real. Gostávamos de perceber, mais imediatamente, onde está o trânsito, como estão os níveis de poluição ambiental e sonora e onde é que as pessoas mais apresentam reclamações através de aplicações móveis."
Outra das batalhas tem a ver com a própria obtenção dos dados: com as entidades públicas, ainda falham as soluções de informação abertas, muitas vezes não disponíveis; com os privados, é necessária boa vontade para ter acesso a informação mais precisa. Isso seria importante, por exemplo, para gerir melhor a colocação das trotinetas partilhadas nas cidades.
No futuro, em vez de haver um monitor com dados numa sala, "poderemos ter um modelo em três dimensões, olhar para a cidade e ver os indicadores a movimentarem-se para medir os impactos da informação previamente recolhida na vida da cidade".